Chegamos agora aos momentos decisivos de nossa luta. O substitutivo da PEC 40/03 poderá ir à votação no Plenário da Câmara nos próximos dias. Daqui por diante, é necessário empenhar todas as nossas forças para aumentar a nossa mobilização e impor ao governo um recuo.

Os Fatos da Semana e o que eles revelam
Os acontecimentos recentes demonstraram que não há espaço para negociação, contrariamente ao que alguns supunham e ao que era apregoado pelo governo. O rolo compressor na Comissão Especial e a presença da tropa de choque dentro do Congresso traduzem isto de forma contundente. O substitutivo do relator ignorou as emendas e mostrou-se ainda mais agressivo do que a PEC 40/03 em sua redação original, como demonstrado no Comunicado 9 CNG ANDES.

Para assegurar a confiança irrestrita do sistema financeiro, a ser renovada todos os dias, e privatizar a previdência pela implementação dos fundos de pensão (objeto de cobiça do capital e ponto central da reforma), o governo mostra-se disposto a retirar direitos sociais, investir contra os funcionários públicos e comprometer ainda mais as condições de existência do Serviço Público e do próprio Estado.

Mais uma vez comprovou-se que a estratégia do governo é aprovar rapidamente a PEC 40/03, não concedendo tempo à reação do movimento e da opinião pública, aproveitando-se da credibilidade de que ainda dispõe e apostando na desinformação da população e na imensa manipulação midiática.

Esta decisão concretizou-se na forma truculenta como se deu a votação do substitutivo na Comissão Especial da Reforma da Previdência. Em nova demonstração de recrudescimento da ação do governo, as lideranças substituíram vários parlamentares da base governista, que afirmaram votar contra o relatório da Comissão Especial. Além disso, o Congresso Nacional foi fechado ao povo brasileiro pela primeira vez na história recente do país, com recurso à inédita presença da polícia militar que reprimiu os manifestantes em greve, prendeu e espancou brutalmente alguns deles.

Parlamentares de todos os partidos reagiram com indignação à posição do Presidente da Câmara, João Paulo Cunha, mas subscreveram nota de apoio ao Presidente, articulada pelo núcleo de sustentação do governo. Apesar das críticas, ele afirmou que recorrerá aos policiais novamente caso considere necessário.

Devemos considerar as coisas em seu contexto global: a Reforma da Previdência é mais um capítulo de todo um processo histórico de contra-reformas destinadas, nos últimos anos, a ampliar a reprodução do capital mediante a supressão de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e garantidos constitucionalmente.

Nesse contexto, dando continuidade à situação herdada da era FHC, o governo Lula tem reafirmado seus compromissos com os organismos internacionais, os quais nos últimos anos vêm determinando as políticas governamentais em nosso país. Na verdade, esse governo apenas confirmou o que já havia expressado na Carta ao Povo Brasileiro (agosto de 2002), na Carta de Intenções ao FMI (fevereiro de 2003) e no documento Política Econômica e Reformas Estruturais (abril de 2003), documentos estes que incluem, dentre outros pontos, a manutenção da política econômica até 2006, a aprovação da autonomia do Banco Central, a privatização dos bancos estaduais e as “reformas” previdenciária, tributária, sindical e trabalhista.

Os próximos passos anunciados vão na mesma direção. A reforma tributária, além de manter o peso maior da tributação sobre o mundo do trabalho, pelas pressões dos governadores, poderá estender aos Estados a desvinculação das receitas constitucionalmente dirigidas à saúde, educação e seguridade, já praticada pela União através da “Desvinculação das Receitas da União”. Segundo estimativas, esse artifício causou a diminuição de 67 para 47 bilhões de reais das verbas destinadas à educação. As reformas sindical e trabalhista que vêm sendo aventadas pelo governo, retiram direitos dos trabalhadores e atacam ainda mais os sindicatos combativos.
Muitos embates ainda estarão por vir caso o governo persista, como tudo indica, subordinado a seus compromissos com o FMI e o Banco Mundial.

O Contexto e a Natureza da Luta contra a PEC 40
Tudo o que vem ocorrendo nos últimos tempos demonstra o acerto das análises desenvolvidas pelo ANDES-SN desde o 45º CONAD, em Belém, no início do mês de novembro de 2002.

