No dia 7 de janeiro, o ex-sargento suspeito de ser o Maníaco do Arco-Íris, após passar 30 dias em prisão temporária, está novamente soltoEm dezembro do ano passado, o brutal assassinato de 13 homossexuais tornou-se um escândalo divulgado pela mídia, chocando a população, em especial a comunidade homossexual (GLBT). Tais crimes ocorreram no mesmo local e de maneira idêntica entre julho de 2007 e dezembro de 2008, sugerindo que tenham sido cometidos pelo mesmo agente. Por essa razão, em referência à bandeira colorida que representa o movimento GLBT, o serial killer foi apelidado de Maníaco do Arco-Íris.

Quem é o suspeito?
Jairo Francisco Franco, 46 anos, é sargento aposentado da Polícia Militar. Segundo a edição de 11 de dezembro de 2008 do jornal Diário de São Paulo, ele já estava sob investigação por ter participado do massacre do Carandiru e pela suspeita de fazer parte do grupo de extermínio Eu Sou a Morte, formado por PMs do 14º Batalhão, além de ter se tornado conhecido como matador de travestis na década de 1990.

Quem são as vítimas?
As vítimas foram gays e travestis, trabalhadores e da periferia, que frequentavam o Parque dos Paturis, em Carapicuíba, região da grande São Paulo. Entre eles funcionários públicos, um detetive, um barman e caminhoneiros. Outros dois assassinatos ocorridos em Osasco também podem ter sido cometidos pelo mesmo assassino.

A cena dos crimes
Num bosque, no Parque dos Paturis, também conhecido como Fazendinha, as vítimas foram encontradas deitadas de bruços e com as calças abaixadas, sugerindo que o assassino manteve relação sexual com as mesmas. Além disso, todas elas foram mortas com tiros precisos e fatais na cabeça, exceto uma, que foi morta a pauladas.

A polícia, a Justiça, a mídia e o governo: personagens cúmplices
Vários procedimentos básicos foram negligenciados pela polícia. Apesar da presença de esperma no corpo das vítimas, nenhum teste de DNA foi realizado. Não foram feitos estudos de balística. Sequer foi verificado se as balas encontradas nos corpos das vítimas partiram de uma mesma arma ou não. Foi, sim, constatado que o assassino tratava-se de alguém muito habilidoso quanto à manipulação de armamento pela precisão de seus disparos.

Ainda que existam várias testemunhas, apenas duas foram ouvidas e confirmaram que o ex-sargento praticou os crimes. Foi o reconhecimento (pessoalmente) de uma delas em testemunho ao assassinato de uma travesti, morta em outubro de 2008, que determinou a prisão de Jairo em dezembro. As demais testemunhas recusaram-se a depor por temerem pela sua segurança, uma vez que a Polícia Civil não podia garanti-la (comerciantes da região afirmam que muita gente tem informações sobre o caso, inclusive que há testemunhas oculares).

Em Carapicuíba há, segundo a polícia, apenas cinco investigadores para mais de 100 mil habitantes e não há recursos para viabilizar os procedimentos adequados. Já a Justiça não dispunha de um protocolo único que cruzasse informações comuns a todos os casos, ainda que muitos soubessem, desde agosto de 2007, da existência de um maníaco homofóbico (anti-homossexuais) na região.

A juíza da I Vara Criminal de Carapicuíba desvalorizou os depoimentos que levaram à prisão do ex-PM (ainda que ele permaneça como réu conforme as recomendações do Ministério Público), conferindo-lhe a liberdade.

Outra possível prova contra o policial acusado foi ignorada: a operadora TIM confirmou que, no momento em que ocorreu um dos terríveis crimes no Parque dos Paturis, Jairo recebeu uma ligação e se encontrava justamente neste local.

