O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, com Bolsonaro. Foto Marcelo Camargo/ABr
Dr. Ary Blinder, médico do SUS em São Paulo (SP)

No início de dezembro ocorreu uma reunião do CONASS (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde) onde o Ministério da Saúde, em associação com a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), apresentou propostas de mudanças na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Estas propostas vêm no sentido de enfraquecer essa rede de atendimento e fortalecer uma política oposta, com ênfase nas internações psiquiátricas e nas comunidades terapêuticas. As comunidades terapêuticas, embora tenham um nome bonito, são em geral instituições administradas por igrejas, com pouca ou nenhuma atenção de profissionais especializados e ênfase na abstinência do uso de drogas, trabalho “voluntário” e pregação religiosa.

O conjunto de medidas sugeridas, descritas na revista Época, incluem revogar portarias que criaram as equipes de “Consultórios na Rua”, serviço de residências terapêuticas e “Unidades de Acolhimento”, além do projeto “De Volta para Casa”. O argumento do ministério é que tudo isso seria “serviço social”. A proposta também inclui revogar portarias de financiamento de CAPS e procedimentos ambulatoriais, e seguia propondo a revogação do programa de reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar no SUS. Por tudo isso, o conjunto de medidas está sendo chamado de “revogaço”, devido à quantidade de portarias do próprio Ministério da Saúde que terão de ser revogadas.

Para substituir a destruição provocado pelo “revogaço”, o ministério propõe a criação de ambulatórios gerais de psiquiatria e a criação de unidades especializadas em emergências psiquiátricas.

Esse conjunto de ataques, que a ABP tentou negar posteriormente (mas logo abaixo se pode ver um slide apresentado na reunião), gerou um movimento contrário a essas mudanças, constituído por profissionais da área de saúde mental, usuários da rede de atenção em saúde mental e diversos agrupamentos, que marcaram uma manifestação virtual para 16 de dezembro.

Por trás da discussão da política de saúde mental, há uma série de interesses de conteúdo variado. Há interesses econômicos da rede privada de gerir serviços psiquiátricos hospitalares bancados pelo SUS, com uma estrutura “enxuta” de profissionais. Há interesse também econômico das igrejas em relação ao financiamento das comunidades terapêuticas. Há interesses políticos no sentido mais paroquial da palavra (vereadores e deputados ajudando as famílias arrumando lugar para deixar seus pacientes). Há interesses ideológicos, tanto no trato com o “diferente” (o “louco”) como no trato com os usuários de álcool e outras drogas. A defesa da abstinência total do uso de drogas e a política de “guerra às drogas” são um alicerce da visão direitista tosca do mundo. Por fim, não se pode esquecer outro interesse econômico importante, que tem a ver com a necessidade de esvaziar as cidades de suas cracolândias para revalorização imobiliária.

Em nenhum momento se pode esquecer a serviço do que está o Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. É o homem que diz sim a toda política negacionista e genocida de Bolsonaro na questão da Covid-19. Apresentado como um expert em logística, foi incapaz de apresentar até agora um plano nacional de vacinação para a Covid-19 e boicota sempre que pode as medidas protetivas de isolamento social, que podem retardar em muito a propagação do vírus.

Nesse sentido, tomamos para nós a bandeira da defesa das conquistas da reforma psiquiátrica, sempre alertando que ela nunca foi aplicada a fundo no Brasil devido a limitações orçamentárias, inclusive durante os governos de frente popular. Defendemos também que o movimento em defesa da rede de atenção psicossocial se abra mais ao diálogo com os familiares de portadores de transtornos mentais, pois muitas vezes eles acabam se transformando em massa de manobra de políticos conservadores que falam em “internação” como solução mágica para os problemas dessas famílias. Importante também estar mais abertos a outras possibilidades de organização da rede, pois o atendimento e suporte em saúde mental permite uma multiplicidade de formas e soluções.

  • Não ao retrocesso no atendimento à saúde mental! Contra a revogação das portarias propostas pelo Ministério da Saúde!
  • Contra uma visão de saúde mental hierarquizada pelo serviço hospitalar!
  • Em defesa de uma rede de atenção psicossocial com múltiplas formas de intervenção e relacionada ao território dos usuários!
  • Contra as comunidades terapêuticas e o incentivo à ação de igrejas na saúde!
  • Mais verbas para a saúde e para a saúde mental, priorizando a manutenção dos usuários em seus territórios! Fortalecimento dos Caps!

Ary é médico psiquiatra do SUS e militante do PSTU