Em comunicado, a organização operária do Haiti, Batalha Operária, faz um balanço dos 6 meses após o terremotoBalança global da solidariedade após o terremoto de 12 de Janeiro

Logo após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010, já estávamos recebendo mensagens de camaradas e amigos de todo tipo. Como sempre ressaltamos, a solidariedade é uma atitude, um comportamento de grande importância na luta. Sempre salientamos como é um componente essencial na batalha, onde o aspecto político ativo permanece prioritário, com as discussões/abordagens sobre linha, estratégia, tática… mas onde o aspecto simpatizante tem também toda a sua importância.

Nos dias que seguiram ao terremoto, foram perguntas e inquietações de todo tipo que nos chegaram em mensagens, suporte, apoio. Nunca poderemos expressar o quanto essas manifestações de solidariedade nos comoveram, nos ajudaram. Quando finalmente 5 ou 6 dias depois da catástrofe, conseguimos entrar em contato, essas mensagens nos ajudaram a despertar-nos, levantarmos e voltar a nos organizar. No entanto, não sabíamos onde estaríamos sem esse apoio moral tão determinante. Por isso reiteramos nosso profundo apreço a esse gesto tão espontâneo e total.

Nesse mesmo momento, personalidades e organizações, em contato com nós há um tempo, a partir de um chamado internacional que fizemos, começaram a coletar dinheiro para nos mandar em nossa conta bancária no Haiti (veja em nosso site sobre o montante que recebemos até agora: www.batayouvriye.org). Além disso, sabíamos, sempre por meio das mensagens de e-mail, que as doações foram feitas com um entusiasmo particular, sobretudo quando se tratava dos operários. Esses gestos nos confirmam que a solidariedade de classe é um sentimento humano maior! E que há que considerá-lo como tal. Por isso reiteramos que não temos palavras para agradecer tal relação, a não dizer que: por parte desses camaradas, já sabíamos!

E é para eles principalmente, como também para nossos amigos de sempre, que fazemos chegar esse balanço/informe global do uso de sua solidariedade, para que saibam sobre nossa prática recente depois da catástrofe de 12 de janeiro, assim como entender nosso funcionamento e seguir colaborando conosco nessa tarefa.

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Nos primeiros dias que se seguiram ao terremoto, além de estarmos sem luz nem água ou transporte… funcionamos sem comunicação. Ainda que alguns camaradas tenham caminhado longamente para restabelecermos contato e fazermos algo coletivamente, é basicamente de forma individual que os nossos principais militantes atuaram. Praticamente nenhum morreu, não tivemos muitos feridos graves (ainda que alguns tenham sido) mas vários perderam suas casas e familiares. A maioria não tinha como sobreviver por sua própria conta (comida, água, mas também medicamentos). Assim como a maioria da gente do povo, é com as unhas que funcionamos. Nesses primeiros momentos muitos dos camaradas tiveram que recorrer a empréstimos, para simplesmente sobreviver com a família, recorrer ao que podia nas casas destruídas (roupa, sapatos, documentos…), para curar os feridos, encontrar seus mortos, tirá-los de debaixo dos escombros, enterrar-los… em ajudar aos outros no mesmo, em tratar, apesar de tudo, de organizar um mínimo, a partir da experiência que deixa a prática globalmente. A primeira ajuda financeira que chegou foi, pois, para reembolsar os empréstimos e seguir mais ou menos com o que se podia resolver.

O segundo momento chegou com a preocupação urgente de sair debaixo de folhas para conseguir umas cabines ou pelo menos umas tendas. Nossa presença no que vinha a ser os acampamentos se tornou ainda mais necessária, não só para deixar ali todo nosso apoio, mas também para desenvolver ali já a prática política. Isso também demanda dinheiro: para transporte (que, assim como a comida, naquele momento havia duplicado!), para lutar concretamente, para conseguir estabelecer alguns acampamentos de maneira “menos pior”. Alguns camaradas não podiam sustentar esse ritmo e sobreviver cotidianamente: voltaram para as diferentes áreas rurais de onde vieram. O que custou também muitíssimo. Mas ao chegar ali, tampouco suas famílias podiam sustentá-los e eles voltaram. Em resumo: este período se caracteriza por seus movimentos muito caros e muitas vezes estéreis!

