Estátua de Stalin derrubada por manifestantes

A tese de que a URSS poderia conviver com o imperialismo e superá-lo mostrou-se falsaA restauração do capitalismo na ex-URSS levou muitos lutadores a se sentirem desmoralizados porque acreditam que foram as massas, com sua mobilização, que possibilitaram essa restauração. Isso não é assim. Foi a burocracia governante que restaurou o capitalismo, e não as massas. Porém, para entender isto, é preciso voltar ao que aconteceu nas décadas de 20 e 30, na ex-URSS e no Partido Bolchevique.

A longa marcha em direção à restauração

Nos anos 20, o processo revolucionário mundial sofreu várias derrotas, especialmente na Alemanha. Isso fez com que os trabalhadores da URSS ficassem isolados. Essa situação aumentou o desânimo nas massas russas que estavam esgotadas depois de participarem de duas sangrentas guerras (a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil). Isso fortaleceu a burocracia encabeçada por Stalin, que se apropriou do poder e massacrou toda a velha guarda bolchevique.

O Partido Bolchevique enxergava a Revolução Russa como uma alavanca para a revolução mundial. Porém, as massas russas estavam cansadas de lutar. Isso fez com que Stalin encontrasse eco para sua teoria do “socialismo num só país“.

De acordo com a teoria de Stalin, a URSS, de forma isolada, se desenvolveria, econômica e culturalmente, ininterruptamente, até superar todas as grandes potências capitalistas. Assim, essa teoria servia de pretexto para abandonar a revolução socialista em nível internacional contra o imperialismo, que era substituída pela “coexistência pacífica“ com ele.

Nos primeiros anos de poder da burocracia essa teoria parecia realista. Os índices de crescimento econômico da URSS eram impressionantes. No entanto, “chegou a hora da verdade” no que diz respeito à validade da teoria do “socialismo num só país”. Isso ocorreu quando a economia da URSS e as dos outros Estados operários começaram a decair e a entrar em crise. Com essa realidade, toda a gabolice burocrática de que a URSS poderia superar o imperialismo, convivendo com ele, mostrou com toda clareza seu caráter utópico e reacionário.

Para superar as crises econômicas da URSS e do restante dos Estados operários, não havia uma saída essencialmente “econômica”; tratava-se de retomar o caminho dos bolcheviques, o caminho da revolução mundial. No entanto, a burocracia não orienta suas ações por razões ideológicas e sim por interesses mesquinhos. E foi assim que, em defesa desses interesses, ela buscou auxílio no mundo capitalista. Dessa forma, a crise econômica não só não foi superada como se aprofundou.

Já em 1953, pouco tempo depois da morte de Stalin, alguns especialistas começaram a travar discussões em torno dos desajustes que ocorriam nas economias planificadas.

No final da década de 50, as burocracias governantes deram ouvidos às opiniões dos especialistas que recomendavam mudanças. Já era evidente que as economias dos países do Leste europeu estavam perdendo seu dinamismo inicial.

No início dos anos 60, a situação piorou ainda mais e notou-se um declínio que, com pequenos altos e baixos, já não mais se deteria. Isso fez com que as autoridades percebessem a necessidade de fazer mudanças

Os primeiros passos foram dados pelas autoridades da RDA (Alemanha Oriental) com o plano conhecido por “Novo Mecanismo Econômico”. Em cinco anos, essa experiência se estendeu por todo o Leste europeu. Um dos pontos básicos desse plano estava destinado a aumentar o intercâmbio com os países capitalistas para beneficiar-se de sua tecnologia mais avançada.

Essa reforma acabou em um rotundo fracasso para as economias do Leste. As intensificações das relações comerciais com os países capitalistas aparentemente tiveram um grande sucesso, a tal ponto que esse período ficou conhecido como a “idade de ouro do comércio Leste-Oeste”. Mas essas relações iniciaram o caminho em direção à crise. No desenrolar dos fatos, a burocracia sentiu na carne que os Estados que ela dirigia eram parte da economia mundial controlada pelo imperialismo: a importação de tecnologia ocidental acabou desequilibrando completamente a balança comercial desses países.

Para sair desse pântano, as economias do Leste apelaram novamente para os países capitalistas, na busca de capital. Essa opção lhes trouxe, de início, bons resultados, já que foi muito fácil conseguir empréstimos a baixo custo. No entanto, essa política teve resultados desastrosos, porque, no início nos anos 80, os juros subiram assustadoramente, coisa que repercutiu em um aumento considerável da dívida.

