Em Fortaleza (CE), duas importantes ativistas do movimento estudantil de Medicina decidiram ingressar no PSTU. Uma delas, a Gracinha, é dirigente nacional da Executiva de Medicina. Abaixo, publicamos a carta de entrada no partido assinada pelas duas estudDecidimos escrever esta carta mesmo sabendo que ela pode ser mal-interpretada e até distorcida. Escrevemos porque temos muito a dizer sobre a intensa experiência que vivemos nesses últimos anos e gostaríamos de compartilhá-la, mesmo sabendo que não será tudo devidamente detalhado (faltariam páginas para esse fim!). Acreditamos que este texto possa vir a suscitar debates que consideramos imprescindíveis, além de tirar algumas dúvidas que um dia tivemos e que porventura sejam compartilhadas pelo leitor.

Nossa História: distorções recorrentes do Partido
Como a maioria dos estudantes de medicina do país, estudamos em escolas particulares, e assim, o movimento estudantil nos parecia algo que pertencia aos livros de história somente, e que teve como última atuação o Fora Collor. O ambiente da escola particular era pouco propício à percepção das contradições da sociedade e, portanto não percebíamos a necessidade da mobilização. Lutar pra quê? Contestar o quê?

Ao ingressarmos na universidade sentimos mais claramente a possibilidade de organização e assim tivemos nossa primeira experiência prática de movimento estudantil através da participação no centro acadêmico de nossa faculdade. E foi a partir do CA que conhecemos o movimento de área (movimento estudantil de medicina – MEM) e movimento geral na Universidade.

Começamos aí a visualizar que o movimento estudantil era bem diferente da imagem romantizada… começamos a entender que este não constituía uma massa homogênea, mas que era sim composto por diversas correntes de pensamentos, desde o reacionarismo da direita clássica/governismo até a ultraesquerda…

Claro que nem tudo foi percebido de uma vez… ao trabalhar cotidianamente os problemas da Faculdade e da Universidade (como oposição a sua diretoria de direita do DCE) passávamos a entender como se davam os processos… quem eram os atores, e quais eram as correlações de forças.

Na Universidade Federal do Ceará (UFC), construímos o coletivo “Amar e Mudar as Coisas”, que era composto por independentes e militantes do PSOL (Enlace). O grupo, em linhas gerais, tinha a proposta de organizar os estudantes na luta contra os ataques à UFC, utilizando novos métodos de fazer ME, sendo importante, pois contribuiu para nossa formação e compreensão – a partir de determinada ótica particular, claro – sobre a dinâmica de movimento. Ajudamos a construir o Amar e junto dele participamos de importantes processos na Universidade tais como o Conselho Universitário no qual se tentou barrar o Reuni, a ocupação subseqüente da Reitoria, processos eleitorais para DCE, o V Congresso de Estudantes da UFC, entre outros.

Com o tempo, percebemos uma série de contradições dentro do grupo: Se por um lado se proclamava debater temas transversais como opressões, meio ambiente e software livre, na prática não havia essas discussões de fato; falava-se que místicas eram parte importante na sua constituição, mas na prática um forte clima de animosidade perpassava as reuniões, o que piorou progressivamente até o final do coletivo. Também se reproduziam os velhos vícios do ME: capismo, priorização de acordos com forças em detrimento de diálogo com a base, picuinhas, queimações, impossibilidade de espaço para posições divergentes da hegemônica serem colocadas, pouco espaço para os mais novos se colocarem, entre outros.

Tendo como exemplo importante o progressivo desgaste interno decorrente do modo como se encaminhou a participação do coletivo na dinâmica nacional do ME, com intenso tensionamento para que o grupo passasse a disputar os fóruns da UNE e compusesse o coletivo nacional Nós Não Vamos Pagar Nada.

O PSTU não era poupado de desconfiança e críticas. Apesar de nunca termos vivenciado um processo de unidade com o PSTU, este era sempre colocado como aquele que racharia todos os processos. Resumindo, sectários pouco dialogáveis.

Com o tempo, as pessoas foram se afastando do cotidiano do Amar. Este também não conseguia mais agregar novos militantes, pelo já explicitado acima. Foi com o fim do coletivo que nos aproximamos do PSTU, passando a vê-lo com outros olhos, de forma mais aberta e menos sectária, conseguindo assim, pouco a pouco, perceber que muito da imagem ruim que tínhamos do Partido não era real. A partir das discordâncias de método com o Amar, começamos a perceber mais claramente que elas não eram por acaso ou algo facilmente contornável. Elas eram, sim, o resultado de divergências de fundo, essencialmente políticas.

