``ArteCandidatura democrata confunde eleitores norte-americanos. Mesmo sem acreditar na solução de problemas sociais e da crise no Iraque, John Kerry é aposta para derrotar Bush

Nos dias que sucederam a captura de Saddam Hussein no Iraque, os índices de aprovação do presidente Bush, nas pesquisas de opinião, atingiram as nuvens. Ao mesmo tempo, a campanha presidencial de seu principal adversário, o senador Democrata John Kerry, parecia que estava à beira de um colapso. No entanto, apenas três meses depois disto, o cenário é o oposto.

O apoio a Bush despencou a um ponto em que somente cerca de 40% dos pesquisados afirmam que definitivamente votariam para reelegê-lo nas eleições de novembro. E Kerry, hoje, está liderando a lista dos Democratas que poderão substituir Bush. Isto depois de ganhar a maioria das primárias partidárias estaduais (que funcionam como uma eleição entre pré-candidaturas para escolher o candidato Democrata).
Várias pesquisas de opinião realizadas no início de fevereiro apontavam para uma vitória de Kerry sobre Bush, em novembro.

O que aconteceu? A virada ocorreu quando o inspetor de armas David Kay — escolhido diretamente por Bush — relatou, em janeiro, que não existiam armas de destruição em massa no Iraque. “Nós todos estávamos errados”, declarou Kay, minando a justificativa oficial dada por Bush para iniciar a guerra. Adicione-se o fato de que a captura de Saddam não reduziu a resistência à ocupação norte-americana. De repente, a mídia dos EUA começou a questionar “credibilidade de Bush” investigando até mesmo alegações de que Bush “escapou” do treinamento militar para a Guarda Nacional, durante a Guerra do Vietnã.

Enquanto Bush afundava, Kerry emergia. No início do processo de primárias, parecia que o ex-governador de Vermont, Howard Dean — que fez campanha criticando a aventura de Bush no Iraque e atacou os democratas do congresso por estarem se submetendo à pauta imposta por Bush — seria o homem a ser atacado. Mas quando os primeiros votos começaram a pingar, Kerry subiu ao topo e o apoio a Dean entrou em colapso.

A candidatura de Dean implodiu por uma série de razões. Dirigentes democratas em Washington — convencidos de que Bush iria taxá-la como sendo “liberal demais” — lançaram uma pesada campanha contra ele. O próprio Dean arranhou sua credibilidade (como sendo alguém “anti-sistema”) quando começou a ganhar apoio de gente intimamente ligada ao centro do poder, como o ex-vice-presidente Al Gore. Além disso, seu histórico de apoios a medidas anti-populares, como o corte no orçamento do Medicare (sistema de seguro-saúde para idosos) começou a assombrá-lo. Todos estes fatos se combinaram para fazer com que Dean afundasse, impulsionando a candidatura Kerry para a vitória na maioria das primárias democratas. Após perder todas as eleições que disputou, Dean retirou sua candidatura em fevereiro.
Apesar de ter o apoio da maioria dos dirigentes “internos” do Partido Democrata, Kerry está ganhando apenas por uma razão: conseguiu defender com êxito que ele é “elegível”; que pode derrotar Bush.

Armadilha do mal menor

“Elegibilidade” é a política de votar no “menor dos dois demônios” quase se tornando um princípio. As pessoas não estão sendo chamadas a votar em Kerry porque acreditam que ele fará qualquer coisa no sentido de melhorar os serviços de saúde ou acabar com a guerra. Mas, sim, porque acreditam que Kerry pode derrotar Bush. E a definição de ser alguém capaz de derrotar Bush significa “alguém politicamente tão próximo de Bush quanto possível, mas com um grau de diferença suficiente para dar aos eleitores razões para votar em Kerry e não em Bush”.

