Quando falamos em reconstruir a IV Internacional, parece evidente a necessidade de lutar contra posições das correntes que vêm do movimento trotskista, mas abandonaram o projeto revolucionário e hoje apóiam projetos burgueses “progressistas”. É o caso da DS (Democracia Socialista), que apóia o governo Lula, e do MES, corrente do PSOL que apóia o governo Chávez.

Há um outro tipo de grupo que se diz trotskista ou marxista revolucionário e que também não ajuda a construir uma alternativa revolucionária nacional ou internacional. Ao contrário, desmoralizam aqueles que se aproximam do partido revolucionário e da IV. São as seitas.

Esse fenômeno não tem nada de novo. Lênin e Trotsky tiveram que lidar com vários tipos de seitas. Trotsky reservou um capítulo do Programa de Transição para se referir a essas correntes. No momento de formação da IV, havia um isolamento da esquerda revolucionária em relação ao povo, pelas vitórias do nazismo e do stalinismo. Por isso, muitos grupos que se aproximavam da oposição de esquerda (o grupo de Trotsky) tinham uma composição pequeno-burguesa e uma mentalidade sectária, refletindo a realidade objetiva de seu isolamento.

Hoje, após a falência do stalinismo e com os novos processos de luta, em especial na América Latina, abriu-se a possibilidade de a esquerda revolucionária criar raízes no movimento operário. Mas surgem também as seitas, com deformações graves, degenerativas.

Muitos companheiros, ao conviverem com as seitas e seu sectarismo doentio, se afastam da esquerda socialista. Por isso, para ligar-se de verdade aos trabalhadores e tentar encabeçar suas lutas, a esquerda revolucionária precisa lutar contra esses grupos que têm características dos tempos de isolamento.

O que caracteriza as seitas?
Alguns pensam que as seitas são organizações sempre com posições ultra-esquerdistas, pois muitas vezes é assim. Mas podemos encontrar várias posições políticas nelas, inclusive posições bem oportunistas. Às vezes, uma mesma seita vai de uma posição ultra a uma posição oportunista e vice-versa em pouco tempo, a depender de fatores da luta de classes e de decisões internas visando apenas sua auto-afirmação. Por exemplo, há seitas stalinistas ou trotskistas, oportunistas ou ultra-esquerdistas.

O PCO é exemplo de seita com uma política oportunista. Está até hoje na CUT, fazendo um serviço para a burocracia ao se dedicar a atacar a Conlutas. Empresta a legenda de seu partido a candidatos burgueses e corruptos nas eleições, com apego aos cargos e às migalhas dos aparatos. Uma seita cristalizada, com raízes quase nulas na sociedade, que aplica uma metodologia do “vale-tudo”, inclusive com a prática stalinista das calúnias.

Outros podem pensar que seita quer dizer “grupo pequeno”. Não é bem assim. Um grupo pequeno pode buscar ligação com as lutas das massas e contato com o movimento real dos trabalhadores.

O que define as seitas não é o tamanho da organização, mas seu propagandismo eterno, que repete sempre as mesmas fórmulas abstratas; sua marginalidade crônica pela opção de não disputar a direção do movimento operário; o fato de não se deixar interagir com o movimento real das massas e dos ativistas; e um regime interno burocraticamente deformado.

A descrição que fazia Trotsky dos sectários permanece tão atual que reproduzimos a citação:

“Incapazes de encontrar acesso às massas, as acusam de incapacidade para chegar às idéias revolucionárias. Estes profetas estéreis não vêem a necessidade de estender a ponte das reivindicações transitórias porque tampouco têm o propósito de chegar à outra ponta. Como um disco quebrado, repetem constantemente as mesmas abstrações vazias. Os acontecimentos políticos não são para eles a ocasião de se lançar à ação, senão para fazer comentários”.

O sectarismo político está sempre junto do “propagandismo”, ou seja, a agitação permanente do mesmo programa, não importa a situação concreta. A necessidade de uma política concreta para intervir na realidade concreta não existe para eles.

