Seus nomes são Neusa, Iago, Helder ou simplesmente as conhecemos por iniciais, como P., D. ou A.. De idades e origem distintas, todos eles, no entanto, tiveram uma coisa em comum: foram vítimas de opressão no interior das escolas ou, pior, em função dela, hoje, já não frequentam mais o ambiente escolar.

Iago, lamentavelmente, é o exemplo mais trágico. Em maio de 2009, o jovem pôs fim à própria vida, aos 14 anos, por não agüentar mais ser surrado, humilhado e ofendido na escola e no bairro que morava, na periferia de São Paulo.

Helder, de 25 anos, teve sua vida radicalmente modificada ao ser obrigado a abandonar o curso que fazia na Unipampa, no Rio Grande do Sul, e a cidade onde morava (Jaguarão), depois de uma série de ataques racistas e, pior, da ameaça de morte, por parte dos policiais da cidade.

Neusa, professora Escola Municipal Benedito Calixto, em São Paulo, encarou dois anos de luta e processos até conseguir uma punição (bastante branda, leia abaixo) para a diretora de sua escola, Francisca Silvana Teixeira, que, em 2009, usou a seguinte frase para chamá-la em sua sala: “vem aqui assinar o documento, sua macaca”.
P., D. e A. podem ser as iniciais de qualquer uma das jovens mulheres que, nos últimos dois anos, foram agredidas e estupradas no interior de campus universitários tão distintos como os da USP, da Unicamp ou da Federal do Acre.

Muitos nomes, uma mesma realidade
Muitos são os “nomes” dados as situações mencionadas. Alguns falam em insulto, intimidação, humilhação, violência psicológica ou física. Outros, seguindo uma tendência internacional, falam em “bullying” – um termo derivado de “bully” (valentão, em inglês), que tem sido usado para designar agressões ou intimidações, principalmente no interior das escolas.

O fato é que todas as situações mencionadas são expressões de uma velha e nefasta conhecida de mulheres, negros e da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis): a opressão. Ou seja, são exemplos de mecanismos de marginalização, exclusão e discriminação que se voltam, invariavelmente, contra pessoas que não se enquadram no setor social que, há séculos, detém o poder econômico e político na sociedade capitalista: homens, brancos, heterossexuais.
Mecanismos e práticas que, segundo uma pesquisa divulgada, em outubro de 2008, pela ONG Internacional Plan, estão infestando as escolas. Nada menos do que 70% dos 12 mil estudantes pesquisados, em seis estados, afirmaram terem sido vítimas algum tipo de violência escolar, a maioria delas relacionadas ao fato de serem vistos como “diferentes”.

Com opressão, não há educação viável
Não foi o capitalismo que “inventou” a opressão, mas foi com o surgimento da propriedade privada e sua apropriação por um punhado de “senhores”, que práticas e discursos que visam diminuir, desqualificar, excluir ou, no limite, eliminar os “diferentes” se tornaram formas bastante eficientes para “justificar” a superexploração destes setores.

Como nos dizia um professor de Guarulhos: “As opressões, o machismo, o racismo e a homofobia, são pilares de sustentação do capitalismo, pois, servem, exclusivamente, como instrumentos eficazes para dividir a classe trabalhadora e nos enfraquecer na luta contra a exploração”.

E é exatamente neste sentido, que a escola foi transformada em espaço para a opressão: “A sociedade necessita ‘educar’ as pessoas para aceitar pacificamente sua condição de explorado. E para tal, as ideologias criadas e transmitidas pelos meios de comunicação, pela Igreja e também pela escola são fundamentais; uma realidade particularmente terrível no ambiente escolar, uma vez que este, ao ser controlado e ter seu funcionamento e produção voltados para os interesses da classe dominante, está impregnado, nos mais diferentes níveis, pela ideologia discriminatória dominante”.

