Convocado pela Central Operária Boliviana (COB), foi realizado, nos dias 7 e 8 de março, o 1º Congresso Nacional Político Sindical dos Trabalhadores da Bolívia. O congresso tinha a missão de fundar pela primeira vez, um instrumento político próprio dos trabalhadores.

A reivindicação de um Instrumento Político próprio dos Trabalhadores (IPT) já é antiga,  mas ganhou força em 2003, quando uma revolução expulsou o governo neoliberal de Gonzalo Sánchez de Lozada. Na época, se discutia a possibilidade dos trabalhadores ocuparem o poder por meio da COB. Vale recordar que, na Bolívia, esta possibilidade se fez presente nas revoluções de 1952, 1971, 1985 e se repetiu em 2003. Mas, devido às direções que sempre preferiram saídas no caminho da conciliação de classes, os operários nunca tomaram o poder.

A chegada ao governo de Evo Morales e do MAS gerou enormes expectativas na classe operária, e mais ainda nos camponeses e povos indígenas, fazendo que a reivindicação de formar um partido próprio dos trabalhadores ficasse em segundo plano. No entanto, ainda que nos primeiros anos do governo primasse o discurso das nacionalizações e algumas concessões aos trabalhadores, as coisas começaram a mudar após o pacto em torno a Nova Constituição, realizado entre Evo Morales e os representantes da burguesia da chamada “Meia Lua” (região que envolve os departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, todos na parte Oeste da Bolívia), hoje extinta politicamente.

Pouco a pouco, os trabalhadores e setores dos povos indígenas começaram a se dar conta do que estava por trás do discurso de “refundação de Bolívia e processo de mudança”. O pacto entre Morales e a burguesias promoveu mudanças significativas no primeiro texto da Constituição. A Constituição, que terminou sendo aprovada no referendo de janeiro de 2009, garantindo a propriedade privada dos meios de produção em mãos da burguesia, além de manter os bons negócios para as multinacionais e a manutenção do latifúndio.
Os ataques aos trabalhadores começaram a partir de 2010, com a tentativa de impor uma reforma trabalhista que facilitava as demissões e restringia o direito de greve. A resposta foi a primeira greve operária sob o governo de Evo. A luta conseguiu frear a reforma. Em dezembro de 2010, Evo anunciou o “gasolinazo”, medida que pretendia aumentar o preço do barril de petróleo pago às multinacionais e pôr fim ao subsidio dos combustíveis à população. A medida desatou uma semana de lutas intensas nas ruas da cidade de La Paz, que parecia um campo de guerra. Mas uma vez o governo recuou da medida.

Para atender aos interesses das multinacionais petroleiras e da construtora brasileira OAS, em 2011 o governo começa a construção de uma estrada que corta o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), medida que enfrentou a imediata resistência dos povos indígenas deste lugar e de terras baixas (Oeste do país). A situação piorou para o governo depois da decisão de impedir a chegada da marcha à sede do governo, recorrendo a uma brutal repressão, desatou uma onda nacional de apoio à marcha indígena. Trabalhadores, estudantes e o povo em geral (que) saíram às ruas para receber a marcha expressando sua rejeição à medida.  Até hoje o governo não conseguiu impor a construção da estrada.
Diante destes fatos, a Federação Sindical de Trabalhadores Mineiros de Bolívia (FSTMB) resgatou em seu 31º Congresso Mineiro, realizado em Potosí em setembro de 2011, a resolução de que os trabalhadores deveriam construir seu próprio IPT. A resolução foi ratificada como mandato orgânico no 15º Congresso da COB, realizado na cidade de Tarija em janeiro de 2012. No entanto, esta resolução vinha sendo postergada em grande parte pelo papel dos dirigentes da COB, da FSTMB e de outras organizações sindicais. De maneira disfarçada, continuavam colaborando com o governo de Evo  e adiando a fundação do IPT.

Lutas sociais em 2012
Finalmente, em 2012, a classe operária voltou à cena com força, defendendo-se dos ataques do governo, produto de um pacto realizado com os empresários, a  “Cumbre gubernamental con el sector de los empresarios”. O primeiro ataque foi a tentativa de aumentar a jornada trabalhista (de 6 para 8 horas) para os trabalhadores da saúde, sem incorporação à Lei Geral do Trabalho (LGT), o que gerou uma greve de quase três meses, fazendo com que o governo retrocedesse.
No segundo semestre de 2012 ocorreu o conflito de Colquiri, onde os trabalhadores mineiros exigiram do governo a expulsão da multinacional Sinchi Wayra (Suíça), encarregada de operar a mina. Pediam a nacionalização de 100% da mina. Evo resistiu a atender a reivindicação, e depois de muita luta aceitou fazer uma nacionalização parcial da mina, entregando outra parte aos donos da Cooperativa Mineira 26 de Fevereiro. Este conflito foi a gota d’água que fez o copo transbordar. Os mineiros concluíram que o governo apoia os donos das cooperativas que vendem os minérios que extraem para as multinacionais.