Kerry, por exemplo, votou pela autorização para as guerras do Afeganistão e do Iraque. Ele votou a favor da desastrosa reforma educacional, feita por Bush em 2001. Votou a favor do Ato Patriótico dos EUA, que legaliza a espionagem, pelo FBI e a CIA, de dissidentes, sob a alegação de estarem lutando contra o terrorismo. O argumento em defesa da “elegibilidade” está sendo utilizado para ocultar estes fatos. E parece que tem funcionado. Pesquisas realizadas na boca de urna da primária democrata de Iowa demonstraram que dois terços dos eleitores se opunham à guerra no Iraque; no entanto, dois terços diziam que votariam em Kerry ou no senador John Edwards, dois candidatos que votaram pela guerra.

Isto se reflete, em escala maior, no que aconteceu em amplos setores da esquerda e dos movimentos anti-guerra. Dirigentes anti-guerra fizeram apelos para que se vote nos democratas, mesmo que eles sejam pró-guerra, alegando que tirar Bush de seu gabinete, em 2004, é um pré-requisito para salvar o planeta de uma catástrofe. Provavelmente o pior exemplo seja o autor e cineasta Michael Moore, que apoiou o candidato do Partido Verde, Ralph Nader, em 2000. Ele endossou a candidatura do general Wesley Clark!

Quando Nader anunciou, em fevereiro, que iria concorrer à presidência em 2004, como independente, um grande número de liberais o atacou. No momento parece difícil que ele tenha o mesmo nível de apoio que teve em 2000 (3% dos votos). Seu perfil político, hoje, parece um pouco confuso. Em algumas declarações, no início de sua campanha, ele falou sobre direcionar seu apelo aos “republicanos descontentes” e independentes, em vez da esquerda. E pareceu hesitar em colocar no centro de sua campanha temas cruciais para a esquerda, como o fim da ocupação do Iraque ou o apoio ao casamento entre homossexuais.

Bush pode ser vulnerável hoje, mas isto não significa que ele vá perder em novembro. Ele não começou a gastar seus 200 milhões de dólares conseguidos com a guerra e engordados com as contribuições das grandes corporações. E se Kerry levar a lógica da elegibilidade até sua conclusão, ele pode descobrir que, diante da possibilidade de escolha entre um Bush e um Bush-light, os eleitores podem decidir que o melhor é escolher o “demônio já conhecido”.

É exatamente aí que a candidatura de Nader poderia crescer. Apesar de sua hesitação inicial em tocar em temas fundamentais, ele está claramente à esquerda dos democratas e republicanos em todos eles. Ele defende o fim da ocupação do Iraque; Kerry quer que mais tropas sejam enviadas. Nader quer o impeachment de Bush por ter mentido ao país sobre a guerra; Kerry nunca sugeriria isto. Nader apóia o casamento gay; Kerry é contra. Se Nader colocar claramente sua campanha como forma de chamar atenção para estes temas, poderia se configurar como uma alternativa para o povo que está farto dos dois partidos neoliberais dominados pelas corporações.

SAIBA MAIS

  • Como funcionam as primárias democratas

    Os democratas escolhem – de 19 de janeiro até 8 de julho – seu candidato para as eleições presidenciais de 2 de novembro. A escolha se dá nos estados e cada unidade da federação tem um estilo próprio. A forma pode ser por votação secreta (Prévias) ou aberta (Caucus). O resultado das votações indicará quantos delegados o candidato terá na conferência nacional do partido. Ganha o candidato que conseguir eleger mais de 2.162 delegados.

  • As contradições do candidato democrata

    GUERRA NO IRAQUE – Em 2003, votou a favor da invasão ao Iraque. Agora, diz que é contra e foi enganado.

    CASAMENTO HOMOSSEXUAL – Em fevereiro, criticou a decisão da Suprema Corte de Massachusetts legalizando o casamento homossexual. Dias depois, negou.

    MURO DA VERGONHA – Em 2003, chamou o muro que Israel vem construindo na Palestina de uma “barreira para a paz“. Em 2004, disse que era “legítima defesa”.

Post author Lance Selfa,
da International Socialist Organization (ISO), dos Estados Unidos
Publication Date