Ato do 8 de março na Avenida Paulista
Foto Romerito Pontes

No dia 18 de abril, logo após os setores oprimidos terem sido alvo de ataques dos deputados nas declarações de voto ao impeachment de Dilma, a revista Veja veiculou uma matéria sobre o perfil de Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer, apresentando-a como possível “primeira dama”.

Foi mais uma demonstração do machismo institucional reproduzido naturalmente em nossa sociedade, que perpassa o contexto da crise política e econômica que vive o país. A matéria provocou uma forte reação nas redes sociais, demonstrando um positivo sentimento contra o machismo, mas que só poderá ser vitorioso se combinado com a luta das mulheres trabalhadoras contra a exploração.

Bela, recatada e do lar?
A matéria, dispensável do ponto de vista jornalístico, apresenta o perfil de uma mulher submissa, que diz ter sorte por ter um marido que lhe dá demonstrações de amor, que tem como maior desejo ser novamente mãe e que abriu mão da carreira para dedicar-se ao cuidado da família.

A exaltação desse perfil significa muitas coisas. Primeiro, a idéia de que as mulheres devem estar à sombra do marido, que devem ser obedientes e compreensivas, que seu papel é satisfazê-lo em todo momento. Depois, reforça a falsa idéia bastante difundida na sociedade de que as mulheres são “interesseiras” e, portanto, compráveis a bens materiais. Não é a toa que dos vários memes postados nas redes sociais, muitos associam Marcela como uma mulher “dólar”.


Matéria machista veiculada pela revista Veja

Todo mundo sabe que os casamentos entre a burguesia são feitos por interesses financeiros. Porém, o questionamento passa longe do comportamento de Temer, um homem de 63 anos que começou a namorar uma jovem de 20. Esse é um comportamento machista muito naturalizado, que julga a mulher e justifica o homem.

O outro significadoé uma contraposição implícita entre o padrão de mulher de Marcela – bela, recatada e do lar- e o padrão Dilma – feia, imoral, independente, divorciada e política.Ou seja, a utilização do machismo como arma política. Nós já explicitamos diversas vezes: somos contra Dilma e seu governo não porque ela é mulher, mas sim porque como mulher representante da burguesia, ela defende muito bem os interesses dos ricos e até aqui aplicou com muita competência todos os planos da burguesia para atacar os trabalhadores, mulheres e homens. Ainda que governe contra as trabalhadoras, é inaceitável o uso da misoginia- ódio às mulheres – como arma política contra Dilma.

Não basta ser mulher para nos representar
A matéria também tem por objetivo criar algum tipo de identificação com a possível “primeira-dama” e por tabela com seu nada popular marido. Faz isso na tentativa de atrair um setor que vem sendo protagonista de muitas lutas e mobilizações no último período e que tem contribuído para dificultar que a burguesia encontre uma saída para fechar a crise política no país, esse setor são as mulheres trabalhadoras e jovens.

Porém, a realidade retratada na nota não tem como ser maquiada. A mulher que ali está é uma mulher branca e rica que anda com vários seguranças; que pode fechar e usufruir de uma parte do restaurante mais badalado da maior cidade do país; que se dedica ao lar muito mais no papel de “chefe”, “fiscal”, do que de executora das tarefas domésticas. Essa realidade não é a mesma que nós mulheres trabalhadoras vivemos.

Nós somos aquelas que saímos de casa ainda com o céu escuro e só retornamos tarde da noite. Nesse caminho estamos expostas a todo tipo de violência, sendo nesse horário que acontecem muitos dos cerca de 40 mil estupros notificados. Somos aquelas que acumulamos a dupla jornada de trabalho, o que significa até 8 horas semanais a mais de atividades. Não temos creches públicas para deixar nossos filhos e isso faz com muitas vezes sequer consigamos entrar no mercado de trabalho. As mulheres que enfrentam essa realidade têm classe e têm cor, são as mulheres negras em sua maioria. Trabalhamos “fora” e no “lar”.

Para nós não há escolha. Nosso lugar já é determinado pela sociedade de classe que se aproveita da nossa opressão para intensificar a exploração sobre a nossa mão-de-obra. Somos nós que garantimos essa vida de perfeição pintada por Marcela Temer, a ela e a todas as mulheres burguesas. Desgraçadamente, o primeiro governo de uma mulher serviu para reforçar essa relação, pois é pelas mãos de Dilma (PT) – com apoio do PMDB e da oposição burguesa- que se intensificam ataques nefastos aos nossos direitos.

Foram mais de 200 mil mulheres demitidas somente em 2015; as MP’s 664 e 665 que dificultaram o acesso aos benefícios como seguro-desemprego, PIS e licença saúde afetam diretamente as mulheres. E a nova proposta de reforma da Previdência, encaminhada por Dilma ao Congresso, prevê o aumento em mais cinco anos no tempo de trabalho das mulheres para que possam se aposentar.