Percebemos que o Amar não era o suficiente, visto que a partir dele tínhamos muitas vezes passado a cumprir o papel nefasto de reforçar o burocratismo dentro do ME, em detrimento do real avanço da consciência do ME. No Amar, a visão da aliança operário-estudantil parecia algo que não cabia, uma idéia muitas vezes repelida.

Com o PSTU, entramos em contato com um espaço que congrega de forma orgânica o mundo do trabalho, numa perspectiva revolucionária. Pudemos assim, redimensionar a nossa idéia sobre o que papel que o ME pode cumprir. Pudemos iniciar um processo de ruptura com as práticas do ME que hoje percebemos nos eram naturais, como o personalismo, a valorização de debates que hoje como burocráticos, a distância do proletariado. Percebemos que não cabe o argumento de que porque fazemos ME não devemos nos diluir nas questões dos trabalhadores, ou mesmo de que existe uma separação entre a luta dos trabalhadores explorados e a luta dos estudantes. Percebemos que fazer isso é apequenar a possibilidade que o ME tem de servir para a formação de futuros lutadores sociais.

Hoje temos claro que para além de uma imagem distorcida do Partido, tínhamos uma imagem distorcida do papel que o ME pode cumprir.

Conjuntura
Através inicialmente do ME pudemos construir uma leitura da conjuntura, que hoje não dissociamos daquela do Partido. Antes que comecem a dizer que esta carta está “muito pessoal e pouco política”, gostaríamos de compartilhar um pouco dessa leitura.

Como não falar da crise?

Tema de tantos espaços, a crise, de caráter estrutural, explicita de forma um pouco mais clara as contradições do sistema capitalista que estão ai, no cotidiano. A exploração do trabalhador pela burguesia se dá desde quando esta se encontra no poder, mas é num momento como o de crise que temos um recrudescimento desse processo. E diante disso, o Estado mostra claramente a serviço de quem que está. Ou será por acaso que tanto dinheiro foi dado para salvar banqueiros e tanto está sendo cortado de áreas básicas como educação e saúde (que já contam com mirrados recursos, vide Reuni)? E em meio a todo esse debate, como deixar de falar do papel que o Governo Lula tem cumprido?

Muitas vezes essa discussão pode soar distante… mas é importante que nos esforcemos para trazê-la à tona. O governo Lula – que constitui um governo de Frente Popular (em em linhas gerais: sustentado por setores populares e sindicais, mas com política voltada para a burguesia) – tem cumprido o papel de causar considerável confusão entre muitos trabalhadores… e não só neles, infelizmente. Todo um setor da esquerda teve por um bom tempo como referencia o Partido dos Trabalhadores, acreditando que ele poderia, através do alcance do Estado, ser responsável pela mudança do status quo.

Hoje podemos perceber com muita clareza a falha desta ideia, visto que para conseguir chegar ao poder, o partido teve de deixar de lado premissas mais radicais e se incorporou de forma orgânica ao quadro dramático da política brasileira, bem representado pela figura de Sarney.

Lula para muitos ainda é visto como o legítimo representante da classe operária e é importante se procurar desconstruir essa idéia! Mostrar que já não há mais polaridade entre esse governo e a direita, e que, portanto, a luta contra os dois é central.

Em meio a tudo isso, as universidades brasileiras têm sofrido duros golpes, que ameaçam, além de sua estrutura física, os seus debilitados caráter público e referência social. O ME nacional, que não está aparte de toda essa conjuntura, sofre o baque do atrelamento do movimento à política do governo Lula. Sentimos a mais dura expressão disso na atual situação da antes combativa União Nacional dos Estudantes, fazendo-se, portanto, necessário reafirmarmos aqui a necessidade de o ME se posicionar contrário ao reacionarismo da direita/governismo, buscando fazê-lo onde isso tenha maior potencial de ser realmente frutífero, o que avaliamos que não seja por dentro da UNE.

Apresentação do Partido
Diante dessa conjuntura, temos clareza de que aqueles que detêm o poder não irão deliberadamente mudar o modo como esta sociedade se organiza. No máximo concederão algumas concessões… “para não perder os dedos”. Do mesmo modo, o Estado está a serviço da classe dominante, a burguesia.

