Luana Santos morreu após ser espancada pela polícia, em Ribeirão Preto (SP)

Pelo fim do genocídio contra o povo negro. Desmilitarização da PM já!

Abril de 2016 ficará marcado em nossas memórias como o mês em que a Polícia Militar, investida de autoritarismo e truculência descomedida, assassinou duas mulheres em plena luz do dia.

Somos todas Luanas
Luana dos Reis, 34 anos, mulher negra, lésbica, mãe e trabalhadora. Em mais um dia comum de sua rotina, Luana saiu de casa para levar o filho de 14 anos a um curso e parou em frente ao bar para cumprimentar alguns conhecidos. Neste momento, sem que houvesse qualquer motivo que despertasse suspeitas sobre ela, a polícia resolveu abordá-la.

Nem as presenças de várias testemunhas impediram a violência policial que, através de ameaças, ainda tentaram silenciar familiares e vizinhos que buscavam socorrer a mulher brutalmente espancada. Luana morreria cinco dias depois na Santa Casa, a causa mortis apontada na declaração de óbito foi isquemia cerebral aguda causada por traumatismo crânio-encefálico, mas, a verdadeira causa mortis poderia ser assim nomeada: machismo, racismo e  homofobia.

Seis policiais armados e treinados abusam da autoridade que lhes é atribuída pelo Estado, abordaram Luana que queria entender do que se tratava. Mas, não teve conversa. Segundo o vídeo gravado pela família da mulher em que ela relata os fatos, os policiais chegaram mandando ela por as mãos para trás para algemá-la, Luana resistiu, já que não havia motivo para aquele procedimento e, na tentativa de desvencilhar- se dos seis homens, agrediu um dos policiais que foi ferido na boca. Este ocorrido foi o suficiente para desencadear uma verdadeira sessão de tortura, quando uma mulher sozinha e desarmada foi espancada por todos os seis policiais, que usaram o capacete de Luana e cassetetes contra ela.

Testemunhas relataram o horror das cenas que aconteceram diante do filho dela e dos vizinhos. Os familiares foram chamados para socorrerem Luana, e foram impedidos de se aproximarem, sendo coagidos e ameaçados. Os policiais chegaram a atirar para o alto para afastar as pessoas. A própria Luana conta que, para ela, os policiais disseram que matariam sua família toda e seu filho também (veja o depoimento de Luana em vídeo aqui).

Os policiais levaram Luana para a delegacia, um termo circunstanciado foi assinado, que nada mais é do que um boletim de ocorrência um pouco mais elaborado e detalhado, onde se relata infração de menor potencial ofensivo.

Mas, que infração Luana teria cometido? Estar exercendo seu direito de ir vir? Ser mulher? Ser lésbica? Ser negra? Ser pobre? Existir? Ou todas estas alternativas que são negadas às pessoas que a sociedade considera “seres humanos de segunda classe”? A forma que Luana foi tratada é a completa desumanização de um indivíduo.

Luana assinou o termo circunstanciado guiada por um parente, que a sustentou sobre seu ombro. A mulher sequer teria condições de ler o que estava assinando, ela não estava em condições de estar em qualquer lugar que não fosse um hospital, sendo socorrida do espancamento que foi submetida, mas a família relata que o delegado de plantão e os policiais disseram que ela somente sairia dali se com o termo assinado, e assim foi. Luana saiu dali e foi levada para Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE) onde morreria vítima dos ferimentos causados pelo espancamento que foi submetia pela polícia.

Somos todas Vânias
No bairro do Lobato, periferia de Salvador, na noite de 23 de abril, mais uma mulher, Vânia Machado, 40 anos, foi morta pela Polícia Militar. Os moradores da região relataram que a polícia, como prática usual, atirou sem alvo, já que não havia perseguição em curso contra bandidos. Vânia, mulher, negra, mãe, trabalhadora, havia ido ao portão acompanhar a filha de quem se despedia quando viu os policiais e tentou retornar para dentro de casa. Foi alvejada e atingida na cabeça e ali mesmo morreu.  

Somos todas Cláudias
As circunstâncias da morte de Luana e Vânia nos remetem à lembrança da brutalidade policial com que foi tratada Claudia da Silva Ferreira, no dia 16 de março de 2014 quando, durante uma suposta ação da polícia no Morro da Congonha, em Madureira, no Subúrbio do Rio, foi morta por conta de um dos disparos que a atingiu. Moradores do morro disseram que não havia nenhuma ação policial em curso e que os policiais costumavam passar pelas ruas do morro atirando a esmo. Depois de ferida de forma fatal, a mulher foi colocada na porta malas da viatura policial, que partiu com o compartimento aberto, o corpo de Claudia foi arremessado para fora e arrastado por 350 metros.