Quando começou a chegar em quantidade muito maior a “ajuda” imperialista, começou outro momento: o da batalha! Outra vez, nossa “declaração” trata já das práticas que se tinham que fazer e que se fizeram. Foi realmente então que, graças aos montantes mais substanciais que recebemos, voltamos a funcionar adequadamente. Encontros em nossas sedes (apesar de estarem todas rachadas), nos acampamentos, nos bairros a pé, nas zonas rurais próximas a Porto Príncipe, que podiam vir algum apoio global à situação da capital, em diferentes províncias onde estamos implantados para entrar em contato com a realidade dos lugares afetados e assim, de uma maneira de novo unificada, atacar a cena política que antes do terremoto estávamos começando a abordar nacionalmente. Acima das dificuldades que perduravam, esses esforços fortaleceram a organização. De fato, o apoio financeiro nos permitiu realizar dois encontros nacionais, vários parciais, assim como começar a empreender mobilizações frente à situação geral.

De fato, ao voltarmos a enfrentarmos com a situação econômica, política, ideológica e social geral, a mobilização vinha por si. A dos acampamentos de 28 de abril, a do primeiro de maio, aquela de 18 de maio… um conjunto de práticas (em si mas também com todos os detalhes acompanhando: panfletos, boletins, bandeiras, concentrações, solidariedade com as organizações aliadas…), tudo isto, outra vez nos foi possível graças à solidariedade financeira que recebemos, esta solidariedade de classe que nos permitiu, talvez sobretudo, permanecermos firmes em nossa linha fundamental, com nossa capacidade organizativa recobrada. Nisso, pôr de pé novamente nossa capacidade de difusão de nossas intervenções (laptop, fotocopiadora, risograf, papel, tinta, megafone, sistema de som. tudo aquilo que havia desaparecido ou quebrado) foi chave.

Esse momento foi muito longo. Ao mesmo tempo em que tínhamos que dirigir o financiamento à luta (em todos os seus aspectos) tínhamos que ajudar os camaradas e demais vizinhos (e, pouco a pouco, novos contatos, novos integrantes…) também afetados, sem contar que em alguns lugares, se estavam abrindo de novo escolas: uniformes, livros… Total: um gasto geral importante. Foi então também que começamos a reparar algumas das casas rachadas, as sedes mais importantes fissuradas e as escolas que levamos ao meio rural igualmente destruídas.

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Sem haver entrado nos detalhes das distintas atividades ou práticas que realizamos e seguimos pondo em pé, é esta, globalmente, a orientação que demos ao financiamento recebido. Hoje em dia, se apresenta um novo momento, o da chamada “reconstrução”. Dentro de todos, é talvez o mais complexo, o mais grave, o mais determinante para o futuro do país, para a vida dos trabalhadores e das massas populares em geral. Para que possamos enfrentar-lo plenamente, a solidariedade internacional tem que permanecer tão firme como chegou: uma solidariedade política ativa, assim como financeira. Por isso aproveitamos esta oportunidade para reiterar nosso chamado, ao mesmo tempo em que pedimos a todos que permaneçam mobilizados conosco mais do que nunca! A luta acaba de começar!

Não terminaremos sem saudar a coragem de nossos camaradas. Mas, ao mesmo tempo, são nossos aliados que, igualmente afetados, se levantaram e voltaram a levar a luta valiosamente. Será de fato, a única maneira que nos permitirá sair da dominação/exploração/ocupação-tutela que tanto nos afeta hoje em dia e que planeja continuar por cima de nossos mortos.

BATAY OUVRIYE
Porto Príncipe, 2 de julio de 2010

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