A ocupação do Complexo do Alemão pela Polícia Militar, conjunto de favelas do Rio de Janeiro, deixou em 11 dias um rastro de sangue com 15 mortos e 43 feridos. Em sua maioria, as vítimas eram trabalhadores que moravam na comunidade. Mais uma vez fica claro que as balas que assassinam a população não são “perdidas” como se costuma noticiar, mas possuem alvos certos: pobres, favelados, negros e trabalhadores desempregados.

As estatísticas também demonstram que a polícia do governo Sérgio Cabral (PMDB) já matou, só nos primeiros três meses deste ano, 50% a mais do que no mesmo trimestre de 2006. Mas a Folha de São Paulo (08/05/07) divulgou que os registros do número de vítimas no Rio estão sendo modificados. Por meio de dados do hospital Getúlio Vargas, o jornal noticia que o registro do número de mortes em Vila Cruzeiro nos últimos confrontos é maior do que o oficialmente divulgado pelo governo.

Esses fatos são o retrato do fracasso da política de segurança dos governos, que se recusam a atender às necessidades de condições dignas de vida para a população, e continuam reprimindo e humilhando os trabalhadores sob o argumento de “combater” os bandidos e os narcotraficantes.

Anistia Internacional
A Anistia Internacional divulgou no dia 3 o relatório intitulado “Brasil – entre o ônibus em chamas e o caveirão: em busca da segurança cidadã”, em que faz duras críticas ao governo Lula e aos governadores de São Paulo, José Serra (PSDB), e do Rio. O documento confirma que a ação das polícias continua “caracterizada pela invasão policial nas favelas que coloca em perigo a vida de todos”

O relatório denuncia a crescente militarização da polícia, cuja maior expressão no Rio é o “caveirão” (veículo blindado utilizado pela PM para invadir favelas), e apresenta números alarmantes. Segundo o documento, as ações da polícia provocaram mais de mil mortes em 2006 no Rio. O texto também mostra que as milícias controlam 92 das mais de 500 favelas cariocas.

Em São Paulo, a situação não é diferente. Só no dia 18 de maio do ano passado a polícia matou 107 “suspeitos”, 11 deles enterrados como “indigentes”, sem investigação criminal formal.

O trabalho da Anistia confirma a hipocrisia de Lula, Serra e Cabral, que se elegeram com discursos e promessas de melhoria da segurança pública, mas depois de eleitos vêm aplicando a mesma política truculenta de repressão. Assim, o relatório destaca que “o presidente Lula prometeu fazer da segurança pública um dos carros chefes do seu segundo mandato. (… ) Mas, ao comparar os ataques criminosos ao terrorismo e insistir na necessidade de uma mão forte, o presidente traiu o espírito do SUSP, as propostas de reformar a segurança com base nos direitos humanos. Da mesma forma, Cabral, que durante a campanha condenou a utilização do “caveirão”, hoje continua utilizando diariamente o carro blindado nas favelas”.

Mais repressão
Sob o pretexto de “combate à impunidade”, vieram à tona novamente velhas propostas como a redução da maioridade penal, aprovada no dia 28 de abril pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Além da mentira que representa a redução da maioridade no combate à violência (os números indicam que apenas 1% dos crimes violentos são praticados por menores), não é verdadeiro o argumento de que faltam leis no Brasil ou que há impunidade. Em primeiro lugar, o que mais temos no país são leis, muitas das quais esdrúxulas, que somente servem para punir pobres, negros e jovens.

O Brasil possui o quarto maior sistema prisional do mundo, com 401.236 presos em celas abarrotadas, segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional. A população carcerária cresce a uma taxa de mais de 10% ao ano, bem superior à média do crescimento anual da população, de 1,3%. A isso se agrega o fato de haver mais de meio milhão de foragidos (550 mil mandados de prisão decretados pela Justiça e não cumpridos pelas polícias), segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Estado corrupto
A decomposição do Estado burguês gerou uma profunda ramificação de seus órgãos de segurança (polícia, Justiça, políticos, partidos, etc.) no crime organizado. Não existe “banda podre” da polícia porque toda a sua estrutura está apodrecida, desde a direção. É o que foi comprovado por dezenas de denúncias, como na Operação Hurricane, mostrando a ligação do alto escalão do Estado com o crime.

Um programa para enfrentar a violência policial
No dia 8, cerca de 500 moradores da Vila Cruzeiro fizeram uma passeata contra a violência policial. Dias antes moradores da favela Bela Vista, em São Paulo, haviam realizado também um protesto pelo mesmo motivo que parou a Marginal Tietê. Manifestações dessa natureza se sucedem por todo lado, tanto que no mês passado moradores da Mangueira também saíram às ruas para protestar. O dia 17 de abril e o ato de 1º de Maio no Rio incorporaram como parte de suas reivindicações o fim da violência policial e a não criminalização dos movimentos sociais.

É importante que os trabalhadores e a população dos bairros pobres assumam estas mobilizações e um programa próprio para enfrentar a violência. Está claro que as respostas não virão dos atuais governos. A solução, tanto de Lula, Cabral, como do PSDB-DEM é o aumento da repressão, e o resultado é esse que se vê por aí. Tampouco resolvem as já desgastadas passeatas da classe média “pela paz”.

O programa começa pela mudança radical da atual política econômica, que só serve ao aumento dos lucros das grandes empresas. Com a ruptura com o imperialismo e deixando de pagar as dívidas interna e externa, é possível um novo plano econômico que acabe com o desemprego, eleve os salários e permita um novo plano de educação e saúde para a população.

O segundo ponto é a dissolução das polícias atuais, completamente corrompidas. É preciso uma nova polícia, democraticamente organizada. A população dos bairros é que deve eleger os delegados, e deve ser permitida a organização sindical de suas bases. Todas estas medidas são para possibilitar um controle da população sobre a polícia.

O terceiro elemento é a descriminalização das drogas. Grande parte dos altíssimos lucros do tráfico advém de que as drogas são ilegais. As drogas ilegais são tão nocivas como as legais (álcool e tabaco), e a repressão tem se comprovado um fracasso completo, que só alimenta os lucros dos traficantes e a corrupção do Estado.

O quarto ponto é que a repressão aos bandidos tem que começar de cima. Enquanto os grandes bandidos, de colarinho branco continuarem impunes, será difícil acabar com os outros crimes.

Por fim, é preciso chamar a auto-organização dos bairros pobres, para barrar a violência policial e garantir a autodefesa dos trabalhadores sem ficar refém do tráfico ou de “milícias”.

Post author José Eduardo Braunschweiger e Aderson Bussiger, do Rio de Janeiro (RJ)
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