O PSTU representa sem dúvida a experiência mais importante de construção de um partido trotskista no Brasil. Sendo ainda uma organização de vanguarda, já conta com uma influência sindical e uma presença política inegáveis nos movimentos sociais do país.

Mas a construção do PSTU não começou com a fundação do partido, em 1994. Desde a década de 70, diversas organizações que reivindicaram as posições da corrente trotskista identificada internacionalmente com o PST argentino e depois com o MAS, cujo fundador e principal dirigente foi Nahuel Moreno, foram responsáveis por colocar as bases políticas, programáticas e organizativas sobre as quais se apoiou o PSTU para desenvolver-se nestes seus 14 anos de existência.

Nesta edição do Opinião, começamos uma série de artigos que pretende ser um breve resumo da história da corrente morenista no Brasil, relacionando-a com a da corrente internacional que hoje se organiza na Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI). Sendo apenas uma apresentação, procuramos retirar qualquer pretensão de obra acadêmica e não cansar o leitor com infinitas referências e citações.

Nosso enfoque é o de trabalho para militantes. Entender a história da assim chamada corrente trotskista “morenista” no Brasil é fundamental não só para os jovens revolucionários ou para os que aderiram há pouco ao PSTU e querem conhecer nossas origens. Também é muito importante para todos – desde os militantes mais antigos, que viveram parte dessa história, até os simpatizantes e amigos de nosso partido – que queiram extrair conclusões e lições desse passado para ajudar a construir o partido revolucionário do presente.

Para os revolucionários, comemorar os 70 anos da fundação da Quarta Internacional significa principalmente renovar nosso compromisso por reconstruí-la e entender nossa história para fortalecer a ação revolucionária atual.

Primeiros passos: a Liga Operária
O nascimento da corrente morenista no Brasil ocorre em meio à situação revolucionária aberta com o Maio de 68 na França e com a influência da Revolução Cubana na América Latina dos anos 60.

No fim dos anos 60, o aumento da luta de classes mundial provocado pelo Maio francês se manifestou na América Latina nas grandes mobilizações estudantis no Brasil e no México em 1968, nas insurreições da Argentina, das quais a principal foi o Cordobazo em 69, nas lutas que levaram ao poder o governo Torres na Bolívia e no ascenso revolucionário depois da eleição do governo da Unidade Popular de Allende no Chile em 1970.

Em todas essas situações pré-revolucionárias ou diretamente revolucionárias, surgiu uma vanguarda de dezenas de milhares de operários e estudantes que buscavam uma alternativa política revolucionária às políticas reformistas e aos métodos burocráticos dos partidos comunistas de linha soviética.

Ao mesmo tempo, influenciados pela Revolução Cubana, centenas de grupos de esquerda aderiam às teses da guerrilha, rural ou urbana, ou mesmo do “foco guerrilheiro”. No Brasil toda uma geração que nasceu das mobilizações estudantis e das greves de Osasco e Contagem aderiu à luta armada contra o regime militar.

O resultado desse embate contra o aparelho militar da ditadura é bem conhecido: sem levar em conta uma correlação de forças totalmente desfavorável e baseando-se em uma ação separada da classe operária e das massas em geral, todos esses grupos foram destruídos e alguns milhares de quadros e militantes valorosos perderam a vida ou passaram anos na prisão. Na Argentina, esse grave erro político se transformou em uma tragédia quando o regime militar assassino praticou um verdadeiro genocídio não só contra as organizações que aderiram à luta armada, mas contra a vanguarda operária e estudantil em geral.

A onda “guerrilheirista” também atingiu em cheio a Quarta Internacional (Secretariado Unificado), a organização mais forte do movimento trotskista naquela época. Orientados pela direção majoritária, pequeno-burguesa e impressionista, de Ernest Mandel, Lívio Maitan e outros, que capitulava à orientação “guerrilheirista” da direção castrista e guevarista, muitas seções nacionais do SU – especialmente o ERP na Argentina e o POR (González) na Bolívia – aderiram à luta armada e foram destruídas, levando à morte centenas de militantes.

