Cecília Toledo

O vosso tanque, General, é um carro forte
Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
– Precisa de um motorista.
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
– Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito:
– Sabe pensar

Sempre que há um ressurgir da luta de classes e os povos se levantam para lutar, há um desabrochar da arte e aparecem ou reaparecem artistas que, de uma forma ou de outra, buscam expressar esse sopro de vida. É o caso de Bertolt Brecht. Ele, que foi um dos mais importantes homens de teatro do século XX, vem sendo relembrado aqui e ali, pelas novas e velhas gerações de artistas.

Quem foi Brecht

Brecht nasceu em 10 de fevereiro de 1898, em Augsburg, na Alemanha, no auge do capitalismo, quando a burguesia vivia dias de glória como classe social, às custas dos trabalhadores.

Duas grandes guerras mundiais, a Revolução Russa, o holocausto em sua própria terra natal: Brecht viveu e sofreu com alguns dos maiores acontecimentos do século XX. Buscou respostas em Marx e Engels, adotou suas idéias e, assim, dedicou toda a sua obra à luta contra o capitalismo, o militarismo, a opressão nacional. A reflexão sobre a situação humana num mundo dividido em classes. A análise do comportamento ético e social do indivíduo diante da repressão, a revolta contra a exploração do homem pelo homem: eis a matéria-prima de seu espírito, de sua mente, de sua arte.

A busca por um mundo mais justo e mais feliz fez com que Brecht cedo definisse seu lado na vida: o lado dos trabalhadores e das minorias, o lado dos oprimidos e explorados.

No compromisso com a transformação da dura realidade social de seu tempo, está a chave para compreender não só o teatro de Brecht como também o sentido e a razão de sua atividade poética. Ele foi um artista que procurou refletir na sua poesia e no seu teatro as causas concretas das dificuldades da vida e da inclemência dos tempos.

Brecht queria que os homens refletissem sobre sua condição. Por isso, no teatro brechtiano, o espectador deverá distanciar-se do espetáculo para melhor compreendê-lo e, assim, deixar de ser espectador para tornar-se um sujeito ativo na transformação do mundo. Na poesia, o distanciamento está na quebra da rima, nas estrofes interrompidas, na recusa ao misticismo.

Para Brecht, não é o espectador quem deve ter os olhos postos no espetáculo: é o espetáculo que tem os olhos postos no espectador. Não é só o espetáculo que leva a tragédia aos homens: são os homens que levam a tragédia ao espetáculo.

A poesia e o teatro de Brecht são um desafio constante à inteligência do leitor e do espectador. Do mesmo modo que lutava no teatro contra a ilusão do público, assim recusava, na poesia, a ilusão do leitor que pretenderia talvez conquistar, mas que queria, antes de mais nada, desalienar e esclarecer.

A primeira peça de Brecht encenada no Brasil foi, nos anos 40, em São Paulo. Era A Alma Boa de Tsé Tsuan, um libelo contra as relações capitalistas. Foi uma revolução no teatro brasileiro. Chegava aqui pela primeira vez uma nova forma de fazer e ver teatro.

Com 15 anos, Brecht escreveu sua primeira peça, Baal, sobre a podridão da sociedade capitalista. Mas foi a partir de seu contato com o marxismo que ele começou a escrever peças com maior conteúdo político. Influenciado pela Revolução Alemã, que viveu de perto, e o grupo de Rosa Luxemburgo, a Liga Spartakista, ele escreve, em 1920, Tambores na Noite, a primeira vez em que a luta de classes aparece em seu teatro. Faz uma reflexão vigorosa sobre as contradições internas da revolta spartakista e do drama e sofrimento dos soldados que voltam da guerra.

Daí em diante, a luta contra o capitalismo e suas mazelas, como o colonialismo, o militarismo, o caráter alienante da religião serão temas de suas peças. A maioria delas foi encenada aqui, como Mãe Coragem, Os Fuzis da Senhora Carrar, Galileu Galilei, Terror e Misérias do III Reich, A Ópera dos Três Vinténs, Santa Joana dos Matadouros e outras.

BB, como gostava de ser chamado, foi um artista singular. Enquanto muitos poetas falavam do ser humano do passado, Brecht falava do ser humano do futuro. Porque ele acreditava que um outro mundo era possível. Mas um mundo socialista, onde todos os homens e mulheres pudessem deixar a arte florescer em si. Então colocou toda a sua arte a serviço da construção desse outro mundo. Certamente ele gostaria que os seus poemas fossem envelhecendo e saindo de cena à medida que fôssemos entrando no seu futuro. Mas todos sabemos, ou podemos agora saber, como eles continuam novos e atuais.

O teatro épico-dialético

Em 1926 estréia Um Homem é um Homem, peça de Brecht que contém elementos do teatro épico, que será depois uma constante em seu trabalho. É uma parábola em que os personagens interrompem a ação e se dirigem diretamente à platéia, comentando ou ironizando uma situação. A linguagem é direta, seca, didática, com uma nova poesia, fundamentada no raciocínio e na argumentação. As canções buscam um nítido distanciamento, ajudando a narrar a história. Sob a influência do materialismo dialético, Brecht tem o objetivo claro de mostrar que o homem se modifica, tanto no sentido de sua desintegração pela sociedade burguesa quanto no sentido de que ele pode se transformar e transformar o mundo.

Em contraposição à forma lírica e à forma dramática, a épica relaciona-se com tudo o que seja amplo, exterior, objetivo. Brecht usa a expressão teatro épico em contraposição à definição de poesia épica de Hegel; é basicamente uma resposta à poética idealista hegeliana. Em linhas gerais, para Hegel, o personagem é inteiramente livre, é um sujeito absoluto, quer se trate da poesia lírica, épica ou dramática. Para Brecht, que trabalha com o método marxista, o personagem é objeto de forças sociais e econômicas, não é um sujeito absoluto, mas sim, concreto e determinado por sua situação social e econômica.

É isso que o teatro épico procura deixar claro. Augusto Boal, um dos mais importantes encenadores brasileiros, prefere classificar o teatro de Brecht como teatro marxista, mas talvez fosse melhor chamá-lo de teatro dialético.