A partir daí ganhou força a resolução sobre a criação de um IPT, tendo como base os mineiros, os trabalhadores das fabricas, da saúde etc. A pressão sob a direção da FSTMB e da COB resultou na convocação de uma Conferência política e sindical, realizada em Cochabamba nos dias 17 e 18 de janeiro. A conferência que decidiu convocar um congresso de fundação do IPT, no distrito mineiro de Huanuni.

Um grande passo para o proletariado boliviano
O Congresso foi organizado por uma Comissão Política encabeçada pela COB e pela FSTMB, que elaboraram os documentos de princípios, programa e estatuto. Os setores abertamente governistas decidiram não participar do congresso, uma vez que eles seriam minoritários no evento. Isso porque a convocação seguiu os critérios estatutários da convocação dos congressos da COB onde os mineiros, operários das fábricas, professores e trabalhadores da saúde conformam a grande maioria.

Congresso de fundação
O congresso teve como abertura uma marcha por todo o distrito mineiro de Huanuni, seguida das intervenções em plenário da FSTMB, da COB, de um representante da Comissão Política e da saudação da CSP-Conlutas, única organização internacional que fez uso da palavra na abertura do congresso.

Ao longo de dois dias, os cerca de mil e duzentos delegados, a maioria mineiros, mas também representantes de outras categorias operárias, além da juventude e de mulheres mineiras, por exemplo, debateram o caráter e o programa que deveriam adotar. Ainda que muitas coisas ficaram de ser  precisadas – foi votado a realização de um seminário que aprofundará o debate da direção e funcionamento interno – ficou definido no estatuto que o nome do IPT é Partido dos Trabalhadores, além de uma direção provisória de 13 pessoas, eleita entre os representantes dos principais setores que conformam a COB.  Todos os organismos do PT deverá ser composto com 50% de mulheres e será permitida a formação de grupos de opinião e tendências no interior do partido, mas não de correntes políticas. Este tema foi uma das grandes polêmicas no congresso.

O Grupo Luta Socialista, seção da LIT-QI na Bolívia, apresentou e defendeu no congresso a Plataforma Política “PT de luta e democrático”, onde afirmava que o mais importante na organização do novo partido seria garantir que as bases possam se organizar em células e ter poder de decisão; que a mais ampla democracia permitirá o fortalecimento do PT; que o partido deve ter absoluta independência frente ao governo de Evo Morales e dos patrões para cumprir as tarefas propostas pela revolução de outubro de 2003, que foram abandonadas e traídas por Evo e o MAS.

O debate sobre a posição do PT diante do governo foi um dos mais importantes do congresso. O documento apresentado pela Comissão Política não defendia contundentemente a necessidade da independência perante Evo Morales. Além do Grupo Luta Socialista, os mineiros de Huanuni também apresentaram uma plataforma política que dizia contundentemente que o PT deve ser independente do governo e dos patrões. No final houve uma fusão dos dois documentos. Os princípios e programa aprovados foi reafirmado que o PT será um partido antimperialista, anticapitalista e que tem como tarefa fazer com os trabalhadores governem o país, por meio de uma revolução social. O partido defende ainda a necessidade do socialismo, a luta direta das massas e também por meio do parlamento. O PT se declara independente do governo e dos patrões. Por fim, deixa claro que “que o PT não tem parentesco com o PT de Lula da Silva no Brasil que traiu aos trabalhadores brasileiros”.

O grande desafio
O processo de fundação do PT, com todos os limites que possam existir, é o resultado da experiência da vanguarda operária com o governo de frente popular de Evo Morales, o que possui enorme importância.
As bases estão pressionando as direções para que se dê uma forma política à embrionária reorganização sindical, para que se possa organizar todos os setores descontentes com a frente popular em uma nova ferramenta política. No congresso ficou claro que sentimento geral nas bases é o de construir uma alternativa à esquerda do MAS.

Assim, se retoma o debate histórico de que são os trabalhadores que devem governar,  aglutinados ao redor da COB. A grande tarefa será a de afirmar o PT, fazendo com que o partido encabece as lutas sociais incorporando todos os trabalhadores que já fizeram a experiência com Evo. Dotar o partido de um plano de luta que unifique setores e reivindicações propostas e o  primeiro passo para afirmar o PT como um instrumento de luta à esquerda do MAS.
O Grupo Luta Socialista vai dedicar todas as suas forças para a construção do PT como uma saída para fortalecer a classe operária, para que ela possa crer em suas próprias forças e, assim, construir uma direção revolucionária.
 

Post author nericilda rocha, de La Paz (Bolívia)
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