Durante a segunda semana de dezembro, Eduardo Almeida, da Direção Nacional do PSTU, visitou a Bolívia. Ele nos conta que “andar pelas ruas de La Paz e El Alto é tocar em cada esquina a insurreição de um mês atrás”. Fala ainda da traição das direções que apoiaram a posse do vice-presidente carlos Mesa e da necessidade de uma segunda revolução

Os bolivianos que me acompanham pelas ruas de La Paz mostram orgulhosos seus símbolos. Um deles aponta para a sede incendiada de um ministério e conta como ele ajudou a tocar fogo.

Os trabalhadores e o povo boliviano se sentem fortes por terem derrubado o governo de Sanchez de Lozada, o Goni. Acham que são capazes de qualquer coisa depois disso. Não é para menos. Fizeram uma greve que parou totalmente o país, enquanto os camponeses fechavam todas as estradas. Além disso, ocuparam La Paz com 200 mil pessoas. É como se, no Brasil, dois milhões ocupassem Brasília.

Mineiros, operários fabris, camponeses, jovens desempregados, mulheres e crianças enfrentaram com paus e pedras a repressão violenta do presidente Sanchez de Lozada, que causou 80 mortes.

Depois de tentar afogar em sangue a rebelião, apoiado sempre pela embaixada dos EUA, Lozada fugiu, não por acaso, para Miami. Já existiam sinais de fraturas nas forças armadas, com soldados se recusando a reprimir a rebelião e amotinamento de guarnições da polícia. Caso Lozada não renunciasse, a crise aumentaria e o governo poderia perder o controle das Forças Armadas.

Mas Goni fugiu, também para salvar a pele. Os mineiros de Huanuni já estavam em La Paz com seus cartuchos de dinamite, aplaudidos pela enorme massa aglomerada na praça San Francisco. Os camponeses chegavam cantando canções de guerra aymara: “O grande dia está chegando/ todos nos levantaremos/ gringo maldito, vais morrer/ sabes bem, te enforcaremos”.

Não houve, na Bolívia, apenas um levante indígena ou popular. Há uma revolução em curso. Uma revolução operária, pelos métodos utilizados, como a greve geral e a insurreição urbana, e pela organização que a dirigiu: a histórica Central Operária Boliviana (COB).

A COB é bem mais que uma central sindical. Agrupa o conjunto das massas bolivianas, incluindo camponeses, estudantes, camelôs etc. Todos, menos a burguesia, os militares e a Igreja. Por isso, é considerada uma “Central do Povo”, que tem uma direção estatutariamente reservada aos mineiros, vanguarda histórica do proletariado boliviano.

Uma grande insurreição, uma grande vitória… e a traição

No dia da fuga de Sanchez de Lozada, houve um reunião ampliada dos dirigentes da COB. Durante este “ampliado”, o vice-presidente Carlos Mesa, que estava assumindo o governo, telefonou a Jaime Solares, presidente da COB, pedindo-lhe que orientasse os piquetes a desobstruírem a praça em que está o Congresso e lhe permitissem passar.

Este incidente demonstra como terminou este primeiro episódio da revolução. As principais direções do movimento transformaram a vitória da derrubada de Lozada em uma traição, ao permitirem e apoiarem a posse do vice de Goni.

Um dirigente do Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), pequeno partido revolucionário boliviano, presente neste ampliado, questionou o apoio à posse de Mesa e propôs a tomada do poder pela COB. Os dirigentes se recusaram, utilizando-se de qualquer argumento:“não havia partido revolucionário”, “não existiam dez mil homens armados”. O que não explicaram é porque não se propuseram a tomar o poder e nem armaram os trabalhadores.

Mas a explicação é simples e cruel. Os principais expoentes da insurreição, Jaime Solares (COB), Evo Morales (Movimento ao Socialismo), Filipe Quispe (Movimento Indígena Pachackutki) não quiseram tomar o poder, romper com o neoliberalismo e avançar para um rumo anticapitalista. Defenderam e defendem uma “saída constitucional”, eleitoral. Apóiam o vice Mesa, para que este chame uma Assembléia Constituinte e, depois, eleições normais (municipais em 2004, presidenciais em 2007). Querem ser uma alternativa eleitoral e eventualmente chegar ao governo por essa via, com aceitação e apoio da burguesia, como fez o PT brasileiro. Não por acaso, Evo afirma que tem “muito a aprender com Lula”. Quer ser um Lula boliviano, daí “feliz 2004” e “feliz 2007”.

Post author Eduardo Almeida, da Bolívia
Publication Date