País se encontra entre o avanço da mobilização das massas e a ofensiva reacionária e divisionista da burguesiaNos últimos anos, a Bolívia viveu dois processos revolucionários (2003 e 2005) que culminaram na derrubada de dois presidentes e na eleição de Evo Morales. A tomada do poder pelos trabalhadores se colocou na ordem do dia, mas, infelizmente, como em outras revoluções que ocorreram em nosso continente, esses processos foram canalizados pela via morta das eleições. O Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo, foi o principal responsável por desviar o ascenso revolucionário das massas.

A eleição de Evo, no marco de um processo revolucionário, exigiu que ele prometesse às massas bolivianas a incorporação de suas duas reivindicações centrais: a nacionalização dos recursos naturais e a realização de uma Assembléia Constituinte que “refundasse” o Estado boliviano e pusesse fim aos históricos problemas de opressão e discriminação aos camponeses e povos indígenas, imensa maioria do país.

Com quase dois anos de mandato, o governo de frente popular de Evo Morales não realizou uma verdadeira nacionalização dos recursos naturais e a Constituinte, que deveria ter encerrado em agosto, adiada para 14 de dezembro, é o estopim do crescimento da polarização social hoje. Essa polarização se expressa na onda de violência, com três mortos, nos dias 24 e 25 de novembro na cidade de Sucre, e nos enfrentamentos físicos entre os grupos de choques paramilitares da burguesia da “media luna” (como é chamada a burguesia de Santa Cruz, Beni, Pando,Tarija) e setores camponeses.

Para entender a situação
A Assembléia Constituinte estava paralisada desde 15 de agosto porque a bancada do MAS havia retirado da pauta o tema de “capital plena” para Sucre, pleiteado pela bancada de oposição burguesa. Tratava-se de uma manobra da burguesia. Ao introduzir o tema de que a cidade de Sucre (que é a capital de Bolívia) seja a sede de todos os poderes, inclusive a do governo, a burguesia evitava a discussão sobre a questão das autonomias e controle sobre os recursos naturais.

Os violentos acontecimentos de Sucre foram desencadeados pelo Comitê Cívico e pelo Comitê Interinstitucional desta cidade, dirigidos pela direita. Os conflitos se desencadearam após o MAS, pressionado por suas bases, que viam o prazo final da Constituinte chegar, tomar a decisão de retomar o funcionamento da Assembléia mesmo sem a bancada da oposição burguesa e dentro de um Liceu Militar vigiado pelo Exército.

Pactos e acordos com a burguesia agora cobram seu preço
O que parece um enfrentamento do MAS e de Evo à bancada da burguesia, não passa de um contragolpe para não perder base social. Desde o início da eleição de convocatória da Constituinte à lei de prorrogação votada em agosto, passando por todo o regulamento de funcionamento e aprovação da mesma, o MAS apesar de ser maioria, fez acordos e pactos permanentes com a burguesia moribunda dando-lhe oxigênio e concessões. Assim, Evo foi renunciando às demandas das maiorias indígenas e camponesas a favor da direita.

Em setembro e outubro, apostou todas as fichas na criação de um comitê Político Suprapartidário, que tinha a tarefa de conseguir um projeto de Constituição com os partidos políticos da burguesia. Entre os acordos celebrados estava a questão sobre a propriedade, reconhecendo a propriedade privada, e a questão sobre autonomias, reconhecendo a autonomia departamental (reivindicação das burguesias da “media luna” para controlar os recursos naturais).

Esses acordos constituem o texto da proposta de Nova Constituição do país aprovado em sua maior parte pelo MAS recentemente em Sucre (sem presença da oposição). Entretanto, como não houve acordo sobre a localização da capital (La Paz ou Sucre), a burguesia organizou grupos de choques para impedir que a Constituinte funcione. O MAS e Evo tiveram que fazer um chamado aos camponeses para irem a Sucre pressionar pelo funcionamento da Constituinte.

Grupos paramilitares de direita agrediram os camponeses e o governo apelou às Forças Armadas para conter os conflitos. Os resultados foram três mortos, vários feridos. Os assembleístas do MAS tiveram que fugir do Liceu na madrugada para a cidade de Potosí.

Bolívia hoje
Os enfrentamentos em Sucre parecem ter sido um prenúncio do que é possível vir adiante. A burguesia levantou a cabeça!

Evo não realizou uma verdadeira nacionalização dos recursos naturais, entregou as maiores minas de prata, zinco e ferro às transnacionais (projeto Mutún e São Cristóvão) e agora anuncia novos acordos com Petrobras para exploração de áreas no país. Por outro lado, não adotou nenhuma medida de enfrentamento à grande propriedade, deixando os donos de latifúndios e empresários livres para especular e desabastecer a economia do país. Falta carne, arroz, óleo, leite para priorizar a exportação, a inflação está em mais de 12%.

A esta política econômica se somam os permanentes pactos e acordos com a burguesia ao redor da Constituinte. O resultado é que a burguesia se reorganizou política e militarmente.

No dia 28 de novembro realizaram uma paralisação em seis estados, em um total de nove, e estão chamando a “resistência civil mobilizada” em âmbito nacional.

Que fazer diante da ofensiva burguesa?
Evo, como um governo de colaboração de classes, responde chamando ao diálogo, enquanto o MAS orienta os camponeses a evitarem os confrontos. Porém, notícias de embates entre camponeses e grupos da direita chegam de todos os lugares do país. A COB (Central Operária Boliviana) fez uma reunião ampliada nacional no último dia 30. A principal definição foi a realização de uma jornada nacional de marchas para o próximo dia 6 de dezembro.

O grupo da LIT na Bolívia vem denunciando o verdadeiro conteúdo da Constituição proposta por Evo. Fazendo um chamado aos amplos setores das massas que acreditam na Constituinte para que rechacem todos os acordos firmados com a burguesia, exigindo de Evo que retire do texto da Constituição os acordos sobre propriedade, exijam o “não” à autonomia departamental, e cumprimento da agenda de “outubro” de 2003. Do contrário, estarão lutando contra a burguesia, por uma nova Constituição que não garante o que foi reivindicado nas jornadas revolucionárias. Estamos chamando os trabalhadores e camponeses a participarem da marcha nacional chamada pela COB e também organizarem a autodefesa e uma jornada de luta nacional para enfrentar a burguesia. Acreditamos que essa luta deve ser travada pelo movimento de massas do país, ao mesmo tempo em que devem manter total independência política do MAS e de Evo Morales.

O resultado da disjuntiva revolução ou contra-revolução será decidido pelo desenlace da luta de classes. Até agora fica evidente que para que as massas avancem é necessário superar a experiência e colaboração de classes do governo Evo Morales.

Post author Nericilda Rocha e Joallan Cardim, de La Paz (Bolívia)
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