Na primeira semana de maio, o chanceler argentino, Rafael Bielsa, a pedido do presidente Nestor Kirchner, encenou “tensão” nas relações com o Brasil após a intervenção do governo Lula na crise equatoriana. As rusgas diplomáticas ensaiadas por Bielsa, ao anunciar o “endurecimento” nas relações com o Brasil, tiveram como estopim a proposta do governo Lula de se utilizar da Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN) para intervir na crise do Equador. O Brasil fez uma vergonhosa operação para conceder asilo político ao presidente deposto Lucio Gutiérrez e atuar na crise equatoriana, que, para a Argentina, deveria ter sido mediada pela Organização de Estados Americanos (OEA). Some-se a isso a divergência em relação à candidatura do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Mais do que mera cólera portenha de Bielsa ou vaidade pessoal de Kirchner, as suscetibilidades do governo argentino perante o que a imprensa burguesa cunhou como “hegemonia” brasileira na América Latina representam uma disputa nada honrosa pelo papel de quem será o “guardião” do imperialismo norte-americano no subcontinente.

A visita ao Brasil da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, significou a reversão da situação entre os países e confirmou a Lula a sucessão nas “relações privilegiadas” com Bush Júnior. O Brasil ocupa uma importância fundamental na dominação imperialista na América Latina. A atuação de Lula na “mediação” de crises revolucionárias na região e a liderança brasileira na intervenção militar da ONU no Haiti são os maiores exemplos da subserviência do governo brasileiro. “Aplaudimos o novo papel do Brasil como líder regional e mundial e vemos o país como parceiro valioso nos esforços de promover a segurança, a estabilidade e a prosperidade neste hemisfério”, atesta Roger Noriega, secretário de Bush para a América Latina.

Razões econômicas
A crise diplomática, porém, também tem motivações econômicas. Depois de anos adotando o receituário neoliberal recomendado pelo FMI, a Argentina foi conduzida à catastrófe econômica de 2001-02. A balança comercial do país – diferença entre exportação e importação – começou a se tornar desfavorável à Argentina, apresentando um déficit de US$ 2,8 milhões. Assim, empresas instaladas no Brasil, muitas delas multinacionais, aumentaram suas exportações para o país vizinho.
A crise econômica reduziu drasticamente a capacidade industrial do país, que atualmente busca se relocalizar no mercado mundial, tentando garantir um aumento de cotas nas suas exportações de produtos primários, como carne, vinhos etc.

Mercosul: uma ponte para as multinacionais
Bielsa afirma que salvaguardas comerciais do Mercosul teriam favorecido amplamente as exportações do Brasil, gerando uma invasão de produtos brasileiros na Argentina e reivindica que deve haver “equidade” nas relações comerciais entre os países membros do Mercosul.

Em primeiro lugar, o Mercosul reivindicado nas declarações do chanceler argentino não passa de uma plataforma para a exportação de multinacionais do imperialismo norte-americano e europeu – em especial automobilísticas. Cerca de 36% das exportações brasileiras para o Mercosul são de automóveis, máquinas e produtos elétricos. Do mesmo modo, a maior parte dos US$ 514 milhões das vendas argentinas ao Brasil foi composta por veículos e autopeças. Por trás dos atritos, portanto, o que há é uma disputa de capitalistas por acesso a mercados.

Em segundo, é preciso dizer que o Mercosul reproduz as relações de dominação entre nações desiguais, com a exploração subimperialista da Argentina pelo Brasil. Enquanto o Brasil tem 77% do PIB da região, a Argentina concentra 20%. Portanto a tal “equidade” defendida por Bielsa é algo que não pode ser feito.

Kirchner enfrenta o imperialismo?
Não há o menor enfrentamento com o imperialismo nas iniciativas do governo Kirchner, como tentam dizer o PT, PCdoB e toda a esquerda reformista. A renegociação da dívida externa, tida com exemplo de “soberania” argentina, comprometeu o país por 30 anos com políticas de superávit primário que muito excedem o mandato atribuído a Kirchner. A recente publicação de um artigo de Bielsa, defendendo a retomada das negociações da Alca, indica a inexistência de qualquer rastro de antiimperialismo. Em seu artigo, Bielsa diz que “existe um compromisso e um interesse permanente em avançar nessa negociação, para obter melhores e substantivas condições de acesso aos mercados”. Quer dizer, a política do governo argentino sobre a Alca é idêntica à adotada por Lula: continuar negociando a implementação do acordo para, nas palavras de Bielsa, satisfazer “os interesses dos exportadores argentinos”.

Guerra aos senhores
Os trabalhadores brasileiros e argentinos não têm interesse nenhum nessa disputa entre as classes dominantes do Brasil e da Argentina para favorecer um punhado de empresários com o aumento de suas exportações. Seja quem for que ganhe, os trabalhadores só têm a perder, pois qualquer solução apontada por Lula ou Kirchner obedecerá à lógica do livre comércio, ou seja, acarretará em mais desemprego, miséria e salários mais baixos para aumentar a “competividade” dos empresários.
Os trabalhadores dos dois países devem lutar juntos contra os governos subservientes de Lula e Kirchner para derrotá-los no seu intento de transformar a América Latina em uma colônia norte-americana.

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