Exemplos políticos
Daí para o ultra-esquerdismo é um passo fácil. A LBI, por exemplo, uma seita típica, quer sempre votar propostas como greve geral. Simplesmente como manifestação de seu desejo, sem a menor preocupação com a possibilidade de realizá-la. Para eles, a defesa da greve geral a todo o momento serve para se diferenciar dos grupos majoritários e se auto-afirmar.

O movimento de massas correria riscos se alguma de suas propostas fosse aprovada. Ao propor uma tarefa que o movimento não tem condições de fazer, a derrota seria inevitável. Qualquer dirigente sindical sério sabe as conseqüências de lançar uma greve sem condições de realizá-la. As demissões dos trabalhadores e o enfraquecimento da vanguarda e dos sindicatos são inevitáveis. Com uma derrota, quem se fortaleceria seriam os patrões e os burocratas da CUT.

Isso várias vezes acontece: a ultraesquerda fortalece a direita. Como dizia Trotsky: “A prostração política do sectarismo não faz mais que seguir como uma sombra à prostração do oportunismo, sem abrir perspectivas revolucionárias. Na política prática, os sectários se unem a cada passo aos oportunistas, sobretudo aos centristas, para lutar contra o marxismo”.

Outro exemplo de seita, a LER, tem como um de seus eixos políticos polemizar com o apoio da Conlutas às greves na polícia. Para eles, apoiar uma greve é apoiar a polícia. A afirmação de Trotsky de que os sectários “não vêem a necessidade de estender a ponte das reivindicações transitórias porque tampouco têm o propósito de chegar à outra ponta” se aplica aqui.

Não existe revolução vitoriosa sem crise e divisão das forças armadas. A superioridade militar na burguesia enquanto essas forças estiverem inteiras é uma garantia contra qualquer revolução. As greves nesse setor expressam crise muito importante, por enfraquecer a hierarquia militar e facilitar sua divisão. O apoio a uma greve é parte dessa compreensão.

É tão claro o conflito dessas posições com a herança do marxismo revolucionário que a LER para se cobrir, tenta dizer que a polícia não faz parte das Forças Armadas.

Trata-se de uma maneira típica das seitas para fazer uma discussão, escapando de uma análise séria dos fatos para manter sua posição. As PMs no Brasil têm um efetivo de 415 mil soldados, bem maior que os 288 mil das Forças Armadas. Além disso, seus soldados têm o mesmo tipo de origem popular das bases das forças armadas e são usados cotidianamente na repressão às greves. Pensar em uma revolução no Brasil sem uma crise e divisão também nas polícias é não pensar a revolução.
Os sectários, como não querem na realidade chegar até a “outra ponta”, ou seja, à revolução, não se preocupam com a divisão das forças armadas.

O horror às frentes
Outra característica das seitas é a dificuldade em aceitar a frente única ou a unidade de ação. Se há uma plataforma de lutas comum entre duas organizações do movimento operário, o sectário sempre vai priorizar a denúncia e as limitações dos acordos, mesmo quando eles permitem ações de massas em campanhas conjuntas.

Por isso, grupos como a LBI recusam sempre qualquer tática de unidade de ação, seja com a Intersindical ou com outros grupos. São contra as frentes únicas e acusam qualquer chamado da Conlutas à Intersindical de “capitulação”. Para eles, o prioritário não é a ação dos trabalhadores, mas sua auto-afirmação.

O funcionamento burocrático
Trotsky caracterizou outra particularidade das seitas: “Os sectários, do mesmo modo que os magos, ao serem constantemente desmentidos pela realidade, vivem em estado de contínua irritação, se lamentam incessantemente do ‘regime’ e dos ‘métodos’ e se dedicam a mesquinhas intrigas. Dentro de seu próprio círculo, estes senhores exercem um regime despótico (…). Para o marxista, a discussão é uma arma importante, mas funcional da luta de classes. Para o sectário, a discussão é um fim em si mesmo. (…) É como um homem que sacia sua sede com água salgada: quanto mais bebe, mais aumenta sua sede. Por isso, sua irritação constante. (…) Em lugar de dedicar-se a analisar a realidade, o sectário dedica-se a intrigas, rumores e histeria”.