O fato de um serial killer homofóbico agir aterrorizando pessoas por um ano e meio sob o silêncio da mídia e todo o descaso da polícia, da Justiça e do governo, apesar de absurdo, envolve elementos que não surpreendem. As vítimas e aqueles que vivem sob a ameaça do maníaco não são ricos nem famosos. Tampouco os assustadores assassinatos ocorreram num bairro badalado, como os Jardins, frequentado por homossexuais com outro perfil financeiro. Em situações assim, um escândalo da mídia seria imediato e a segurança se mostraria minimamente eficiente, assim como os governos se manifestariam mascarando a violência cotidiana que assombra a vida dos GLBTs da classe trabalhadora.

Hoje a mídia vê a comunidade homossexual como um grande público, um grande mercado e para vender sua cada vez mais apelativa e decadente produção cultural (como Big Brother, novelas etc.) inclui personagens homossexuais que avançaram de uma representação estereotipada, ridícula e degradante que incentivavam diretamente a homofobia a personagens que atraiam este significativo público gay. A visibilidade positiva tão sonhada gera expectativas, atrai de fato os GLBTs, mas não expõe os problemas reais que essas pessoas enfrentam no dia-a-dia. Com esses personagens irreais e as vidas que levam, a TV entra na casa das pessoas mentindo ao tentar convencer a população que a homofobia está sendo superada, que ser homossexual é um detalhe que não traz problemas.

O governo Lula, por sua vez, promove uma Conferência Nacional e cria o Programa Brasil sem Homofobia. Tenta assim projetar-se mundialmente como progressivo e avançado sob esse aspecto. Apesar das diversas declarações homofóbicas do presidente, este e também as entidades GLBTs comemoram estar de mãos dadas contra o preconceito, terem a maior Parada do Orgulho GLBT do mundo, ser o primeiro país a ter uma Conferência organizada pelo governo para tratar de tal assunto e proliferarem cada dia mais palavras e recomendações que nunca saem do papel.

Esta domesticação e burocratização do movimento GLBT se traduz num distanciamento gigantesco da realidade e numa negação à luta por mudanças concretas. As ONGs retiram a responsabilidade do governo. Este e o “mercado pink” lucram horrores, com paradas e com discriminação que gera a necessidade de guetos que permitam que homossexuais vivam sua sexualidade (boates, bares, turismo etc.). Verbas investidas para concretizar o combate à homofobia, capacitando a educação, a segurança e a saúde, são as migalhas destinadas às ONGs. Resulta disso tudo, o lucro e a neutralização do movimento gay.

A realidade do Brasil é trágica. É de aumento da homofobia e da violência. Do lado do governo, dos empresários ou da Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, nenhuma mudança na legislação foi aprovada para mudar a realidade dos gays da classe trabalhadora. Nenhum programa saiu do papel ou sequer foi construído de maneira democrática. O Brasil é o país com maior índice do mundo de violência contra homossexuais. Sua legislação, no que se refere à discriminação de Estado, é mais atrasada, negando mais direitos aos homossexuais do que vários países pobres da África e da América Latina.

Formas de preconceito institucionalizado expressam-se na recusa ao sangue dos homossexuais nos bancos de sangue, ainda que vidas dependam disso. As instituições relacionadas à segurança e à repressão, como o exército e as polícias, são por natureza homofóbicas. As Forças Armadas não aceitam homossexuais. O famoso caso dos sargentos que chegaram a ser presos pela sua orientação sexual, no ano passado, demonstra que estas instituições, além de não aceitarem gays ou exigirem a omissão da homossexualidade em suas fileiras, tomam como exemplar a punição por isso. Ou seja, tratam como crime a homossexualidade. Envolvem também uma educação dos oficiais que valoriza um perfil agressivo, frio, másculo e opressor.

Tais características próprias dessas instituições não apenas as tornam ineficientes no combate à violência, como incentivam o preconceito e a prática antigay por parte de seus oficiais. Se não houvesse despreparo para a garantia da segurança de GLBTs, estaríamos diante de uma grande contradição. Essa ideologia, perpetuada nestas instituições do Estado, são tão nefastas que sua tradução cotidiana se expressa desde piadas de mau gosto até o repúdio e o ódio tão profundos contra homossexuais que chegam a causar assassinatos.