Nos anos 80, ocorre um agravamento da situação do conjunto das economias do Leste Europeu, com um considerável aumento da dívida externa.

Tomando especificamente o caso da ex-URSS, os números mostram até que ponto era grave a situação no começo da década de 80. Em relação ao crescimento econômico, entre 1971 e 1985 a taxa caíra duas vezes e meia. Algo parecido ocorria em relação à produtividade. Em 1981 e 1982, a produtividade caía à razão de 1% ao ano. Assim, a produtividade era entre duas a três vezes mais baixa que a dos países capitalistas desenvolvidos.

A burocracia governante, responsável por essa situação, descarregava a crise econômica nas costas dos trabalhadores. A educação, a saúde e a alimentação sofreram uma importante deterioração com conseqüências trágicas: a expectativa de vida, que em 1955 era de 67 anos e em 1972 de 70 anos, no começo dos anos 80 caiu para 60 anos.

Diante desse quadro de decadência econômica sustentada, a burocracia governante foi obrigada a fazer alguma coisa para tentar mudar o rumo da situação.

Na URSS, a resposta a essa situação teve um nome: Perestroika. E um ideólogo: Mikhail Gorbachov.

PERESTROIKA E O AVANÇO DA RESTAURAÇÃO

A Perestroika, no aspecto econômico, combinada com a Glasnost, no político, foram planos qualitativamente diferentes de todos os que já haviam sido implementados anteriormente na história da ex-URSS. Não significaram, como os anteriores, só uma capitulação da burocracia ao capitalismo. Mais do que isso. Foram planos que tinham como objetivo superar a crise restaurando o capitalismo.

A partir de 1987, as orientações do Comitê Central do Partido Comunista, que rapidamente se transformaram em lei, tiveram um claro conteúdo restauracionista de tal forma que, em muito pouco tempo, os resultados dessa política apareceram com toda nitidez.

O monopólio do comércio exterior, que era patrimônio do Estado acabou. A propriedade privada dos meios de produção foi restabelecida de tal forma que já em 1989 existiam mais de 200 mil cooperativas com 4,8 milhões de filiados, a maioria dos quais eram, de fato, assalariados de empresas particulares.

Com diferentes governos, o processo de privatização foi crescendo e a restauração se consolidando. Os números não deixam dúvidas sobre os resultados desse processo. Em março de 1992 foram privatizadas 1.352 empresas. Esse número foi crescendo paulatinamente até chegar ao mês de dezembro desse mesmo ano, com um montante de 11.865 empresas privatizadas e esse número chegou a 106 mil em agosto de 1994, o que equivalia, aproximadamente, a 50% das empresas existentes na Rússia. Entre estas grandes empresas merecem destaque especial a Gaspron. Sucessora do Ministério Soviético da Indústria do Gás, essa é a maior empresa da Rússia e uma das maiores do mundo. Em 1995 o setor não-estatal da economia era responsável por 84,6% da produção industrial e por 85% do comércio. Esses números são tão impressionantes que uma das revistas mais influentes da burguesia, a The Economist, fez o seguinte comentário: “As reformas russas foram muito mais profundas do que a maioria das pessoas esperavam no início. O setor privado detém uma parcela maior na economia russa que na italiana”.

Onde o capitalismo demorou mais para retomar o controle foi no campo, porém esta situação não se manteria por muito tempo. Em 2002 o atual presidente, Vladimir Putin, assinou uma lei para privatizar as melhores terras do país (406 milhões de hectáreas). Essa lei, além de permitir qua a burguesia russa se transformasse em proprietária de grandes extenções de terra, também permitiu aos capitalistas e a empresas estrangeiras arrendarem terras por um longo prazo (49 anos).

Por outro lado, a liberalização dos preços provocou, em pouco tempo, uma subida espetacular dos mesmos, a tal ponto que hoje em dia a Rússia é um dos países mais caros do planeta (Moscou é a segunda cidade mais cara do mundo).

MUITO PARA POUCOS, NADA PARA MUITOS

A restauração do capitalismo na URSS possibilitou o surgimento de uma nova burguesia nacional, os chamados “novos ricos“, que hoje invadem todos os grandes centros turísticos do mundo. Este ano a revista Forbes publicou uma notícia surpreendente. Atualmente, a Rússia é o país que tem mais bilionários no mundo.

