Estudante viajou de São Carlos (SP) para participar dos atos contra o leilão. Foi preso 3 minutos após desembarcar. Veja o relato sobre a prisão e os protestos de 1998Era a segunda ou terceira manifestação que eu participava em minha vida. Acho também que foi a primeira vez que fui àquela cidade. Foi em 1998 e era um dia de clima instável no Rio de Janeiro. O motivo da caravana da Universidade Federal de São Carlos: somar-se ao ato que buscava impedir a privatização da empresa estatal de telecomunicações, a Telebrás.

Naquele dia tínhamos uma missão muito difícil, pois, apesar de ser uma manifestação bastante forte, carregávamos uma bandeira que não era empunhada por quase ninguém além da vanguarda do movimento social organizado. Fernando Henrique possuía naquele período apoio popular para suas medidas neoliberais, promovendo verdadeira liquidação das empresas mais importantes e determinantes para um mínimo grau de soberania política para o país.

Logo que chegamos à cidade e a quilômetros da Bolsa de Valores do Rio (local do leilão de privatização da empresa) já sentíamos o clima de repressão construído para nossa manifestação. Prenúncio do que acorreria minutos depois.

Ainda com metade das pessoas descendo dos ônibus para se integrar ao ato, vimos perfilar ao nosso lado muitos destacamentos da Tropa de Choque que, batendo as botas no asfalto e os cassetetes nos escudos, começaram a marchar em direção à manifestação.

Andamos de costas para nos integrar à manifestação, porque antes de cumprimentar os demais companheiros do ato já precisávamos nos defender do cassetetes, gás pimenta e demais “utensílios de convencimento” do Estado democrático de direito.
Uma série de fatos aconteceu muito rapidamente.

Em segundos vimos os policiais derrubando as barracas do acampamento do MST que foi abrigo dos manifestantes durante a vigília na noite que precedia o leilão. A polícia, em covardia nada inédita, mas repugnante como sempre, golpeava com cassetetes de madeira as mulheres e crianças que estavam presas embaixo das lonas pretas. Simultaneamente, o caminhão de som da manifestação era guinchado pela polícia, prendendo toda a coordenação do ato que estava em cima dele.

Esse foi apenas o início do início de um confronto que durou horas no centro velho do Rio de Janeiro, nas adjacências da Rua do Ouvidor – foi buscando uma referência para evitar nossa dispersão que conheci essa famosa rua.

Quem participou daquela manifestação possui muitas descrições das ações que realizamos naquele dia durantes as horas de enfrentamento com a polícia. Esta por sua vez não queria somente acabar com a manifestação, queria humilhar sobremaneira todas as organizações e participantes daquele momento onde se vendia a preço de banana a Telebrás.

Anarco, que era estudante da universidade, com sua câmera fotográfica em punho, foi um dos primeiros estudantes que desceram do ônibus. Seu nome é Carlos Alberto Castro Monteiro, mas todos o conhecemos pelo apelido. Ele não permaneceu mais que três minutos no ato, sendo preso depois receber socos e pontapés. Qual foi o crime que Anarco cometeu? – Lutar com uma máquina fotográfica contra a privatização da Telebrás.

Anarco foi um dos dois ativistas que foram detidos de nossa delegação de São Carlos/SP. Outro companheiro também foi detido, chamado J. D., militante à época da organização O Trabalho/PT.

Esse companheiro inclusive foi preso por ter me defendido de uma ação da polícia, pois depois de ter entrado em confronto direto com alguns soldados da Choque, eu fui detido por um policial à paisana que estava dentro de nossa coluna. Não sei como (sei que foi uma combinação de medo e coragem) consegui me livrar. Esse P2 então me apontou para um dos comandantes da Choque que, por sua vez, destacou alguns “Comandos em Ação” para me prender. Desta vez, mais com medo do que com coragem, me soltei dos soldados e sai correndo. Nem Usain Bolt me alcançaria naquele dia, tamanho impulso que o medo havia me dado.

Como os policias foram atrás de mim, J. D. entrou na frente de um deles, buscando impedir o progresso dos policiais. Tamanha era a ânsia em desmontar o ato que os policiais marcaram J.D. e, depois de uns dez minutos, voltaram com uma viatura e o prenderam.

Anarco e J.D. foram detidos e depois liberados.

Na última semana, quase 11 anos depois daquela manifestação, meu camarada João Zafalão, que era o principal dirigente do DCE da UFSCar em 1998 (hoje membro da direção executiva da APEOESP pela oposição) me ligou e me informou que Anarco fora preso e encarcerado na cidade de Araraquara por julgamento do processo aberto naquela manifestação no dia da privatização da Telebrás.
Surpresa. Revolta!

O mandado de prisão foi ordenado pelo juiz Rodrigo José Meano Brito, da 14ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. A prisão de Anarco é um ataque, dentre outros muitos, aos movimentos sociais organizados. É parte de uma ação combinada entre governo e todas as suas instituições para criminalizar organizações e pessoas que dedicaram e/ou que ainda dedicam esforços para construir uma nova sociedade.

Os trabalhadores mudaram de opinião sobre as privatizações. Sabem que se entregou para multinacionais empresas fundamentais e que recebemos em troca altas tarifas e péssimos serviços. Essa mudança nos dá muito melhores condições de derrotar as privatizações.

Apesar disso, as privatizações ainda continuam. Lula, por exemplo, privatiza estrada, vende poços de petróleo e, sob a forma de “privatização branca”, entrega o controle da Petrobrás às empresas privadas.

A prisão de Anarco e a continuidade das privatizações demonstram que a luta daquela manifestação em 1998 continua sendo muito necessária. Na verdade, sua libertação é condição para avançarmos na luta contra aqueles que estruturam suas vidas sobre a destruição da natureza, sobre a opressão e o desgraçar de vidas de jovens, mulheres, negros e homossexuais, na luta contra aqueles que vivem às custas da exploração do suor da classe trabalhadora.

Solidariedade total ao companheiro Anarco!
Nenhuma prisão dos que lutam!