Um setor minoritário da Quarta, encabeçado pelo SWP norte-americano e pelo PST argentino, dirigido por Nahuel Moreno, se opôs e lutou contra esse desvio vanguardista, agrupando-se primeiro na Tendência Leninista-Trotskista (TLT), logo transformada em Fração (FLT).

A FLT defendia a estratégia de construir partidos bolcheviques em todos os países, com forte inserção na classe operária para mobilizá-la e dirigi-la na luta pela tomada do poder no momento em que uma situação revolucionária abrisse essa possibilidade.

A vitória eleitoral da Unidade Popular e o começo do governo do socialista Salvador Allende em 1970 colocaram definitivamente o Chile como o centro da luta de classes na América Latina. Para ali se dirigiram dirigentes do PST argentino com o objetivo de participar da revolução que se abria. Milhares de exilados brasileiros e de outros países da América Latina, que fugiam da brutal repressão dos regimes militares do continente, fizeram o mesmo.

Entre os exilados brasileiros estavam Jorge Pinheiro e Maria José Lourenço – ex-militantes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), ex-dirigentes estudantis do CA de Comunicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro e jornalistas do jornal alternativo “O Sol” –, Ênio Bucchioni, ex-militante da AP, e Túlio Quintiliano, ex-militante do PCBR.

Por meio de Mário Pedrosa (importante intelectual brasileiro e ex-militante trotskista) e Hugo Blanco (dirigente peruano), também exilados no Chile, e de Peter Camejo (dirigente do Socialist Workers Party dos Estados Unidos), os militantes brasileiros entraram em contato com a Quarta Internacional e formaram o grupo Ponto de Partida.

Hugo Blanco e Peter Camejo eram membros da FLT e o grupo Ponto de Partida se identifica desde o princípio com a crítica da Fração ao desvio guerrilheirista e vanguardista da esquerda latino-americana e do SU. Essas posições críticas se expressam no documento “A propósito de um seqüestro” escrito pelo Ponto de Partida em 1971 e publicado pela Revista de América em 1972, um dos primeiros trabalhos (senão o primeiro) de crítica aos métodos e ao caminho da luta armada no Brasil. Um verdadeiro escândalo num momento em que era um tabu criticar os grupos guerrilheiros entre a esquerda.

No entanto, sem a perspectiva de construir um partido no Brasil, já que seus membros eram procurados pelos órgãos de repressão, e sem unidade para atuar no Chile, o grupo Ponto de Partida não avança e termina se dispersando.

Em setembro de 1973 o golpe de Pinochet no Chile derruba o governo Allende e reprime violentamente o movimento operário. Três mil ativistas e militantes de esquerda são assassinados e milhares são presos no Estádio Nacional. Túlio Quintiliano é executado nesse local. Os integrantes do Ponto de Partida têm diferentes destinos. Ênio é preso, consegue exilar-se na França e depois vai para Portugal. Zezé, Jorge e Waldo Mermelstein conseguem escapar e vão para a Argentina, buscando apoio do PST.

A Liga Operária foi fundada em dezembro de 1973 em Buenos Aires por Jorge Pinheiro, Maria José Lourenço, Waldo Mermelstein e Valderez. A LO defendia o mesmo que o PST argentino e a FLT. Desde sua fundação posicionava-se contra o desvio “guerrilheirista” que atingia inclusive o movimento trotskista e que abandonava a construção do partido revolucionário.

Reivindicava a tradição leninista e trotskista de que os revolucionários têm apenas duas estratégias permanentes: a mobilização das massas para a tomada do poder pela classe operária e a construção do partido revolucionário que possa dirigir a classe até a conquista do poder de Estado. Com essa perspectiva, começam a preparar sua volta ao Brasil.

A Liga Operária no Brasil
Em 1974 os integrantes da Liga Operária começaram a retornar ao Brasil e a construir clandestinamente a organização. Desde o princípio, orientados por nossa corrente internacional, os fundadores da Liga se preocuparam com duas orientações fundamentais. A primeira era colocar-se no movimento democrático contra a ditadura, cuja vanguarda era o movimento estudantil. Começavam as primeiras manifestações estudantis contra a ditadura, como a missa por Alexandre Vanucchi Leme, estudante da USP assassinado pelos órgãos de repressão. A Liga participa ativamente do Comitê em Defesa dos Presos Políticos, formado em 1974 para lutar contra uma recente onda de prisões.