Exemplos desta cruel realidade não faltam e seus efeitos sobre a vida escolar, particularmente dos alunos, são dos mais diversos, como destacou Salomão Ximenes, coordenador do programa “Ação na Justiça”, na Folha de S. Paulo:
Lembrando que “a alta evasão é a mais evidente representação do caráter seletivo e excludente de nosso sistema educacional”, Ximenes destacou que, “longe de indicar problemas individuais dos estudantes e das famílias”, estes números revelam o descompasso entre “o sistema educacional e o direito humano à educação, entendido como aprender em condições de igualdade e com dignidade”, coisas que não são garantidas não só devido a superlotação das salas, a precarização das condições de trabalho, a falta de verbas, mas, também, pela “falta de estratégias de combate à violência, ao preconceito, ao racismo e à homofobia”.

Racismo: saber distorcido, desempenho afetado
No caso de negros e negras, muitos sequer chegam a ingressar no sistema. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD), em 2009, das 530 mil crianças e adolescentes de 7 a 14 anos que estavam fora da escola, 330 mil eram negras e 190 mil são brancas.

Além disso, também é entre os negros que encontramos os maiores índices de reprovação e de evasão. E, enquanto o analfabetismo, em termos nacionais, chega aos 10%, na população negra o índice chega até 40%. Já nas universidades, a situação beira a catástrofe, fazendo com que esta parcela, que corresponde a mais de metade da população, não corresponda a sequer 3% dos estudantes universitários.
Já no interior das escolas, o racismo também é uma constante. Por exemplo, uma pesquisa realizada com cerca de 10 mil alunos de escolas públicas do Distrito Federal, no primeiro semestre de 2010, pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla), revelou que mais da metade (55,7%) dos alunos admite ter visto situações de discriminação racial no colégio.

Caso cumprisse minimamente seu papel, a escola deveria ser um local privilegiado para discutir práticas e mecanismos para reverter esta situação. Contudo, o que ocorre é exatamente oposto. Da mesma forma que são “expulsos” das escolas, negros e negras há muito sabem que sua história e cultura foram jogadas para as margens e notas de rodapé dos livros didáticos e matérias acadêmicos.

Foi com o objetivo de reverter esta situação que, por décadas, o movimento negro lutou pela inclusão de temas como história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. E, como se sabe, esta foi a primeiríssima lei sancionada, em janeiro de 2003, pelo recém empossado presidente Lula.

Contudo, assim como todas as demais “promessas” feitas pelo Lulismo no campo social, e particularmente na Educação, esta medida também caiu no vazio criado pela falta de investimentos (para formação de professores e criação de cursos, por exemplo) e, também, de “vontade política” por parte de governos cada vez mais comprometidos com os interesses da velha elite racista deste país.

O movimento conquistou as cotas, uma reivindicação histórica, que têm sido implementadas de forma ultra tímida.

Educação, substantivo feminino?
Nas séries iniciais, do Ensino Fundamental, as mulheres formam uma maioria, de cerca de 90%. Na medida em que os anos avançam, o número de mulheres vai caindo gradativamente, chegando a uma inversão no Ensino Superior, onde os homens são majoritários.

Há muito as escolas deixaram de ser um “ambiente seguro” para as mulheres. Os sucessivos casos de estupro, no interior de escolas e universidades, são apenas a ponta mais mal-cheirosa de um “iceberg” formado pelas formas mais asquerosas de assédio e violência sexual e psicológica.

No cotidiano da escola, a situação relatada por várias companheiras beira a barbárie. “Educadores” deformados pela ideologia dominante fazem piadas em sala e não se avexam em assediar alunas; diretores tratam mulheres como suas “serviçais”, “autoridades” as achincalham publicamente. E, geralmente, denúncias são abafadas ou caem no mais completo vazio.

Enquanto isto, da mesma forma que atua em relação a todo o resto, o governo faz propaganda de seu compromisso com o combate ao machismo, tendo como principal bandeira, neste caso, a Lei Maria da Penha que prevê, por exemplo, a adoção de disciplinas escolares sobre gênero e direitos humanos nas escolas de ensino fundamental. Algo que, como todos sabem, sequer saiu do campo das intenções.

Homofobia deseduca e mata
O caso de Iago, citado no início desta matéria, está longe de ser algo isolado ou restrito ao Brasil. Em setembro de 2004, Jokin Zeberio, um espanhol, exatamente com a mesma idade do brasileiro, se atirou com sua bicicleta em um penhasco deixando para traz uma carta onde se lia: “Livre, livre. Meus olhos seguirão ainda que meus pés parem”.

