Charge do cartunista Latuff em apoio à ocupação
Jefferson Mendes, de São Paulo (SP)

Famílias ameaçadas de despejo prometem resistir e exigem intervenção do governo FederalA sede de São Paulo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está ocupada desde a última terça-feira, 15 de janeiro. O prédio de oito andares é neste momento o espaço de organização, resistência e luta das 68 famílias que correm risco de serem retiradas das terras em que vivem e produzem desde 2004 em Americana, no interior do estado. As famílias têm até o dia 24 de janeiro para deixar suas casas.

De um lado…
São 68 famílias que, desde 2004, trabalham na terra, plantando e colhendo frutas, verduras e hortaliças de qualidade, que são distribuídas para 33 entidades e alimentam em torno de 12 mil famílias. São vendidas nas feiras e valeram a indicação da Empresa Brasileira de Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao prêmio de Assentamento Modelo, em função de toda produção ser feita sem agrotóxicos.

Berinjela, abóbora, beterraba, coentro, alface, cenoura, salsinha, cebolinha, mandioca, repolho, couve, tudo plantado e colhido lá. Agricultura familiar, que inclui uma horta coletiva e permitiu até hoje que essas famílias fincassem naquele chão suas raízes e construíssem seus sonhos e histórias, em um assentamento cujo nome é homenagem ao geógrafo negro que dedicou boa parte de usa obra à defesa da reforma Agrária e à denúncia das mazelas do mundo neoliberal.

…e do outro
Estão os Abadllas, uma família milionária. Envolvida até o pescoço em uma infinidade de escândalos de corrupção, que incluem o pagamento da maior indenização por desapropriação de terras de que se tem notícia no Brasil: R$ 1,7 bilhões pagos por 16 mil metros quadrados onde hoje se localiza o Parque Villa Lobos em São Paulo.

Toda a história é típica de uma transação altamente questionada, já que o governo do estado e a prefeitura pagaram juros altíssimos para parcelas rigorosamente em dia, acrescentando ao valor a ser pago algo em torno de R$ 300 milhões dos cofres públicos. Ou seja, aqueles que ameaçam as terras do Milton Santos são industriais, banqueiros e latifundiários; acusados de sonegação, grilagem de terras, crimes ecológicos e uma longa lista de outros crimes.

Um dos acionistas do grupo, Antônio João Abdalla Filho — o Toninho Abdalla – é proprietário de um jato luxuoso, avaliado em R$ 90 milhões, comprado apenas porque o sujeito, que já tinha outros dois aviões, não queria mais fazer escalas ao viajar pelo mundo. Além dele, no Brasil, somente a família Marinho, a Vale e o bispo Edir Macedo possuem aeronaves semelhantes.

As terras que a família Abdalla reclama, agora, foram confiscadas em 1976 e entregues pela União ao INSS, como forma de saudar dívidas trabalhistas. Em 1996, a família Abdalla entrou com um recurso, alegando que o valor das terras era superior ao de suas dívidas. O recurso foi acatado, mas o grupo Abdalla não regulamentou a posse em cartório. Caso tivessem feito isso, as terras, inclusive, poderiam ter sido confiscadas novamente, para pagamento de outras dívidas do Grupo Abdalla com o Estado ou a União.

Terra pra quem?
As terras chegaram a ser arrendadas para uma usina de cana-de-açúcar, mas estavam vazias e, em sua matrícula, ainda constavam como terras da União quando, em 2004, foram ocupadas pelas famílias que construíram ali suas casas e começaram a produzir uma diversidade de gêneros alimentícios.

O assentamento foi homologado no INCRA, recebeu incrementos que se somaram aos esforços das famílias, mas, em meados de 2012, o Grupo Abdalla reclamou a posse das terras, e foi beneficiado por uma decisão judicial. Depois de vários trancamentos de rodovias, manifestações e batalhas jurídicas, as ameaças de despejo continuaram, cada vez mais sérias e preocupantes. A execução da ordem de reintegração de posse tem data marcada: o prazo termina no dia 24 e a ordem pode ser cumprida a qualquer momento a partir do dia 30 deste mês.

Milton Santos: Resistência e luta!
Neste último dia 16, foi realizada na ocupação no prédio do INCRA, uma plenária de apoiadores que reuniu representantes de mais de 35 entidades. Manifestações de apoio chegaram de vários lugares do Brasil e do mundo. Movimentos, partidos de esquerda, parlamentares, grupos de teatro, de música, organizações do movimento estudantil e sindical, estão somando apoio à luta das famílias aguerridas do Milton Santos.