A outra orientação central era buscar sempre dar um sentido de independência de classe à participação dos trabalhadores nas mobilizações democráticas. Do ponto de vista desse segundo aspecto de sua política, não é por acaso que o jornal da Liga, uma publicação artesanal impressa em mimeógrafo, se chamasse Independência Operária, nem que a organização buscasse desde o princípio abrir um pequeno trabalho operário no ABC paulista.

Essa política consciente viria a encontrar mais tarde o que seria o primeiro grande desafio da história da jovem organização: as prisões dos militantes do ABC.

Do ponto de vista da sua construção, a Liga se caracterizou por um acerto tático fundamental: concentrar suas minúsculas forças militantes no movimento estudantil universitário. Seu objetivo era duplo: estimular a luta estudantil e batalhar para reconstruir seus organismos representativos (CA’s, DCE’s, UEE’s e UNE) que haviam sido destruídos pela ditadura e, por outro lado, ganhar jovens ativistas e acumular quadros para construir o partido revolucionário no movimento operário.

Com essa política de construção partidária e uma orientação ousada, a Liga cresce rapidamente. Começa atuando em uma faculdade independente, a Sociologia e Política em São Paulo, e logo está em três universidades: a PUC e a USP em SP e a UFF em Niterói. Em agosto de 1975, a Liga tem cerca de 50 militantes e, em março de 1976, abre trabalhos universitários na Unicamp em Campinas e na Universidade Federal de São Carlos e comemora o seu centésimo militante, o companheiro Celso Brambilla, ex-presidente do DCE da Federal de São Carlos, que neste mesmo ano seria um dos primeiros estudantes a ir para o ABC trabalhar em fábrica.

Durante esse ano, os militantes da LO dirigiam o DCE da Ufscar, participavam do DCE da UFF e eram a segunda corrente na PUC-SP e na Unicamp. A Liga propõe e participa ativamente dos primeiros encontros nacionais de estudantes, realizados em São Paulo, São Carlos e Belo Horizonte, que buscam reorganizar a União Nacional de Estudantes.

No 1º de Maio de 1977 a Liga Operária vai enfrentar o seu primeiro grande desafio. Estimulada pelo sucesso do seu primeiro trabalho operário com o boletim chamado Faísca, a direção decide realizar uma panfletagem clandestina. Por acaso os companheiros são detidos numa blitz da Polícia Civil, que se surpreende com os panfletos e os leva ao DOPS. Entre os presos estão Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes e José Maria de Almeida, um operário metalúrgico de apenas 19 anos. Todos são torturados, principalmente Brambilla, que sai da prisão com importantes seqüelas. Os organismos de repressão tomam conhecimento pela primeira vez da existência da jovem organização.

As prisões foram o estopim para as primeiras mobilizações estudantis nas ruas desde 1969. Em poucos dias as mobilizações pela libertação dos presos ganham dimensão nacional, com diversos Dias Nacionais de Luta, e assumem o caráter de luta pela libertação de todos os presos políticos do país e pela Anistia. Os militantes da LO participam ativamente das mobilizações e cumprem um papel dirigente em vários lugares, por exemplo, em São Carlos.

A política da Liga foi decisiva na assembléia de estudantes da USP que desencadeou a primeira mobilização de rua. A assembléia discutia o que fazer contra as prisões e se encontrava dividida. As organizações reformistas que dirigiam o movimento tentavam frear a saída às ruas. No entanto, a Liga levou dois dirigentes operários da organização, que pediram a palavra e discursaram na assembléia pedindo ajuda para seus colegas presos. Ganharam a adesão de todos e a moção a favor da saída às ruas foi aprovada por ampla maioria.

A partir do processo de lutas e da reorganização do movimento estudantil universitário, com os encontros nacionais e a reconstrução das organizações estudantis, a Liga Operária vive um grande crescimento e chega ao final do ano de 1977 com cerca de 250 militantes. Sem dúvida, esses três primeiros anos foram essenciais para a consolidação da primeira organização da corrente trotskista morenista no Brasil.

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