Não é estranho que o serial killer apresente habilidades que comprovem sua passagem por alguma instituição de repressão e segurança, como a precisão com que manipula armas de fogo. Por tudo isso, infelizmente, também não causa surpresa a eternidade durante a qual este caso permaneceu em silêncio na mídia, que tenha se calado também o governo irresponsável, que a polícia trate com descaso a violência contra gays e seja coorporativa ou que a justiça não esteja ao lado dos oprimidos e da classe explorada.

Quanto ao movimento GLBT, é lamentável que a ABGLT (ONG que reune 203 entidades contra a homofobia) apenas peça ofícios e descrições do caso para que seja encaminhado de uma delegacia a outra. Querem que o caso seja relatado à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). A ABGLT e o movimento em geral hoje buscam, como principal reivindicação a aprovação do PL 122/06 que criminaliza a homofobia, através de uma petição virtual.

Diante a harmonia em que atuam a Justiça, o governo etc., sabemos que a aprovação de uma lei, por si só, não basta. A Justiça tem lado. Do governo, sequer uma popularidade no setor pode garantir a aprovação dessa lei, uma vez que este governo está comprometido e reúne setores conservadores e moralistas (como o PL da Igreja Universal), burgueses e que, portanto, se beneficiam da homofobia para dividir a classe trabalhadora e melhor explora-la.

Este caso não se encerra aqui
Infelizmente, nada trará de volta a vida destes e de muitos outros homossexuais covardemente vitimados, mas devemos lutar pela punição do Maníaco do Arco-Íris. Não podemos deixar que esta atrocidade caia no esquecimento e a violência se perpetue. Há um sem número de cúmplices neste e em diversos casos semelhantes que, ao negligenciarem investigações, não exigirem punição, deixarem de denunciar e acharem que a vida de homossexuais vale menos merecem também ser investigados e punidos, como outros policiais, representantes da Justiça etc.

É necessário que os homossexuais da classe trabalhadora se reorganizem junto aos demais setores oprimidos e explorados para fortalecer sua luta e resgatar o enorme potencial de conquistar direitos. Diante da crise econômica que se aprofunda, é preciso resistir junto aos trabalhadores contra os ataques do governo em defesa dos interesses dos patrões. Lutar contra as demissões e contra a flexibilização dos direitos trabalhistas.

Os cortes de verbas já anunciados pelo governo em virtude das cifras destinadas a salvar banqueiros e empresários significam piores condições de educação, saúde, moradia, segurança e qualquer forma de combate à opressão que negros, mulheres e homossexuais sofrem. É preciso lutar e pressionar o governo para que os ricos paguem por essa crise.

A construção do Grupo de Trabalho GLBT da Conlutas como alternativa classista, independente e combativa para enfrentar cotidianamente a homofobia é ferramenta indispensável. Sabemos qual é o papel e o caráter das forças armadas, mas devemos combater intransigentemente a homofobia em todas as instâncias. Portanto, os homossexuais e as mulheres não devem ser diferenciados dos demais, devendo ser aceitos.

Uma polícia capaz de combater de fato a opressão, proteger a população e não ser um instrumento de repressão contra os trabalhadores deve ter seus delegados eleitos pela comunidade e atuando em favor de seus interesses. Deve ser democrática e permitir a livre organização de seus trabalhadores. Sem um salário digno e condições adequadas de trabalho a corrupção dos policiais não pode ser erradicada. É preciso que ela tenha um caráter preventivo, educador e sob uma orientação ideológica oposta a atual.

Grupos de orientação neonazistas que vem sendo uma constante ameaça a negros, nordestinos e GLBTs, principalmente, devem ser duramente combatidos pela polícia imediatamente.

A violência homofóbica é pilar de sustentação desta sociedade falida. Por isso, lutar por uma sociedade sem homofobia é lutar contra o capitalismo, sistema que não inventou essa falsa ideologia, mas que a sistematiza, alimenta e se beneficia dela. E para garantir de fato a liberdade é preciso destruir esse sistema e construir uma sociedade justa e igualitária: uma sociedade socialista.

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