Cecília Toledo, autora do livro “Mulheres: o Gênero nos une, e a classe nos divide”, participou de um debate na Inglaterra sobre o 8 de março. Leia abaixo o artigo que a pesquisadora escreveu para a discussãoHoje, a revolução árabe mostra ao mundo a situação terrível deixada pelo imperialismo nos países que explora e oprime. Mostra ainda a força do povo e sua disposição para lutar por melhores condições de vida, por uma vida melhor para si e para sua família. Mostra também que a opressão secular que pesa sobre as mulheres trabalhadoras e pobres não as aplasta, não tem o poder de calar as mulheres, de fazê-las seres totalmente submissos e dominados, como são os planos do imperialismo. A revolta permanece interna nas mulheres, sob os veus, enquanto não explode uma situação propícia para que salte para fora.

No mundo árabe hoje a situação revolucionária está mudando as mulheres, porque as estão possibilitando ver o mundo com outros olhos, ver que não são seres sem vontade, sem paixão, sem raiva. Que não são seres incapazes de lutar por seus direitos com tanta força quanto um homem. E que podem ter nos homens pobres e trabalhadores grandes aliados e companheiros de lutas e armas.

São lições importantes para as mulheres de todo o mundo colonial e semicolonial, aonde a vida do povo trabalhador, em especial das mulheres, fica cada dia pior. A fome, a violência e a violação dos direitos humanos, estão destruindo vilas inteiras e tornando a opressão das mulheres algo já insuportável.

Números que assustam
Na América Latina hoje 800 milhões de pessoas vão dormir com fome todos os dias e a cada hora morrem 1.200 crianças por desnutrição e enfermidades infecciosas. No Brasil, que se orgulha de dizer que é a oitava economia do mundo, o Ministério da Saúde estima que ocorram 1 milhão de abortos clandestinos todos os anos. E cerca de 200 mil mulheres por ano são internadas nos hospitais devido a complições por abortos de risco.

Outro problema grave para as mulheres é a violência doméstica, que já se transformou no principal problema das mulheres latino-americanas. 25% delas sofreram já algum tipo de violência em casa. No Brasil, a cada 4 minutos uma mulher é agredida em sua própria casa. 70% das agressões ocorrem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro.

Mais de 40% das agressões resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramento, queimaduras, espancamento e estrangulamentos. Isso faz com que um de cada 5 dias de trabalho perdido pelas mulheres seja devido a algum problema de saúde causado pela violência. Relatório da Unicef mostra que há uma relação direta entre situação econômica da mulher e a violência. As que ganham menos, sofrem mais. As que não tem renda própria são as maiores vítimas.

Garantem a comida e a riqueza
Apear de tudo, as mulheres são hoje a metade da força de trabalho em toda a América Latina, no campo e na cidade. Grande parte da riqueza que a burguesia e a imperialismo tomam do país e enchem seus cofrem saem dos braços das mulheres. Elas ocupam os piores postos, com a metade do salário do homem, trabalhos desqualificados, insalubres, que prejudicam sua saúde. Quando conseguem emprego, recebem salários inferiores aos dos homens, porque seu salário continua sendo visto como complementar ao do homem. Ocupam os trabalhos mais duros, repetitivos, que não exigem formação. São os trabalhos precários, instáveis, de tempo parcial.

Mas ainda assim, elas são responsáveis por 60% do trabalho que sustenta as famílias, colhem de 60% a 80% do alimento no campo e são provedoras quase exclusivas da assistência às crianças, aos doentes e idosos.

Sofrem o assédio sexual e moral e são tratadas pelos meios de comunicação como um produto sexual a ser vendido no mercado. Banalizam o sexo, reafirmando o papel subalterno da mulher na sociedade. Tudo isso se duplica quando a mulher é negra ou imigrante.

É claro o problema de classe na opressão e superexploração das mulheres, porque as mulheres burguesas não sofrem a exploração e podem mais facilmente superar os elementos de opressão graças a sua condição econômica. Isso cria um abismo entre as mulheres trabalhadoras e pobres por um lado, e as mulheres das classes privilegiadas, por outro, e faz com que a luta pela emancipação seja um terreno da classe trabalhadora.

O papel do PT e Lula
Nos anos 70 e 80 as mulheres trabalhadoras no campo e na cidade lutaram muito para melhorar sua condição de vida. Tiveram grandes conquistas, como os direitos trabalhistas, licença-maternidade e melhores salários, bem como o direito a se organizar em sindicatos e associações.

Com suas lutas, elas participaram ativamente da construção do PT e da CUT, contra a ditadura militar, e por liberdades democráticas. Pois nem bem o PT chegou ao governo começou a trair as lutas da classe trabalhadora e as mulheres foram perdendo suas conquistas.

Hoje os berçários, algo muito importante para as mulheres que trabalham, já não são obrigatórios nas empresas. A patronal põe se quiser, e como é um custo a mais para ela, não o faz, e o governo não fiscaliza.