Assim como inúmeras outras, as trágicas histórias destes jovens homossexuais começaram no interior das escolas. Todos eles denunciaram as piadas e xingamentos, procuraram proteção contra as agressões físicas e psicológicas e, invariavelmente, entraram em depressão em função do inferno em que suas jovens vidas foram transformadas.

Um “inferno” que, infelizmente, faz parte do cotidiano de milhões de jovens, país afora. Uma pesquisa revelou que 28% dos brasileiros admitem ter preconceito contra homossexuais; 58% consideram a homossexualidade um pecado contra as leis de Deus e que 29% a apontam como uma doença a ser tratada.

Particularmente no que se refere ao ambiente escolar, a situação é ainda pior. Entre os garotos, na faixa entre 16 e 17 anos (ou seja, no ensino médio), encontra-se um dos maiores índices do que admitem ter preconceito contra gays, lésbicas, travestis: nada menos do que 47% dos entrevistados.

E, também neste caso, a escola está longe de ser o local onde esta situação possa ser discutida e revertida. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo também revelou que a maioria (59,5%) dos professores entrevistados admitiu não ter informação suficiente para lidar com a questão da homossexualidade, o que faz com que prefiram “não tratar da questão em sala”.

O resultado, também, não poderia ser outro. A recente onda de ataques homofóbicos, muitos deles feitos por jovens estudantes de classe média, trouxe a público algo há muito conhecido por LGBT’s no interior da escola. Entrevistas realizadas, pela Perseu Abramo, com 413 homossexuais ou bissexuais (com mais de 18 anos e também em todas as regiões brasileiras), revelaram a escola como um dos locais onde eles mais sofreram discriminação: 27% deles sofreram preconceito no ambiente escolar e, para 13% destes, a primeira discriminação ocorrida por causa de orientação sexual também ocorreu na escola.

O “Kit Anti-Homofobia” que, apesar de seus muitos problemas, poderia ser um instrumento para abrir este debate no interior das escolas, foi vetado por Dilma numa negociata com os setores mais conservadores do congresso, com a “bancada crist㔠à frente, para salvar um corrupto (Pallocci) e aprovar projetos que significam mais cortes para os projetos sociais.

Além disso, cabe lembrar que da mesma forma que tem se recusado a adotar políticas reais de combate à homofobia (há anos um projeto intitulado “Brasil sem homofobia” está engavetado em algum canto de Brasília), Dilma e seus aliados ainda estão dando “cobertura” aos agressores, na medida em que se recusam a votar o PLC 122, que ao criminalizar a discriminação poderia impor algum obstáculo aos homofóbicos que, também vale lembrar, elevaram o Brasil ao posto de país onde mais se mata LGBT no mundo, numa proporção de um a cada 36 horas, o que provocou a morte de cerca de 3.300 homossexuais desde 1980.

Pra começar, 10%, já! Também para combater a opressão
Conseguir 10% do PIB já para a Educação pública possibilitaria modificar a situação da Educação também para os setores oprimidos, que são os mais atingidos pelo caos atual. Conseguir acesso a creches , educação básica e universidades públicas, gratuitas e de qualidade é uma necessidade ainda mais presente para os oprimidos que são os primeiros a serem excluídos nas crises. Além disso, somente com recursos dignos é possível desenvolver programas de formação e treinamento de professores e funcionários, a publicação de materiais (livros, filmes, etc) específicos que permitam desenvolver, nas escolas, projetos educacionais e campanhas sistemáticas de denúncia e esclarecimento.

Para eliminar de vez a opressão (seja ela machista, racista ou homofóbica) do interior das escolas, precisamos construir outro sistema educacional, que só possível no socialismo. Mas, para avançar nesse sentido, é preciso lutar em duas frentes: conseguir vitórias parciais como a dos 10% do PIB já pra Educação, e incorporar desde já, professores e alunos, organizados em entidades com as que compõem a CSP-Conlutas e a Assembléia Nacional dos Estudantes-Livre (ANEL) na mobilização ativa contra o machismo, o racismo e a homofobia no interior das escolas.

Post author wilson h. da silva, da Redação
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