Cena do filme: Borat nos Estados Unidos da América
Reprodução

Sem grandes aspirações artísticas, o polêmico Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América chega ao Brasil carregando uma série de controvérsias, em relação às quais é necessário mais do que uma olhada rápida e desatenta. Caso contrário, pode-se acreditar que o filme com o comediante inglês Sacha Baron Cohen se trata de mais um besteirol norte-americano.

A história do jornalista casaque Borat Sagdyiev, enviado aos EUA para realizar um intercâmbio cultural, visando aprender com “o melhor país do mundo” como resolver os problemas “econômicos, sociais e judeus do Cazaquistão” é um ensaio crítico e obsceno sobre os Estados Unidos, seu modo de vida e sua política externa.

Politicamente incorreto?
Uma das principais polêmicas sobre o filme diz respeito ao seu formato. Borat narra sua saga dos territórios casaques aos norte-americanos num “documentário-falso”, costurado por cenas reais e fictícias. De fato, no filme, poucas foram as situações encenadas. A maior parte das cenas foi obtida a partir da participação espontânea (ou não) de pessoas nas ruas ou eventos. Gente que, desconhecendo o personagem de Cohen, acreditava estar participando de um documentário de verdade e que Borat era realmente um estrangeiro de um país “exótico” e com sotaque estranho.

Além disso, para dar mais tranqüilidade aos entrevistados, diante de suas perguntas absurdas, Borat dizia que o documentário só entraria em cartaz na Europa. Esta forma de filmar rendeu ao filme uma boa quantidade de processos judiciais nos EUA. Para se ter uma idéia, basta dizer que estudantes que aparecem fazendo comentários machistas e racistas disseram ter sido embriagados e induzidos a dizer tamanhas barbaridades.

Existe, realmente, uma questão ética colocada por essa postura, mas, o filme não se trata simplesmente do aproveitamento do constrangimento das pessoas para causar o riso, como faz alguns programas de “pegadinhas”. Diferente do que acontece neste tipo de programa, o personagem de Borat – machista, racista, xenófobo e escatológico (a beira do grotesco) – confronta as pessoas com seus questionamentos e afirmações como se não tivesse idéia do quão ofensivas elas podem ser. E pior: as respostas acabam evidenciando a aproximação (ou, às vezes, distanciamento) destas pessoas em relação às crenças e pensamentos do personagem.

Em outras palavras, Borat é um estímulo para que as opiniões mais conservadoras venham à tona. Instrumento que Cohen usa com especial ênfase nos estados do meio-oeste americano, conhecido como cinturão-bíblico, onde se assenta boa parte da base eleitora de Bush.

Quanto à questão ética, o próprio filme apresenta uma resposta. Numa de suas primeiras entrevistas, Borat conversa com um humorista estadunidense tentando entender o “senso de humor da América” e aprender algo, já que, segundo uma pesquisa da ONU, o “Cazaquistão é número 98 em quesito de humor”.

Borat pergunta, por exemplo, se os norte-americanos costumam rir de doentes mentais e o comediante responde que na “América” não é bem visto fazer piadas sobre coisas que as pessoas não podem escolher. O comediante, então, tenta dar lições de humor “politicamente correto” a Borat, que, não vendo muito sentido nesta história, responde dizendo que, se não faziam piadas com deficiência física ou mental era porque, de fato, não deveriam ter encontrado deficiências engraçadas.

Nessa primeira entrevista, Borat nos antecipa a tônica geral de seu filme com a explosão do politicamente correto e a busca do humor naquilo que não é dito.

Sátira incompreendida
Outra polêmica com relação ao filme foi ressaltada pelo governo do Cazaquistão que processou a equipe de filmagem pelo modo como apresenta o pequeno país asiático, uma ex-república soviética. Filmado na verdade na Romênia (que também processou os responsáveis pelo filme), o longa-metragem do diretor norte-americano Larry Charles, com humor ácido, direto e, muitas vezes, rasteiro, nos apresenta, de fato, uma imagem nada simpática do Cazaquistão: país primitivo, ignorante, preconceituoso e permeado ainda por hábitos bárbaros, principalmente em relação à vida sexual.

No entanto, é explicitamente uma sátira, uma ironia ressaltada pelo próprio Cohen em entrevista. “A piada não é sobre o Cazaquistão. A piada é sobre as pessoas que acreditam que aquele Cazaquistão realmente existe”, diz Cohen.

