Redação

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É intenção minha regulamentar o garimpo, legalizar o garimpo, é intenção minha, inclusive para índio. Tem que ter o direito de explorar o garimpo na tua propriedade“. Essa foi umas das declarações de Bolsonaro sobre o ataque de garimpeiros contra a etnia Wajãpi, no Amapá, que resultou na morte de um cacique.

O cacique Enyra Wajãpi, assassinado a facadas

Emyra Wajãpi, de 68 anos, foi morto a facadas na última quarta-feira. A morte foi o início de um ataque à aldeia Mariry. Antes dessa declaração criminosa, porém, Bolsonaro disse duvidar do ataque. “Não tem nenhum indício forte de que esse índio foi assassinado lá“, disse.

Segundo os indígenas, aproximadamente 50 garimpeiros realizaram o ataque. Há relato de uso de metralhadoras. O ataque foi claramente motivado pela campanha que Bolsonaro faz contra os povos originários e a demarcação de terras, em apoio aos latifundiários, garimpeiros e mineradoras.

O território dos Wajãpi está sobreposto à chamada Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área com alto potencial de ouro e outros metais preciosos, que fica entre o Pará e o Amapá e tem 46.450 quilômetros quadrados, pouco maior do que a Dinamarca.

Em 2017, Temer publicou um decreto extinguindo a Renca, o que causou indignação no Brasil e no exterior. A Renca foi criada em 1984 e funcionava como um tipo de “blindagem de proteção” para que as unidades de conservação dessa área não fossem devastadas. Atualmente, a aérea da Renca se sobrepõe a dois Territórios Indígenas (TI Rio Paru D’este e TI Waiãpi); quatro Unidades de Conservação de Uso Sustentável que abrigam populações ribeirinhas, seringueiras e quilombolas (RDS do Rio Iratapuru, Flota do Paru, Flona do Amapá e RESEX do Rio Cajari); duas Unidades de Conservação de Preservação Integral (Parque Nacional das Montanhas do Tucumaque, Rebio de Maicuru e Esec do Jari).

O decreto de Temer que extinguia a reserva tinha como objetivo abrir a área para a exploração por parte de empresas privadas de mineração. Pressionado, Temer foi obrigado a voltar atrás e revogou o decreto.

Mapa da Renca.

Toda essa história mostra que há um plano das grandes corporações capitalistas, associadas ao nosso Estado corrupto, para aquela região: converter a Amazônia num imenso fornecedor de matérias-primas (minerais, petróleo, gás, madeira, carne etc.) ao mercado mundial.

Na época da criação da Renca, a Terra Indígena Wajãpi ainda não havia sido demarcada, o que aconteceu em 1996. Segundo alguns estudos geológicos, a região é rica em ouro, que é explorado por garimpos clandestinos. Há também reservas com potencial para exploração de titânio, fosfato e tentalita, um mineral composto de nióbio e tântalo.

Em 1973, houve invasões de garimpeiros no território Wajãpi, que foi cortado pela estrada Perimetral Norte, com a qual a ditadura militar pretendia conectar o Amapá a Roraima. A experiência foi trágica para os indígenas. Muitos morreram com as doenças introduzidas pelos garimpeiros, como o sarampo.

Na década de 1980, cansados de esperar pela ação da Funai, os próprios indígenas começaram a expulsar os invasores de suas terras. Enfrentaram os grupos que haviam invadido suas terras e começaram a praticar algo que hoje chamamos de autodemarcação, retomando o controle da área. Em 1996, veio a demarcação, mas até hoje são os próprios os Wajãpi que realizam, por conta própria, expedições regulares de vigilância nos limites de terra demarcada.

Autodemarcação: exemplo a ser seguido
Bolsonaro tem um compromisso evidente de entregar a Amazônia para a exploração do grande capital. Já disse que deseja fazer uma parceria com os Estados Unidos para explorar a região. Disse também que não vai dar um centímetro de terra indígena demarcada. Por essa razão, infelizmente, o recente ataque aos Wajãpi não será o último. Diante desse quadro, resta aos povos originários o caminho da autodemarcação e da organização da autodefesa para defenderem suas vidas e território.

Placa da autodemarcação do território Munduruku.

Os Wajãpi foram os primeiros povos originários da Amazônia a realizarem a autodemarcação. Um exemplo que hoje é seguido por outras etnias da região, como os Mundurukus. Recentemente, em comunicado, os Mundurukus realizaram uma expedição em seu território ancestral, localizado no Alto Tapajós e no Rio Teles Pires, expulsando grupos de madeireiros.

No comunicado público, eles afirmam: “A nossa vida está em perigo. Mas, por isso, nós vamos continuar mostrando a nossa resistência e a nossa autonomia. Somos capazes de cuidar e proteger o nosso território para nossos filhos e as futuras gerações. Ninguém vai fazer medo e ninguém vai impedir porque nós mandamos na nossa casa que é nosso território. (…) Por isso, sempre vamos continuar lutando pelas demarcações dos nossos territórios. Nunca vão nos derrubar. Nunca vamos negociar o que é sagrado. Será que vai precisar morrer outros parentes, como aconteceu com a liderança Wajãpi, para que os órgãos competentes atuem?”