Partidários da oposição fogem de militares na capital, Nairobi

Há mais de um mês uma crise política vem proporcionando um banho de sangue, cujo saldo até agora foi a morte de quase mil pessoasO estopim para crise no Quênia foi a fraude gritante nas eleições do dia 27 de dezembro, que elegeram o parlamento e o presidente. O partido de oposição, Movimento Democrático Laranja (ODM, na sua sigla em inglês), venceu com larga vantagem as eleições parlamentares, conquistando 99 cadeiras parlamentares contra 43 do governo. Mesmo assim, a apuração para presidente da república, longa e demorada, garantiu a reeleição do presidente Mwai Kibaki, do Partido de Unidade Nacional (PNU). A contagem dos votos levou três dias e o resultado divulgado manteve o PNU no governo.

Logo após o resultado, partidários da ODM foram às ruas denunciar a fraude e exigiram um novo processo eleitoral. As suspeitas também foram feitas por vários observadores internacionais. A crise foi se agravando e a violência se espalhou pelo país, agravando-se com o assassinato de um deputado oposicionista nesta terça-feira, 29.

Uma guerra étnica?
A grande imprensa tem publicado uma versão simplista sobre os fatos, apresentando a crise como resultado de conflitos entre as principais etnias do país; os Kikuyu, ligados ao governo, contra os Luos, ligados à oposição. Contudo, a realidade política do Quênia é bem mais complexa. Por trás dos “conflitos étnicos” esconde-se uma luta suja das elites que disputam entre si qual será o grupo que vai implementar no país a política das antigas forças coloniais imperialistas.

O apoio de antigas metrópoles a governos corruptos foi chave para a manutenção da exploração das riquezas africanas pelas nações imperialistas, após a independência política dos países do continente. Para se manter no poder, muitas destas elites assumiram sem constrangimentos a velha política colonial de “dividir para reinar”, aprofundando divisões artificiais entre os países e os grupos étnicos. Um recurso que, no passado, havia sido amplamente utilizado pelos invasores. Em suma, as elites locais utilizam as mesmas técnicas que usaram os britânicos para aplacar os movimentos de independência e libertação nacional.

Além da política de dividir para reinar, os países invasores também usavam, é claro, o recurso do porrete. A história do Quênia é repleta de exemplos assim, como quando tropas coloniais britânicas lançaram uma violenta repressão contra os Mau Mau, movimento camponês que lutou pela independência do país depois da Segunda Guerra.

Aliados de Bush
Agora, a recente crise do Quênia é resultado justamente desta herança colonial, mesclada com os atuais interesses do imperialismo norte-americano na região.

Por muito tempo as nações imperialistas diziam que o Quênia era um dos poucos países africanos a ter uma “democracia estável”. O que queriam dizer com isso, na verdade, é que o Quênia sempre teve governos muito confiáveis ao imperialismo e às multinacionais.

Em 2002 o regime ditatorial de partido único deu lugar às eleições, nas quais venceram Kibaki e Odinga, na época unidos na Coalizão Nacional Arco-íris (NRC, na sigla em inglês). Kibaki tornou-se presidente com promessas de acabar com a desigualdade e a corrupção.

Mas também foi em 2002 que Bush iniciou sua “guerra contra o terrorismo”. Os EUA recrutaram Kibaki como um aliado-chave. Vale lembrar que o Quênia está localizado próximo a instável Somália, considerada por Washington como um abrigo do que chamam de terroristas. O país também é próximo do Chifre Africano, região geograficamente estratégica para o controle do Oriente Médio e das rotas de navios que partem carregados de petróleo. Sem hesitar, Kibaki jogou suas promessas de campanhas no lixo e tornou-se um dos principais aliados da Casa Branca na África. Algo que rendeu para si e para seu grupo político uma grande recompensa em dinheiro, com empréstimos do Banco Mundial e do FMI. Mas, enquanto os membros do governo enriqueciam com a corrupção, o Quênia continuava sendo um países mais pobres do mundo, com 65% da população vivendo com menos de U$ 2 por dia. Além disso, o país ainda sofre com a imensa concentração agrária, com a maioria das terras em mãos de latifundiários e empresas transnacionais. O que agrava as tensões sociais e torna o Quênia um imenso barril de pólvora.

Mas a disputa pelo poder entre as diversas frações das elites pelas migalhas dadas pelo imperialismo levaram a ruptura de Odinga com o governo. Assim, quando chegaram as eleições de dezembro, a ODM retomou o velho discurso de Kibaki e obteve um grande apoio popular. Porém, não restam dúvidas de que Raila Odinga e o ODM não representam nenhuma alternativa para os trabalhadores do país. Representa apenas uma nova face que irá manter o receituário neoliberal no país, ditado pelas velhas potências coloniais.

Com a fraude, a disputa entre as elites assumiu – por uma política consciente dos dirigentes da oposição – a forma de violência étnica. Uma boa prova disso foi a revelação de um documento confidencial que detalha a estratégia da ODM na disputa. Nele, se ressalta a necessidade de utilizar o sentimento contra a etnia Kikuyu para se chegar ao poder. O documento recomenda: “usar de todos os meios para conseguir a vitória, com campanhas sujas se for necessário”.

Por outro lado, o atual governo combate a investida da oposição com envio de tropas do exército. No último dia 29, helicópteros militares abriram fogo contra grupos tribais em Naivasha, reduto da oposição localizado no oeste do país. Além disso, há relatos de assassinatos de diverso Luos no oeste do país.

O banho de sangue no Quênia evidencia que as transformações que o continente negro necessita devem estar nas mãos do povo pobre e não de corruptos dirigentes, que fomentam o ódio para dividir os trabalhadores e assim manter o regime de dominação.