Longe de representar crescimento e aumento do emprego, investimento estrangeiro busca enviar recursos daqui para foraQuando, em 2008, o país viveu uma onda de fuga de capitais, com a explosão da remessa de lucros das multinacionais às suas matrizes, a justificativa era a necessidade de essas empresas cobrirem os rombos causados pela crise econômica internacional. Desta forma, a lógica seria que, amenizada a crise, as remessas diminuíssem. Ainda mais com o crescimento acelerado do país nos últimos meses.

Não é isso, no entanto, que acontece. O movimento observado é justo o contrário. Só até maio deste ano, foram remetidos ao exterior 10,8 bilhões de dólares, volume quase 40% superior ao enviado no mesmo período do ano passado. Em 2008, o ano fechou com o recorde de 33,8 bi remetidos ao exterior. Já para este ano, o Banco Central prevê que 32 bi deixem o país, ficando 32% acima do enviado em 2009.

Segundo o jornal Valor Econômico, os setores na indústria que lideram as remessas são as montadoras, o setor metalúrgico, químico e de bebidas. Em serviços: telecomunicações, bancos e as seguradoras. Ao mesmo tempo, o volume de investimento estrangeiro direto permanece estável, com 11 bi entrando até maio, mesmo volume de 2009. Em 2009, o investimento estrangeiro direto teve redução de 42%, indo de 45 bi para 25,9 bi. Ou seja, permanecendo esse movimento, de aumento nas remessas e redução dos investimentos estrangeiros, o envio de lucros vai superar o investimento pela primeira vez desde 1994.

O aumento das remessas vem preocupando analistas e o próprio governo, pois, junto com a redução nas exportações e as importações facilitadas pelo câmbio valorizado, isso aumenta o déficit nas transações correntes, ou seja, o conjunto de tudo o que entra e sai do país. Até maio esse déficit atingia 18,7 bilhões. Com a expectativa de forte redução no ritmo de crescimento em 2011, o déficit vai dificultar o país fechar suas contas, mesmo com as reservas que o Banco Central acumulou nos últimos anos.

Sangria
Se por um lado é verdade que a crise internacional acelerou a remessa de lucros (desde 2008 foram 70 bilhões de dólares enviados para fora), por outro a repatriação dos lucros, assim como a sua aceleração, é um processo permanente, não apenas conjuntural, que independe do recente crescimento interno.

Segundo o Valor, a partir de dados do próprio Banco Central, desde 2004 o país vive uma aceleração na remessas de lucros, que pularam de uma média anual de 5 bi para 7,3 bi, subindo em 2005 para 12,7 bi. Tal aceleração da saída de lucros seria uma conseqüência dos investimentos que entraram no Brasil após a abertura econômica e a desregulação financeira da década de 1990. Uma vez investidos, os mais 160 bi que entraram entre 1995 e 2002 retornam agora para os seus donos, incrementados pelos lucros obtidos nesse período.

Já a remessa de lucros dos investimentos financeiros estrangeiros, sob o governo Lula, também aumentou exponencialmente. De acordo com matéria da revista Exame, desde 2003 foram remetidos anualmente 4,8 bi de dólares, montante 277% maior que os lucros remetidos no governo FHC, de 1995 a 2002.

O que representa o investimento estrangeiro?
Uma ideia bastante veiculada, até mesmo por setores considerados progressistas, é a de que o investimento estrangeiro “produtivo”, ou seja, aquele destinado à ampliação ou construção de fábricas e capaz de aumentar a capacidade produtiva, seria benéfico ao país, ao contrário do investimento financeiro meramente especulativo.

Essa ideia mostra o investimento de uma multinacional quase como uma doação filantrópica a um país subdesenvolvido. O fim do investimento estrangeiro é também utilizado como argumento contra propostas como a nacionalização e estatização das grandes empresas e multinacionais. Como se o país dependesse desses investimentos. O governo teria, portanto, a obrigação de atrair o investimento estrangeiro, lançando mão de toda sorte de benefícios e isenções fiscais.

O outro lado dessa história é que, se num primeiro momento esses investimentos podem representar maior emprego e renda, numa segunda etapa ele volta na forma de lucros, num valor dois, três vezes maior.

No caso da atual tendência de aceleração na remessas de lucros, é o resultado dos investimentos realizados na década de 1990. Tais investimentos não geraram emprego, tampouco renda. Ocorreram na esteira de abertura econômica, desregulação financeira e privatização. Ou seja, resultaram no desemprego em massa, desnacionalização e ampliação da pobreza e miséria. E retornam agora incrementados pelo lucro conseguido no Brasil. Tudo amparado e incentivado pelo governo.

As multinacionais não estão preocupadas com a geração de empregos e o crescimento econômico. Orientam-se pela lógica do lucro. A estatização das multinacionais localizadas no país, além de cessar a remessa de lucros, tornaria possível medidas como a redução da jornada de trabalho, a elevação dos salários e a geração dos empregos, colocando o funcionamento dessas empresas de acordo com as reais necessidades da população.

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