O que há em comum na morte de Luana, Vânia e Cláudia?
Todas são mulheres, negras, pobres, trabalhadoras, periféricas, nenhuma delas cometeu nenhum crime, todas foram vítimas da brutalidade policial. Em todos os casos, a população em torno do caso relatou que a polícia ativara sem motivo. Os superiores dos policiais envolvidos ou colocam em dúvida a ação criminosa dos policiais ou simplesmente os defendem. O que nos leva a concluir que a Polícia Militar está salvaguardada quando comete excessos e crimes, porque a corporação é racista, machista, lgbtfóbica e tem autorização para exercer sua brutalidade contra a classe trabalhadora. Isso fica óbvio quando constatamos que este tipo de abordagem e ação não tem ocorrência em bairros nobres da cidade e muito menos pessoas brancas protagonizam tais cenas.

O perfil dos homicídios no Brasil é comprovado estatisticamente: as vítimas são especialmente os homens negros, jovens e pobres. Entre os não negros, a cada 100 mil habitantes contabiliza-se 15,2 mortes, segundo dados do IPEA.

A lenda da impunidade impera, mas não para todos: Em 2012 a população carcerária brasileira despontou como a maior de sua história, 90% do total encontra-se em presídios, o país possui hoje a 4º maior população carcerária do mundo. Na composição da população carcerária estão em sua maioria jo­vens entre 18 e 29 anos. Praticamente 61% são, conforme a classificação do anuário, negros e pardos e, 93,8%, homens.

O número da população carcerária feminina também desponta, composta em 61% por mulheres negras e pardas e segue crescendo muito, alcançando quase o dobro da masculina entre os anos de 2000 e 2012. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), compilados em relatório do Instituto Avanço Brasil, o número de presas passou de 10.112 no ano 2000 para 35.039 em 2012. Isso significa um avanço de 246% no período. 

O sistema prisional e a ação da polícia existem para os negros e pobres. A impunidade, como podemos notar pelos dados, é um privilégio concedido aos brancos e ricos. Aos negros e pobres, a pena de morte informal ou o sistema prisional.

Como diria Eduardo Taddeo: “Só não aprovam pena de morte no Congresso porque é mais barato chacinas sem custas de processo. Pra quê criar papelada e assinatura? Se é só deixar gambé descarregar na viela escura?”.

A Polícia Militar precisa acabar!
A Polícia Militar surge em uma das épocas mais sombrias da nossa história, a Ditadura. Em 1969, a ditadura militar incorpora a Guarda Civil à chamada Força Pública. A função que antes era de policiamento urbano, passa a ser de policiamento ostensivo com a recém-criada PM, que era força reserva do Exército, datando desta época também a criação do Batalhão de Choque. A Polícia Militar foi criada para combater inimigos do Estado e estes eram todos que não admitiam a ditadura militar.

O autoritarismo está inscrito na história da PM e é motivo de orgulho para a corporação. A Polícia Militar paulista, por exemplo, carrega um brasão que conta com 18 estrelas representativas, entre outros momentos “memoráveis”, do golpe militar de 1964 (chamado “Revolução de Março”) e a repressão à revoltas populares como a greve de 1917 e o massacre de Canudos.

A Ditadura acabou, porém a Polícia Militar, sua cria, manteve-se dentro do “Estado democrático” usando dos mesmos métodos para os quais foram treinados naquela época, e ainda existe uma ditadura e porões para uma parcela da população que é majoritariamente negra, pobre e trabalhadora.

Os métodos de tortura parecem ser admitidos e posteriormente efetuados, defendidos pela corporação. Foi assim com Luana, que as próprias testemunhas relatam a sessão de terrorismo e tortura que foi submetida, e foi assim também para Amarildo de Souza. O crime contra ele aconteceu em julho de 2013, na Favela da Rocinha, Zona Sul do Rio, um dos raros casos em que os policiais foram condenados pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual.

  1. Reivindicamos o fim do genocídio das pessoas negras autorizado pelo Estado.
  2. Reivindicamos punição para os crimes cometidos pelos policiais militares
  3. Desmilitarização da Polícia já! É necessário por na ordem do dia a desmilitarização da polícia, para que ela perca esta configuração autoritária e de inimiga do povo pobre e trabalhador herdada embriologicamente da Ditadura militar. Pelo fim do código militar: Policiais julgados na justiça Comum!

Vera Dias é militante do PSTU e administradora da página Feminismo Sem Demagogia