Além disso, há ainda os cortes de orçamento das principais áreas sociais como saúde, educação, moradia, políticas para mulheres que nos expõem a uma vulnerabilidade ainda maior. A epidemia de Zicavírus e microcefalia é um exemplo, mas também as milhares de mortes causadas por abortos clandestinos praticados em condições insalubres; o aumento de feminicídio sem que a Lei Maria da Penha dê conta de responder e garantir a segurança das mulheres. 

O que se evidencia é que na disputa burguesa para decidir quem vai segurar o chicote para tacar nas nossas costas, embora o machismo seja usado como arma política e nós repudiamos isso, Marcela e Dilma tem uma coisa que as unifica: ambas são ricas e defendem seus interesses de classe. Por isso nenhuma delas nos representa.

A luta contra o machismo não pode ser usada para aumentar a submissão de classe
Na mesma semana em que a Veja publica tal matéria, a Marcha Mundial de Mulheres organizou uma marcha a Brasília para dizer que “as mulheres estavam com Dilma” e destampou uma campanha em favor da presidente, contra um suposto golpe machista.  Fazendo coro com a ONU (Organização das Nações Unidas), que representa os interesses do capital, defendem a tese de que Dilma corre o risco de sofrer um impeachment por ser mulher. Nada mais falacioso.

O que fez com que Dilma perdesse o apoio da classe trabalhadora não foi a “consciência atrasada” e machista dos trabalhadores, foi seu compromisso cada vez maior com o capital e com a burguesia. A tentativa de aplicar as políticas de ajuste para jogar a conta da crise nas costas dos trabalhadores está custando caro ao PT.

Para defender as trabalhadoras e lutar consequentemente contra o machismo, é necessário que a Marcha Mundial de Mulheres e setores do PSOL rompam com esse governo e organizem as lutas no campo da classe trabalhadora, contra o governo e a oposição de direita.

Fora todos eles!Lugar de trabalhadora é no 1º de Maio Classista
A submissão feminina é bastante útil ao capitalismo, pois permite manter as mulheres dóceis e obedientes nas fábricas, nos escritórios, nas escolas e na sociedade de um modo geral. O recato também é útil para julgar e responsabilizar as mulheres pela opressão e violência que sofrem. Mais do que isso, serve para seguir diferenciando as mulheres entre aquelas que devem ser respeitadas e aquelas com as quais os homens podem satisfazer seus desejos sem nenhum comprometimento.

 As mulheres negras sabem bem o que é essa distinção, pois desde o período da escravidão, quando eram estupradas por seus senhores, tal violência já se justificava pela argumentação de que elas tinham vida sexual promíscua e eram muito desenvoltas na cama. Nos dias de hoje essa ideologia ainda vigora, expondo as mulheres negras a todo tipo de violência e colocando-as como a carne mais barata do mercado.

Ser do lar, no capitalismo, significa para as mulheres trabalhadoras realizar uma longa e pesada jornada de trabalho antes e depois daquela já cumprida formalmente, sem receber nada por isso. Significa passar, limpar, cozinhar, cuidar das crianças, dos idosos, dos doentes, sem receber nada e ainda se sentir culpada se desejar não fazer.  Significa garantir lucro ao Estado e às empresas que são as beneficiadas com o trabalho doméstico que realizamos. Para aquelas que cuidam do lar de mulheres como Marcela Temer, sequer é garantido os direitos da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Por isso, não temos dúvida de que nossa identificação é com as mulheres indígenas e quilombolas que lutam bravamente em defesa de seus territórios; com as trabalhadoras em greve que lutam contra as demissões e as retiradas de direito; com as operárias, grande parte delas terceirizada; com as jovens secundaristas que ocupam escolas em defesa da educação pública e de qualidade; com as mulheres negras da periferia que enfrentam todo dia a violência policial e lutam contra o extermínio de seus filhos; com as mulheres sem-teto que se enfrentam com poderosos especuladores para garantir uma moradia.

Em todas essas lutas está levantada bem alto as bandeiras de combate ao machismo, de qualquer limitação do papel da mulher, de qualquer tentativa de nos submeter. Queremos a liberdade para decidir sobre nosso corpo, nosso destino e também sobre os rumos do país.

A tão enaltecida “democracia burguesa”, utilizada como argumento para defender o governo Dilma, já nos é ausente há muito tempo. Por isso, não temos ilusão de que Dilma, Temer, Cunha, Aécio e esse Congresso representem qualquer avanço para nós, mulheres trabalhadoras. É preciso por para fora todos eles, exigir eleições gerais com novas regras e se dedicar à construção de conselhos populares nas escolas, nos locais de trabalho e nos bairros para organizar nossas pautas e nossas ações.

Nossa luta se fortalece junto com a nossa classe, nas ruas e nas mobilizações. Para nós, a construção de nossa emancipação enquanto mulher se dá junto com a luta para construir uma sociedade socialista e um governo verdadeiramente das trabalhadoras e dos trabalhadores.  Por isso, não vamos às mobilizações em favor do impeachment ou em defesa da permanência de Dilma. Vamos às ruas junto com nossos companheiros trabalhadores, construir um primeiro de Maio nacional, contra todos eles, por uma alternativa da classe, contra o machismo e a exploração.