`PresidenteIsto pode dar a falsa idéia de que a Rússia, com a restauração capitalista, passa por um momento de prosperidade econômica. Nada mais falso. A restauração do capitalismo teve conseqüências devastadoras para a economia do país e para a maioria dos trabalhadores.

Entre 1991 e 1994, a produção global da Rússia caiu em mais de 40%. Para se ter uma idéia do significado deste número seria necessário recordar que durante a Segunda Guerra Mundial (que custou a vida de 20 milhões de russos) a produção global caiu 17%.

Esta decadência do nível econômico afetou profundamente a vida da população. Vejamos seus reflexos na saúde. A difteria, que em 1990 afetava 0,8 em cada 100 mil habitantes, em 1993 passou a afetar 4,6 pessoas. Isto ocorreu com outras doenças. O sarampo, por exemplo, atingiu 30,0 pessoas em 1993 contra 12,4 em 1990; a tuberculose, 45,3 contra 34,2; a sífilis, 21,5 contra 4,5 e, inclusive, o câncer: 269,2 contra 164,5.

Atualmente, a economia teve uma certa recuperação, ainda que não chegue aos níveis anteriores da restauração. Mas esta recuperação, no marco da restauração do capitalismo, não possibilita uma melhora do nível de vida da população. Pelo contrário, tem agravado os índices sociais. A situação neste terreno é tão grave que estudiosos da UNESCO estão alarmados diante da possibilidade de que a Rússia, a médio prazo, desapareça como país. Estas previsões surgem da projeção dos atuais índices, que indicam que a população russa anualmente vem decrescendo em função das condições de saúde.

O caráter “pacífico” da restauração

Trotsky, em várias oportunidades, assinalou que era impossível que se passasse de um Estado operário (ainda que burocratizado) a um Estado capitalista, sem passar por uma contra-revolução sangrenta.

Na Rússia não se deu nenhum golpe sangrento, como aconteceu na Argentina ou no Chile. Isso leva muitas pessoas a dizer que a restauração foi pacífica. Tal afirmação é um erro.

A restauração do capitalismo na Rússia não pode ser vista como um acontecimento conjuntural. Ela ocorre como parte de um processo histórico.

A luta do capitalismo mundial pela restauração do capitalismo começou no dia seguinte ao da tomada do poder. Primeiro, foi por meios políticos e depois pela via militar. A burguesia russa, expulsa do poder, desatou uma guerra civil que teve o apoio político e militar da maioria das grandes potências do mundo.

A burguesia, com a guerra civil, não conseguiu restaurar o capitalismo, porém deixou a classe operária semidestruída. O mesmo aconteceu com o Partido Bolchevique, já que a maioria dos seus quadros morreu nos campos de batalha. Isso abriu caminho para o surgimento do stalinismo que se apoderou do poder. Com sua política de colaboração com a burguesia, o stalinismo levou adiante um massacre maior ao que ocorreu durante a guerra civil.

Mas a burguesia não ficou satisfeita com seu novo aliado. Queria acabar de vez com o Estado operário e as tropas de Hitler entraram na Rússia. Foram derrotadas. Stalin ganhou prestígio e o usou para afastar ainda mais a classe operária do poder. Criaram-se, assim, as condições para a restauração “pacífica“ que custou, aproximadamente, 50 milhões de vidas de operários, camponeses, jovens e revolucionários.

NÃO FORAM OS TRABALHADORES QUE RESTAURARAM O CAPITALISMO

A classe operária russa, desde a tomada do poder em 1917, lutou heroicamente para impedir a restauração, durante a Guerra Civil, contra Stalin (parcialmente), durante a Segunda Guerra Mundial e no fim da década de 80, quando surgem as revoluções do Leste.

O último processo é o que desperta mais dúvidas, já que uma importante parte da população tinha expectativas no capitalismo. Mais, independentemente do que cada um pensasse, estas mobilizações foram, objetivamente, contra a restauração, porque elas não enfrentaram governos que defendiam Estados operários, mas sim governos que já tinham restaurado o capitalismo ou estavam em vias de fazê-lo.

As mobilizações, na maioria dos casos, se deram contra as conseqüências dos planos restauracionistas.

Portanto, é um equívoco dizer que as mobilizações dos trabalhadores possibilitaram a restauração. Os fatos na história indicam outra coisa: as mobilizações contra a restauração, por falta de uma direção revolucionária, não tiveram condições de impedir e conter seu avanço.

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