Antes de tudo, a PEC 40/03 deve ser compreendida no contexto histórico da ofensiva global do capital contra o mundo do trabalho nas últimas duas décadas. Em todo o mundo, essa ofensiva tem determinado o aumento do desemprego e da exclusão social, o rebaixamento dos salários, a precarização das relações de trabalho, a retirada de direitos sociais, a privatização, a terceirização do Estado e dos serviços públicos, a hegemonia do capital financeiro além da concentração de renda, poder e propriedade sem precedentes na história. Fazem parte deste contexto, o aumento constante da taxa de exploração do trabalho e o desemprego estrutural, a destruição depredatória da natureza, o esgotamento dos recursos naturais, as guerras imperialistas. Além disso, a subordinação da política e do Estado aos imperativos da reprodução do capital mercantiliza todos os setores da vida social, da educação, da ciência e da tecnologia, da cultura e da própria sociedade.

No que se refere à previdência, ela deixa de ser um direito do mundo do trabalho e a instância de formação de um fundo público administrado pelo Estado, passando a nutrir os processos de acumulação sem trabalho. Como em outros países, a Reforma Previdenciária enviada pelo Executivo ao Congresso Brasileiro, por conivente subserviência do governo, vai ao encontro da reestruturação do caráter público dos direitos sociais, duramente conquistados pela classe trabalhadora, transformando esses direitos em mercadorias. É a transferência direta de recursos públicos para assegurar os compromissos com os organismos internacionais e é a privatização da previdência abrindo um novo espaço de atuação para o capital – os Fundos de Pensão – inaugurando uma nova era do capitalismo (e do sindicalismo), que já movimentam cerca de 17 trilhões de dólares em todo o mundo e que se tornaram, nas últimas décadas, a principal fonte de recursos para a acumulação financeira.

Uma vez definido como eixo da política do governo a recusa reiterada ao enfrentamento com os interesses do capital, a manutenção de sua política de desmonte do Estado e dos serviços públicos e a continuidade de uma política econômica que subordina o país aos ditames da acumulação financeira compromete bem mais da metade do orçamento público com juros da dívida e condena o país ao desemprego, à recessão e ao arrocho salarial permanente; tudo o mais se segue dessas decisões, cujas conseqüências temos experimentado nos últimos anos.

No momento em que a ofensiva do capital contra o trabalho tem se aprofundado em todo o mundo, ampliando o desemprego e a exclusão, resta aos trabalhadores a coragem e a dignidade de resistir pela defesa de seus direitos e pela preservação das condições de sua existência. Por isso, barrar a PEC 40/03, mais do que lutar pelo direito dos servidores públicos à aposentadoria, em conformidade com o contrato que assinamos com o Estado quando ingressamos no serviço público, é lutar contra um modelo de Estado baseado em sua privatização e terceirização, o esvaziamento de seu poder de regulação, intervenção e proteção social.

No Brasil, a coragem e a dignidade devem ser redobradas, pois o projeto de desmonte do Estado e destruição dos direitos dos trabalhadores assume um patamar qualitativamente superior em sua consolidação, justamente pelas mãos de um governo eleito pelos trabalhadores, que agora nega as expectativas nele depositadas.
A greve dos servidores é uma demonstração de que os trabalhadores estão dispostos a defender os seus direitos e um modelo de estado que preserve o caráter público e democrático de suas ações, mesmo que seja necessário enfrentar o governo, com toda a contradição, perplexidade e até tristeza que isso signifique.

A greve “não é minha, não é sua, mas é de todos nós”. Ela se realiza na dinâmica social e enfrenta o projeto do FMI e do governo, apresentando uma alternativa para a Previdência brasileira. A resposta sindical e política está sendo dada.
Nossa resistência não é, como quer caracterizar o Governo e seus aliados, uma luta corporativa pela preservação de nossos direitos sociais, por eles denominados como “privilégios”. Muito pelo contrário, trata-se de uma luta dos trabalhadores pela construção de um Estado efetivamente capaz de prestar serviços públicos à população, dotado de um corpo de servidores devidamente remunerados, motivados, respeitados e qualificados. De um Estado capaz de regular e intervir na economia de acordo com os interesses soberanos do país e realizar as políticas públicas e sociais que se fazem necessárias num dos países mais injustos, violentos e desiguais em todo o mundo. Sem isso, é impossível postular a construção de um projeto de país destinado a superar a condição subordinada de um dos maiores territórios de acumulação capitalista neocolonial.

A Luta dos Sindicatos
Este momento peculiar da história da luta de classes no Brasil nos faz defrontar com um elemento novo: a relação das entidades sindicais com um governo de coalizão presidido por um ex-dirigente sindical. A história do movimento dos trabalhadores do mundo contemporâneo nos indica que há uma tendência a entrelaçar entidades do movimento com instituições do governo e dos patrões, comungando projetos idênticos. Corre-se o risco de perder a autonomia do movimento, o que pode se espraiar por diversas entidades representativas da classe.