É um tanto difícil que pessoas em sã consciência saiam do cinema acreditando que o Cazaquistão é um país com as prostitutas mais limpas da Ásia Central, ou que os cazaques obrigam os homossexuais a usar chapéu azul, enjaulam as mulheres e têm como esporte nacional a caça aos judeus.

A escolha do Cazaquistão enquanto país de origem de Borat é aleatória. Poderia ser qualquer outro país que soasse, aos ouvidos dos norte-americanos, como exótico e subdesenvolvido. Países sobre os quais eles não têm e nem se importam em ter qualquer informação mais precisa, limitando-se às usuais informações erradas apresentadas nos filmes hollywoodianos em geral.

Borat não ridiculariza os cazaques ou os judeus, mas a visão estereotipada e estreita dos EUA com relação ao restante do mundo. Toda a vez que Borat descreve o Cazaquistão, na verdade, está falando sobre o modo como os EUA pensam o resto do mundo. O Cazaquistão é um instrumento para satirizar o pensamento mais conservador norte-americano, aproximando-o do pensamento bárbaro. Isso é ressaltado em diversos momentos do filme: numa missa evangélica, na conversa com os já citados estudantes ou num rodeio no interior do país.

Nestes últimos, Borat (vestindo uma camisa com a bandeira americana), é histericamente aplaudido ao dizer coisas como “meu nome Borat. Eu venho do Cazaquistão. Posso dizer, primeiro, que nós apoiamos sua guerra contra o terror. Apoiamos seus rapazes, que estão no Iraque. Queremos que os EUA matem cada um dos terroristas. E que George Bush beba o sangue de cada homem mulher e criança do Iraque. Que possam destruir aquele país de forma que nos próximos mil anos nem mesmo um único lagarto sobreviva no deserto deles”. Os aplausos só terminam quando ele ofende os Estados Unidos com a pretensa letra do hino nacional cazaque.

Comédia como instrumento político
Muitas vezes, temos dificuldade de ver na comédia qualquer vestígio de discussão política mais aprofundada. Em geral, porque, de fato, a maior parte das comédias que chegam às telas é extremamente ruim e só reproduzem todos os velhos papéis sociais e a velha ordem de todas as coisas.

Borat, no entanto, recupera a boa tradição do seu conterrâneo inglês, o grupo Monty Python, não só pela utilização de uma “desculpa” narrativa para conduzir o filme, mas também por resgatar a comédia como arma subversiva, tocando em tabus que filmes “mais sérios” não tocariam, ou certamente teriam mais dificuldade para tocar. Essa é a uma vantagem da comédia em relação ao drama: ela é capaz de desmoralizar o inimigo, ridicularizando-o e, como conseqüência, reduzindo-o a um oponente muito menos temeroso.

Quando acerta em cheio o pensamento conservador da base social de Bush, Borat, – mesmo não pretendendo ser sofisticado, mesmo sendo mais um produto da indústria cultural cinematográfica –, abre espaço para a crítica e para a expressão das angústias e aflições de se viver numa realidade cada vez mais insuportável e intolerável.

Mais polêmicas
Com o sucesso de bilheteria do filme, Sacha Baron Cohen já fechou contrato para a realização de mais um longa. O personagem central agora, segundo o ator, será Bruno, um repórter gay austríaco que entrevista celebridades acerca de moda, entretenimento e homossexualidade, sobretudo esse último tópico. Com lançamento já previsto para 2008, certamente será mais um filme de Cohen que virá embalado por polêmicas.

FICHA TÉCNICA
Título original: Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan
Gênero: Comédia
Tempo de duração: 84 min
Ano de Lançamento (EUA): 2006
Direção: Larry Charles
Roteiro: Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Peter Baynham
Montagem: Craig Alpert, Peter Teschner e James Thomas
Produção: Dune Entertainment, Everyman Pictures, Four by Two, Major Studio
Música: Erran Baron Cohen
Fotografia: Luke Geissbuhler e Anthony Hardwick
Direção de Arte: David Maturana
Figurino: Jaosn Alper
Elenco: Sacha Baron Cohen, Ken Davitian, Luenell, Pamela Anderson, Bob Barr, Alan Keyes, Bobby Rowe, Mariam Behar

Borat recebeu o Globo de ouro para melhor ator de comédia ou musical para Sacha Baron Cohen e foi indicado ao Oscar na categoria de melhor roteiro adaptado.

  • Clique aqui e assista aos trailers no site oficial do filme