Uma sociedade verdadeiramente justa só poderá ser alcançado a partir do momento em que aqueles que hoje são explorados percebam que são maioria, que são eles quem realmente constroem essa sociedade, que as coisas não são imutáveis e que portanto, é perfeitamente possível construir uma nova sociedade, em que os homens sejam iguais.

Concluímos, assim, que só a realização de processos mobilizatórios poderá levar a avanços reais para a classe trabalhadora. Não temos ilusões, portanto, de que a disputa eleitoral ou qualquer outra via que não tenha como protagonista a classe trabalhadora em luta seja a via revolucionária.

O PSTU tem a ambição de ajudar a classe trabalhadora a mudar o mundo, e diante desse objetivo, procura se organizar da forma que acredita poder potencializar suas ações. Caracterizamos que após a queda do muro de Berlim surgiram muitos questionamentos se o proletariado seria realmente o principal agente revolucionário, o chamado “sujeito histórico”. No entanto, acreditamos que somente o proletariado será capaz de dirigir a revolução, pelo fato de estar no centro da produção e sentir de forma mais aguda o processo de opressão de classe que perpassa nossa sociedade.

Para alcançar a tomada do poder, o partido se organiza, de forma centralizada, o que diferentemente das recorrentes deturpações resultado das experiências stalinistas, não é sinônimo de “robotização” dos militantes, da perda da possibilidade de discordar da política do partido. Pelo contrário, os militantes têm amplos e regulares espaços de debate, onde exercem livremente o direito de discordar e propor, ajudando assim ativamente na definição das políticas que implementará. O que fazemos é, depois de muitos debates, nos quais há reais condições – através de processos de formação – para que todos se coloquem, votar as propostas feitas e de acordo com o resultado da votação, aplicar coletivamente a política.

É importante perceber que, a partir disso, os acúmulos e decisões coletivas superam as opiniões individuais, que muitas vezes, podem se sobressair a depender da habilidade e alcance da mídia daquele que se coloca. Desse modo, nossas figuras-públicas atuam defendendo o que o conjunto do partido decidiu.

Além disso tudo, para construir uma nova sociedade, sabemos que não é preciso mudar apenas as relações de produção… mas também as relações entre os homens fazendo, um debate cotidiano sobre o tema das opressões. Sim, o PSTU constrói esse debate! Se é através da exploração que o capitalismo se constrói, é através da opressão que ele se fortalece. A partir das Secretarias de Mulheres, Negr@s e LGBT, procuramos fortalecer esse debate, sempre numa perspectiva de classe.

Possibilidade de militância além do ME
Percebemos claramente que de um modo geral, atualmente, a experiência de ME não permite às pessoas visualizar um futuro militante (quando se pensa sobre o futuro!). Depois da formatura… cadê o CA/DA? O ME geral? A executiva de curso? Quantos já voltaram pra casa, deixaram o ideal revolucionário de lado? Quantos o farão ainda?

É por essas pessoas que iniciamos esta carta com nosso histórico no ME, mas gostaríamos de encerrar com nossas perspectivas futuras.

Decidimos entrar para o PSTU não porque temos total concordância com tudo que lhe diz respeito, mas porque, ao conhecê-lo mais profundamente, percebemos que as divergências que temos/tínhamos ou eram fruto de uma imagem infundada ou lado poderiam ser disputadas por dentro, mas que em suma, eram consideravelmente inferiores às nossa concordâncias com a forma de organização e principalmente com o programa do PSTU.

É com muita felicidade que dizemos que o partido nos proporcionou clareza do papel que podemos/queremos cumprir no ME, mas, principalmente, em espaços que vão muito além do ME. Através da construção do PSTU, uma organização séria e comprometida com o ideal da revolução socialista, acreditamos ser sim possível contribuirmos da forma mais acertada para a construção de outra sociedade.

Fica aqui o sincero convite para que todos estejam abertos a conhecer melhor o PSTU.

Saudações revolucionárias!

Juliana Vieira Mota
Maria das Graças T.P.C.M. de Matos (Gracinha)

“Do rio que tudo arrasta,
se diz que é violento.
Mas ninguém diz
violentas as margens que o comprimem”.

(Bertold Brecht)