O exemplo mais categórico foi a posição assumida pela CUT que acabou por se subordinar à política governamental, chegando ao limite de ter seu presidente ungido pelo atual Presidente da República. Isso se reflete num claro recuo na política de ação da Central Sindical que, no marco do enfrentamento dos projetos inicialmente indicados nessa reflexão, vive o conflito entre a aderência e a autonomia frente ao governo.

Neste cenário, surgem questionamentos sobre instâncias legítimas e democráticas dos sindicatos, sustentados num oportunismo político que se traveste com termos combativos, com suposta “ode à democracia de base”, com deliberado ataque à representação sindical e também aos espaços coletivos de debate e deliberação dos movimentos organizados. Esta postura encontra respaldo na farta discussão, internacional e nacional, que alardeia o “fim do mundo do trabalho”.

Segundo esta vertente, os trabalhadores não devem mais tomar iniciativas como trabalhadores, mas sim como indivíduos fragmentados no corpo administrativo e burocrático de suas instituições. Por isso, a defesa da consulta eletrônica, da soma de decisões departamentais, e outras sugestões supostamente“democratizantes” aparecem. De fato, instala-se uma confusão entre instâncias do movimento e da instituição, as quais são de natureza e têm papéis diferentes.

Assim, neste momento tão grave, quando deveríamos encher as Assembléias (instâncias sindicais máximas de deliberação) para discutir o futuro das universidades brasileiras, do Estado brasileiro, dos nossos postos de trabalho, das massas excluídas, dos direitos da classe trabalhadora, numa rica, profunda e democrática disputa política, nos deparamos com grupos que promovem abertamente, pelo caminho do individualismo, a tentativa da corrosão dos sindicatos e de toda a luta sindical.

O que Substitutivo da PEC 40/03, do Relator José Pimentel, já aprovado na Comissão Especial significa, para a nossa vida de trabalhadores do serviço público e de todos os trabalhadores da sociedade brasileira, deve ser debatido em todos os espaços, departamentos, salas de aula, grupos de pesquisa. Mas nunca assumindo a fragmentação e a descaracterização do nosso lugar no mundo do trabalho, pressuposto da ação política e sindical, o que consagraria a passividade diante do ataque.

Não nos deixemos enganar pela ideologia do fim (fim da História, do trabalho, do Estado, da Nação, dos sindicatos…). Esta reedita o velho sob o rótulo da novidade modernizadora.

Não nos dobremos à fórmula simples de supor como nova a mais clássica prática capitalista: a de silenciar os trabalhadores e a de desmantelar suas organizações, facilitando a eliminação de suas conquistas sociais.

Nunca Houve Negociação
A aprovação do Substitutivo e a sua tramitação no Congresso devem ser avaliadas levando em conta também o andamento regimental da proposta nas duas Casas, o espaço de manobra que pode ser utilizado por parte do Governo e o tempo de reação por parte do Movimento Grevista.

No COMUNICADO 09 do CNG ANDES SN, foi enviado texto explicativo sobre a tramitação da PEC 40/03, desde a apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) até a sua aprovação final, em dois turnos, na Câmara e Senado. Com esta leitura e considerando a forma como foi aprovado na Comissão Especial da Previdência, fica claro que as regras de tramitação que visam garantir a discussão sobre a matéria foram atropeladas. As emendas individuais foram desconsideradas pelo Relator e diversas intervenções na sessão de votação final foram ignoradas pela Mesa.

Está claro que o governo está disposto a lançar mão de tudo que estiver a seu alcance para fazer passar sua proposta. Ele já mostrou de maneira contundente que não negocia e não admite derrota nesta questão e que, se preciso, usará a força. O Substitutivo poderá ser levado ao Plenário da Câmara a qualquer momento, segundo veiculou a TV SENADO em programa apresentado na noite de sexta-feira dia 25/7. E parece que deve fazê-lo nesta semana, possivelmente no dia 30.07, primeiro dia em que é possível de acordo com o regimento do Congresso. Para isso, basta que o governo e seus aliados estejam seguros de que têm quantidade de votos para sua aprovação.

Esta nova situação aumenta as dificuldades e coloca para o Movimento a tarefa URGENTE de construção das condições necessárias para o fortalecimento do embate. O Governo tem pressa.

Para aqueles que mantinham ainda alguma esperança em negociações e emendas, os fatos falaram por si. Está claro agora que o Governo nunca quis negociar; o que interessa ao sistema financeiro e aos defensores das políticas de desmonte do Estado nunca esteve em negociação.

