A delegação da conlutas esteve no Haiti participando de reuniões, palestras e conferindo de perto a realidade de extrema exploração dos trabalhadores do país, assegurada pela ponta das baionetas das tropas do exército brasileiro. Publicamos trechos de algumas cartas enviadas pelo editor do Opinião Socialista e integrante da delegação, Eduardo Almeida, que nos fornecem um relato vivo da dura realidade do país, que contrasta com espírito de luta e alegria de seu povo. Você pode conferir todas as cartas, além da cobertura completa sobre a visita da delegação, no Portal do PSTU e no blog da Conlutas.

1°carta
As primeiras impressões
O primeiro contato com o Haiti é Porto Príncipe, a capital, vista do avião. Os bairros amontoados e irregulares lembram os morros do Rio de Janeiro. As tropas brasileiras estão invadindo estes bairros como no Morro do Alemão: atiram, matam e saem.

Na saída já nos espera o pessoal da Batay Ouvriére, uma organização sindical e popular de peso que luta contra a ocupação. Eles nos levam direto para uma reunião de recepção em uma de suas sedes em Bel Air, um dos bairros mais violentos da cidade. No caminho vemos soldados brasileiros nas ruas, armados até os dentes, uma cópia dos ianques no Iraque.

A casa é bem simples, umas quarenta pessoas nos aguardam. Os rostos simpáticos dos haitianos nos deixam à vontade.

Um operário nos fala como as tropas brasileiras reprimem as mobilizações que eles fazem. Uma operária de uma maquiladora conta como as fábricas não permitem os sindicatos. Os salários dos operários das maquiladoras são de US$ 60 mensais, semelhantes aos da China. Marceline, uma velha operária, mostra os dentes que faltam em sua boca e diz que o gerente de uma fábrica a espancou, a jogou no chão e quebrou seus dentes.

No caminho para o hotel, outro companheiro da Batay vai mostrando as estátuas de Toussant Louverture e de Dessaline, heróis da independência haitiana. Junto com isso montes de lixo não recolhidos cobrem as ruas amontoadas de gente.
Os companheiros nos informam da greve dos ônibus há dez dias, que foi quase uma greve geral porque as pessoas não podiam e não queriam ir trabalhar.
A temperatura está aumentando.“Bem-vindo ao Haiti rebelde.”

2° Carta
Reunião com embaixador, encontro com estudantes e jogo do Brasil
Pela manhã houve o encontro com o embaixador do Brasil, Paulo Cordeiro de Andrade, e com o comandante das forças da ONU, general Carlos Alberto Santos Cruz. O diplomata é bem mais que um embaixador no Haiti: cumpre tarefas de governo e, dizem aqui, manda mais que o próprio presidente.

A reunião é um enfrentamento. Toninho, de São José dos Campos, expõe nossa posição e entrega a carta que trouxemos do Brasil exigindo a retirada das tropas. O argumento do embaixador é ardiloso: hoje existe mais tranqüilidade no Haiti graças às tropas brasileiras e de outros países, porque as ações das gangues do Lavalas (partido e grupo militar de Aristide, o presidente deposto) diminuíram. O que o embaixador-governante esconde é para quem existe “tranqüilidade”.
As tropas brasileiras garantem a “tranqüilidade” para a burguesia e o imperialismo. E reprimem as greves como a da Larsco, em que os soldados entraram na fábrica para atacar os trabalhadores.

À tarde tínhamos marcado uma discussão com os estudantes da Universidade do Haiti. Ao chegarmos, a surpresa: havia ocorrido um enfrentamento dos estudantes com a polícia local no dia anterior dentro do campus, com cinco feridos. A universidade estava quase vazia e a atividade ameaçada.

Mas os estudantes foram chegando, já são mais de duzentos e a atividade começa. Os oradores da delegação brasileira são muito aplaudidos pela platéia estudantil.
Depois do jantar, ao voltar para o hotel, uma cena incrível: no terraço do segundo andar de um sobrado, uma televisão transmitia o jogo do Brasil contra o México. Umas trezentas pessoas se aglomeram nas calçadas.

A animação é incrível. Vendo este entusiasmo, esta torcida mais forte que a brasileira, dá para entender a criminosa jogada de Lula: para bendizer a ocupação militar, trouxe a seleção para jogar no Haiti. Manipula assim uma forte identidade cultural e racial do povo haitiano com o brasileiro a serviço de uma política reacionária.

Os companheiros da Batay Ouvriére relataram haver pichações que diziam: “Adriano sim, Ribeiro não”. Adriano é o centroavante de uma seleção que já foi melhor. Ribeiro foi o general brasileiro que dirigiu as tropas antes do atual.

3° carta
Encontro com o presidente do Haiti
Hoje fomos falar com o presidente do Haiti, René Préval. Na chegada, todas as aparências e formalidades do poder. Tudo só aparência: o presidente é um fantoche sustentado pela força das tropas da ONU e dirigido pela embaixada brasileira.
Sentamos numa mesa longa de madeira e logo entrou Préval, atencioso e gentil.

Toninho apresenta a carta que trouxemos do Brasil, exigindo a volta imediata das tropas. Préval responde agradecendo a solidariedade. Diz que está de acordo e que as tropas têm de ir embora, mas não agora.

Respondo a ele que lamentamos sua defesa da ocupação. Digo que não estávamos lá para prestar solidariedade a ele e sim ao povo haitiano que estava lutando contra as tropas e contra ele.

A gentileza acaba de imediato. Préval nos ataca como “esquerdistas”, fica nervoso, mas não responde nada. Aderson, o representante da OAB, diz que está ali para preparar um relatório para a ordem sobre a situação dos direitos humanos no Haiti e que estava vendo abusos das tropas.

Nesse momento, algo inusitado acontece. Préval de repente se mete embaixo da mesa, na nossa frente. Uns pensam que ele tinha desmaiado. Outros, que havia algum problema de segurança. Passados alguns segundos, ele surge de novo, sorrindo. Pelo que entendemos, era uma brincadeira para fingir que não podia ouvir o que Aderson falava. O presidente ficou entre o ridículo e o patético.
Outra parte da delegação falou com o ministro do Trabalho e a responsável pelas zonas francas.

Uma funcionária do governo disse que não era possível ser “sentimental” com as operarias grávidas se não respondessem às regras do trabalho. Ela disse isso para res-ponder a um fato vergonhoso: uma trabalhadora grávida foi espancada e jogada na lama por participar de uma mobilização. A justiça reconheceu o acontecimento como um crime, mas não aprovou nenhuma punição para não “prejudicar os investimentos”.

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