Pelo menos 65 pessoas foram assassinadas em conflitos agrários no campo brasileiro em 2017. O dado é da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado no último dia 14, e faz do Brasil o país mais violento para as populações camponesas no mundo. Mas o retrato completo da barbárie só vai sair daqui algumas semanas, quando a CPT divulgar na íntegra o relatório com balanço sobre conflitos no campo no país.

As chacinas voltaram ao campo brasileiro. Em 2017, elas foram frequentes, como a de Pau D’Arco, no Pará, em maio, quando dez trabalhadores rurais foram assassinados; de Colniza, em Mato Grosso, em abril, quando nove posseiros e agricultores foram executados; Vilhena, no estado de Rondônia, onde três trabalhadores rurais foram mortos por lutarem pela reforma agrária; e o massacre em Lençóis, na Bahia, ocorrido em julho, quando oito quilombolas foram assassinados na comunidade de Iúna. Diferente do assassinato seletivo de lideranças, praticado por jagunços e pistoleiros, a comissão identificou que em 2017 as chacinas tiveram como objetivo de aniquilar todos os focos coletivos de resistência existentes no campo, contando com auxílio de forças policiais, políticos e acobertadas pela justiça.

Ano passado também foi marcado outros ataques violentos foram vividos pelas comunidades do campo, como o caso do povo indígena Gamela, no Maranhão, que sofreu tentativa de extermínio por pistoleiros ligados a fazendeiros da região. Cerca de 13 índios foram feridos, sendo um alvejado pelas costas e com as mãos decepadas.

Luta pela terra e polarização social
A explosão da barbárie no campo brasileiro é resultado da contrarreforma agrária levada a cabo pelos últimos governos. O apoio da bancada ruralista é fundamental para que Temer possa aplicar sua agenda de ataques aos direitos históricos dos trabalhadores. Por isso ele editou uma portaria com o objetivo de flexibilizar a fiscalização do trabalha escravo, ou ainda tenta rever limites de áreas de conservação cobiçadas pelo agronegócio. Contudo, também é preciso incluir nessa conta os governos de Lula e Dilma que congelaram a reforma agrária e por mais de uma década beneficiaram o agronegócio e os latifundiários com dinheiro público. O resultado foi o aumento da concentração de terras no Brasil.

Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, geógrafo da USP, sob os dois mandatos de Lula, a área apropriada pela grande propriedade latifundiária aumentou 62,8%, “quase o dobro do seu crescimento durante a ditadura militar, e, cinco vezes mais do que o governo FHC”, destaca o professor. Com Dilma, a concentração fundiária não parou e chegou a 66,7%, ou, mais 97,9 milhões de hectares nas mãos de grandes proprietários.

Por isso, o número de assassinatos decorrentes de conflitos no campo em 2017 não foi um raio que caiu de um céu azul, como advogam aqueles que relacionam o aumento de assassinatos de camponeses com um suposto golpe contra o governo Dilma. Os dados de 2017 expressam uma crescente polarização social entre as populações camponesas e os grandes proprietários de terras favorecidos pelos governos de turno. Em 2016, segundo a CPT, ocorreram 61 mortes no campo. Em 2015 foram 50 pessoas assassinadas em conflitos agrários.

Por outro lado, novos sujeitos políticos e sociais emergem na luta pela terra, como posseiros, quilombolas e movimentos indígenas, em sua maioria organizados em movimentos políticos que mantiveram sua independência e autônoma frente aos governos de plantão. Ou seja, não seguiram o caminho que, infelizmente, o MST tomou. Ao apoiar os governos petistas, o movimento sem-terra abriu mão das ocupações como instrumento para forçar o governo a assentar famílias. Se em 1999 foram registradas 856 ocupações, nos anos seguintes o número caiu drasticamente e chegou a apenas 184, em 2010, segundo o Relatório Dataluta 2012.

Por tudo isso, o retrato da concentração fundiária brasileira não poderia ser mais perverso. Atualmente, 2% dos imóveis rurais que tem entre mil até 10 mil hectares controlam 33% das terras.

Na outra ponta, os imóveis rurais com até 10 hectares somam 36% do total, mas detém apenas 1% das terras.

O Brasil precisa de uma reforma agrária que liquide a estrutura latifundiária atual e desenvolva em seu lugar um amplo e massivo plano de acesso à terra, a água, floresta etc. Uma reforma agrária realizada por aqueles que vivem da terra e que leve em considerações a ampla diversidade cultural e étnica do camponês brasileiro como o quilombola, o caboclo ribeirinho, o seringueiro, o sitiante, o caipira etc. Cada um desses povos tem à sua maneira de ser, estar e se relacionar com a terra. É preciso também demarcar todos os territórios indígenas, alvos de massacre, racismo e perseguições há mais de cinco séculos.