A maioria da classe trabalhadora vive em favelas ou bairros muito pobres, com casas precárias, sem rede de esgoto ou água encanada. Isso para as mulheres é um peso a mais nas tarefas domésticas. Há um processo escondido de privatização, que distancia os trabalhadores da educação. Ao mesmo tempo, o desemprego e a redução das oportunidades no mercado de trabalho exigem melhor qualificação do trabalhador.

O goveno do PT, que conta com grande apoio pelas ilusões da classe trabalhadora em Lula e agora em Dilma, faz políticas compensatórias, e não medidas estruturais, que implicariam em expropriar as grandes fortunas, atacar o capital financeiro e tirar a terra dos grandes latifundiários para que a gente possa trabalhar, produzir e ter uma vida melhor.

Porgrama como o Bolsa Família e o Fome Zero nada mais são que milhagas. O melhor exemplo de que não resolvem o problema com elas mesmos: famílias trabalhadoras inteiras são forçadas a viver com R$ 100 ao mês, porque não têm trabalho ou porque fazem trabalhos precários. É a perpetuação da fome. O aumento do número de bolsa-família” não depõe a favor do governo, mas o contrário, porque significa que é um governo que não proporciona trabalho digno para o povo.

O poder do PT e de Lula, em quem a classe ainda confia, foi o de frear as lutas e criar a ilusão de que tudo se revolve no parlamento burguês, se um trabalhador ocupa a cadeira presidencial. A maioria dos sindicatos e da CUT, antes muito forte, agora são como coelhos a serviço do governo. Perderam sua combatividade e mudaram seus métodos de luta: antes, as greves e ocupações de fábricas; hoje, as negociações e os banquetes com os políticos burgueses. As direções sindicais se burocratizaram, apropriaram-se do poder nos sindicatos e se tornaram capangas que perseguem e ameaçam os ativistas de oposição.

Por onde passa a luta
Mas a situação piora a cada dia e a classe já não aguenta mais. Os políticos vivem em mansões enquanto se vê pela TV as casas dos bairros pobres se desmoronando pelas chuvas. Os deputados no parlmento e a própria presidenta Dilma aumentam seus próprios salários enquanto milhões de famílias morrem de fome ou fazem malabarismo para vivem com o Bolsa-Família.

Ainda que pequena, uma nova geração de ativistas surge no Brasil, disposta a enfrentar essa situação. Foi com base nela que se construiu a Conlutas em 2000, que hoje é já uma alternativa de luta frente ao oficialismo da CUT. Hoje a Conlutas reúne um grande número de sindicatos muito combativos e também grupos de oposição que vem imprimindo uma vida nova e sangue novo ao movimento sindical no Brasil. A Conlutas já nasce com um setor de mulheres muito forte, o Movimento Mulheres em Luta, que reúne trabalhadoras e jovens estudantes com um programa de reivindicações para as mulheres e a reotmada dos métodos de lutas tradicionais da classe operária, com as marchas, as petições à patronal, o enfrentamento ao governo. Começam a surgir comissões de mulheres nos sindicatos para discutir as reivindicações próprias das mulheres que devem integrar o programa comum da classe operária.

Hoje lutas para retomar as velhas conquistas perddidas, como os berçários em todas as fábricas e empresas. Lutamos pela licença-maternidade de seis meses; lutamos pela legalização do aborto, para que a mulher trabalhadora e pobre possa recorrer a um hospital público se decide ou necessite abortar. Lutamos por igualdade salarial com os homens e pelo pleno emprego. Lutamos pela terra para quem nela trabalha e lutamos pela escola pública de boa qualidade para nossos filhos.

O mais importante é que as mulheres, pouco a pouco, voltam a se dar conta que seu problema é um problema de classe, de que seu inimigo é o capitalismo imperialista; é a burguesia, que é formada por homens e por mulheres. E que portanto devemos lutar junto a nossa classe, a classe trabalhadora, pondo nossa opressão a serviço dessa luta, que é permanente, como mostra a revolução árabe.

Muito já nos contentamos com conquistas democráticas ou simples promessas de governos burgueses que se esfumaçam no ar nem bem se aproxima outra crise econômica, que põe seus lucros em perigo. Há que seguir até a conquista do poder pela classe trabalhadora, já que a história de nossas lutas, uma após outra, mostra que precisamos de uma direção que nos envolva em uma revolução permanente até a expropriação do grande capital e a expulsão do ocupante de turno que nos saqueia, para assim poder traçar a via de nossa emancipação completa, algo que só é possível se toda a classe operária se emancipa do jugo imperialista. Não há emancipação completa e verdadeira das mulheres sem que todos os trabalhadores tenham uma vida digna e feliz.

O impulso da revolução árabe, com milhares de mulheres nas ruas, sem medo e sem vergonha, hoje nos contagia de certeza na força das mulheres na revolução e por isso nós, mulheres oprimidas e exploradas de toda a América Latina lhes damos nosso apoio e saudação à luta pelo socialismo.