Especificamente no que tange à disposição do funcionalismo público e suas entidades, a negociação da Reforma da Previdência vem sendo tratada desde o governo FHC e consta há vários anos da pauta unificada dos SPF. Inclusive foi ponto de discussão com as equipes de transição do atual governo durante seus trabalhos. E mais, desde a posse do governo Lula estamos pautando essa questão e o Ministro da Previdência, lideranças na Câmara e no Senado sempre afirmaram que a proposta de Reforma da Previdência, assim como as demais, só seriam enviadas à Câmara Federal depois de negociar e debater com a sociedade e amplos setores do movimento sindical e social, o que não ocorreu; a única negociação efetivada foi com os governadores.

Em conformidade com o que defendemos – a retirada da PEC 40/03 – e diante da entrada da Proposta no Plenário da Câmara, nos restam duas alternativas: fazer o Governo recuar e decidir retirá-la, ou derrotar a PEC 40/03 no voto, para então abrir negociação com o movimento organizado dos trabalhadores e definição de um projeto de Previdência universal, pública e solidária.

Diante desse quadro, a vitória será possível com o fortalecimento da mobilização e a radicalização das nossas ações. Assim, crescerá a oposição parlamentar, a aglutinação de todas as forças que fazem frente a essa Proposta e a pressão capaz de barrar o fisiologismo e o conhecido “balcão de trocas”.

Nossas Tarefas
Para sairmos vitoriosos, é necessário fortalecer a greve e nossa capacidade de pressão e mobilização, além de, sobretudo, ampliá-la por tempo indeterminado nos setores estratégicos para a reprodução do capital e o funcionamento do aparelho de estado. Nesse momento, é necessário trabalhar pela ampliação da unidade com as esferas estadual e municipal (o que foi fundamental para o sucesso da Marcha do dia 11/06 e do Encontro das 3 Esferas em Brasília, na última quinta-feira), pela realização de atos de rua, pela criação de fatos de impacto social e político, com presença permanente na mídia, pela ampliação de nosso arco de alianças na sociedade, pelo esclarecimento da população e dos setores organizados. Além disso, procurar ocupar todos os espaços possíveis, organizando ações para dar visibilidade e aumentar a pressão sobre os parlamentares, o Presidente, seus ministros e os governadores, por todos os lugares onde eles estiverem nos próximos dias.

Conclusão
Nossa greve, em conjunção com as marchas e ocupações realizadas pelos movimentos dos sem terra e dos sem teto, com o posicionamento de personalidades e intelectuais que manifestam publicamente suas críticas aos rumos tomados pelo governo representam uma inflexão na conjuntura nacional. A frustração das enormes expectativas geradas pelo governo, ao invés de levar à desmobilização dos movimentos, tem gerado sua intensificação, a despeito das práticas e esforços desmobilizadores daqueles que ainda se mantém numa posição de apoio incondicional ao governo.

Os trabalhadores, em sua experiência com o governo Lula, vão compreendendo a necessidade de se manterem na luta, dada a natureza dos compromissos e alianças assumidas pelo governo, em continuidade e aprofundamento da política econômica neoliberal.

Como conseqüência do primeiro grande enfrentamento dos trabalhadores com o governo, a reação das classes dominantes tem sido imediata: exige que o governo contenha e enquadre os movimentos sociais e mantenha firmemente seus compromissos com os interesses de classe do capital. Destaque-se, também, que o governo tem recorrido a práticas repressivas sempre que necessário para a manutenção da ordem estabelecida, inclusive criminalizando os movimentos popular e sindical.

O ANDES-SN tem acenado em suas análises, desde o início, que a luta e a mobilização dos trabalhadores é, como sempre foi, o caminho a ser seguido. Mais do que nunca, é hora de envidarmos todos os nossos esforços para levar o governo a recuar. A luta é dura, mas a mobilização, com a ampliação da greve e radicalização das ações dos servidores de todo o país poderá derrotar mais este ataque.

Portanto, reafirmamos a necessidade da retirada da PEC-40/03 do Congresso Nacional para que possamos, com a participação da Sociedade e a partir de auditoria completa no sistema, construir uma Previdência Pública, socialmente referenciada, o que significa trabalhar, num horizonte da construção da Previdência unitária para trabalhadores dos setores privado e público, com base em um modelo universal, solidário, distributivo, exclusivamente público e de caráter ativamente inclusivo aos milhões de trabalhadores que estão hoje alijados do sistema.
OU PÁRA ESSA REFORMA OU PARAMOS O BRASIL!