A Central Sindical e Popular – Coordenação Nacional de Lutas (CSP-Conlutas) também faz parte desta rede de solidariedade, fazendo-se presente na ocupação do INCRA através de militantes de entidades a ela filiadas, como a Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (Anel), o Luta Popular, o Quilombo Raça e Classe e vários sindicatos, como o dos trabalhadores dos serviços Federais, Sindsef (que inclui os trabalhadores do prédio que foi ocupado) e da Previdência (Sinsprev). Na plenária do dia 16, o PSTU levou sua solidariedade através de Ana Luiza, dirigente dos trabalhadores do Judiciário e candidata à prefeitura nas últimas eleições. Também estiveram presentes parlamentares do PSOL e Adriano Diogo, do PT.

No dia 17, uma comissão composta por representantes do INCRA e do governo federal compareceu a uma audiência na ocupação. Foram colocados contra a parede: ninguém engana mais os trabalhadores do Milton Santos. Uma assentada levantou-se e, com o dedo em riste, deixou bem claro que a responsabilidade por aquilo que possa acontecer ao assentamento é do Governo Federal.

Outro trabalhador e morador do Milton Santos, disse que os assentados estão com a corda no pescoço e a responsabilidade é do governo e do mesmo partido, o PT, que ele próprio havia ajudado a construir, catando latinhas para ajudar nas campanhas financeiras.

No mesmo dia, uma comitiva de militantes e assentados foi enviada a um show do rapper Emicida. O rapper, que também já se colocou ao lado da luta dos moradores do Pinheirinho e contra outras remoções e despejos (chegando a ser detido em Minas por cantar a música “Dedo na ferida”, que denuncia os ataques aos lutadores por moradia, terra e trabalho) parou o show, pegou o cartaz que havia sido levado pelos assentados e declarou que está ao lado desta luta, ainda que isso signifique ser preso novamente. Os trabalhadores em luta do assentamento Milton Santos foram aplaudidos de pé.

No dia 22, uma comissão do assentamento será enviada ao ato em São José dos Campos que marca um ano do crime do Pinheirinho. Uma demonstração da solidariedade e unidade na luta que têm sido marcas dos trabalhadores do Milton Santos.

Até o fim!
No auge da ditadura militar, os trabalhadores da Fábrica de Cimento Portland Perus se insurgiram contra a família Abdalla e enfrentaram o governo, fazendo uma greve de sete anos. Por causa de sua persistência e métodos de luta, estes trabalhadores ficaram conhecidos como Queixadas.

Queixadas são uma espécie de porcos-do-mato, que em geral não são agressivos, mas quando percebem o perigo, agrupam-se imediatamente em fortes manadas, resistindo juntos a predadores ou agressores. A luta dos Queixadas foi diretamente responsável por vitórias em salários e direitos, como a regulamentação do salário família e a legalidade das greves por atraso de pagamentos.

A família Abdalla, dessa vez sob um governo do PT de Dilma, quer enfrentar mais uma vez trabalhadores obstinados, que se organizam como Queixadas, e têm ao seu lado o apoio dos setores mais combativos dos trabalhadores.

A escolha de Dilma
De um lado, trabalhadores pobres; do outro, picaretas milionários. De um lado, a agricultura famiiar; do outro, o agronegócio. De um lado, produção de alimentos diversificados; do outro, a monocultura de cana-de-açúcar. De que lado Dilma ficará?

Lamentavelmente, até agora, Dilma tem respondido da pior forma a esta pergunta, já que conseguiu a proeza, desde o início de seu governo, de desapropriar para a reforma agrária menos que Collor. Agora, contudo, ela poderia (e deveria) assinar o decreto que desapropria as terras da Fazenda Boa Vista para que cumpram sua função social, ao invés de servirem para a especulação e o agronegócio. Mas, sabemos, isto só acontecerá com muita pressão, resistência e luta!

Apóie a ocupação!
Os trabalhadores que estão na ocupação do INCRA (que fica na Rua Brasília Machado, 203, no bairro de Santa Cecília, próximo ao metrô Marechal Deodoro) resistindo heroicamente precisam de todo o apoio que possa ser dado. Têm garantido uma cozinha comunitária com alimentos que foram produzidos por eles mesmos. Na ocupação acontecem oficinas de vídeo, teatro, Hip Hop, no meio de uma incansável disposição de luta.

Mas você pode contribuir enviando recursos financeiros e materiais, moções de apoio, divulgando a luta do assentamento, ou mesmo somando-se às atividades da ocupação, participando ou ajudando a organizar oficinas ou atividades cotidianas. A luta do Assentamento Milton Santos irá até o fim!

Somos todos Milton Santos!