As seitas passam o tempo todo gritando por “democracia” e consideram qualquer regulamento antidemocrático. Como na maioria das vezes estão em minoria, acham que são pequenas porque falta tempo para suas intervenções, e não porque tem propostas erradas. Não respeitam a democracia operária e a maioria dos delegados que não concordam com eles.

As seitas são organizações centralizadas burocraticamente, que sempre reclamam da democracia nas outras organizações, mas não aceitam qualquer crítica, pois se consideram “infalíveis”. É extremamente difícil que corrijam seu rumo, pois consideram qualquer diferença uma traição que merece ser varrida da organização. Esse centralismo burocrático é em geral acompanhado de um culto a um pequeno grupo ou mesmo a um dirigente, que é o centro da infalibilidade. Essa estrutura faz com que sejam incapazes de corrigir as políticas equivocadas.

A degeneração moral
Algumas seitas, não todas, degeneram também no sentido moral. E, assim, causam um estrago muito maior que suas posições políticas.

O movimento operário, como qualquer setor social, tem sua própria moral. A burguesia busca impor sua moral ultra-individualista, o “vale-tudo” para subir na vida. A moral do movimento operário é resultado de suas mobilizações, que despertam a necessidade do coletivo, da solidariedade.

Acatar a disciplina dos trabalhadores em uma luta, ajudar os companheiros atingidos pela patronal. Estabelecer relações entre os ativistas e também entre as organizações operárias, com lealdade, honestidade, fraternidade e franqueza. Não usar a violência para resolver diferenças políticas dentro da própria classe. Não usar calúnias para combater adversários políticos.

Essas normas de moral operária surgem da própria luta. Algumas seitas, não todas, degeneram também no terreno moral. Utilizam a mesma prática do stalinismo e da burocracia: a calúnia.

O PCO e a LBI, por exemplo, usam sistematicamente as calúnias. Eles são capazes de mentir conscientemente para atacar um adversário político. Para usar exemplos recentes, o PCO afirmou que o protesto do 1º de Maio classista na Praça da Sé, uma alternativa aos atos da CUT e da Força Sindical, era um “ato eleitoral”. A LBI afirma que a Conlutas é uma “correia de transmissão da política dos para-governistas, apoiadores críticos do governo Lula”.

O Programa de Transição afirma: “Bons são os métodos que elevam a consciência de classe dos operários, a confiança em suas forças e seu espírito de sacrifício na luta. (…) Inadmissíveis são os métodos que inspiram o medo ou a docilidade dos oprimidos contra os opressores, que afogam o espírito de rebeldia e de protesto, os que substituem a vontade das massas pela dos chefes, a persuasão pela coação e a análise da realidade pela demagogia e a falsificação”.

Como se sabe, o stalinismo foi o responsável pela introdução das calúnias para atacar seus adversários. Os processos de Moscou foram a maior expressão disso, quando os dirigentes da revolução de 1917 foram julgados como aliados do imperialismo e sabotadores da URSS.

As discussões e polêmicas políticas são inevitáveis e podem fortalecer o movimento operário. Para isso, é necessário que tenham a metodologia operária, baseada na clareza e na seriedade.

A auto-proclamação
Outra característica das seitas é a auto-proclamação. As organizações sectárias acham que são a solução pronta e acabada para a direção revolucionária. Nos setores que vêm do trotskismo, vários dizem já ser a IV Internacional, mesmo sem ter nenhuma expressão, ou um projeto real de internacional. O Partido Obrero argentino (ligado ao PCO) e o PT da França fundado por Lambert (no Brasil corresponde a O Trabalho) dizem ser a IV reconstruída.

Desde sua fundação, a LIT nega a auto-proclamação. Apesar de ser a organização mais importante que funciona hoje como embrião de internacional revolucionária, temos consciência de nossas limitações. Sabendo de nossos limites, nossa ambição e nosso projeto é a reconstrução da IV Internacional com partidos que disputem a direção das lutas, que se liguem às massas. Não temos nada ver com as seitas e não vemos nenhum futuro em associar-nos a elas.

Post author Joseph Weil, da revista Marxismo Vivo
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