A grande imprensa e a TV fazem uma grande cobertura das prévias eleitorais dos Estados Unidos, quando seus dois partidos nacionais, o Republicano e o Democrata, escolhem seus candidatos a presidente. As prévias ocorrem durante todo o primeiro semestre do ano eleitoral. Em agosto, são realizadas as convenções nacionais de cada partido para referendar os candidatos mais votados nas prévias. A eleição presidencial ocorre em 4 de novembro.

As prévias podem ocorrer na forma de eleições primárias, em que qualquer eleitor pode votar, ou podem ser realizadas convenções partidárias. Nesse caso, a participação fica reservada aos filiados. Em cada estado, são eleitos delegados em quantidade proporcional à sua população.

No dia 5 de fevereiro, conhecido como superterça, por terem ocorrido prévias simultâneas em 22 estados, perto de 15 milhões de eleitores votaram nas primárias do partido Democrata, um número grande, se considerarmos que o voto é facultativo e que ainda não é a eleição oficial. Isto tem levado a mídia a classificar as prévias norte-americanas como um exemplo de democracia que deve ser seguido. Porém uma análise mais detalhada desta situação leva-nos a conclusão contrária. Vamos a ela.

Quem define o candidato: o eleitor ou os caciques do partido?
Os delegados eleitos nas prévias são de dois tipos: aqueles compromissados com seus candidatos e que não podem mudar de voto na convenção nacional e os superdelegados, escolhidos entre dirigentes dos partidos, parlamentares e políticos importantes. São espécies de delegados natos, que não estão presos a qualquer candidato e votam de acordo com as conveniências partidárias.

No caso do partido Democrata, as prévias elegem um total de 4.049 delegados, entre os quais 796 são superdelegados. Segundo a previsão da agência United Press, Hillary Cinton conseguirá 1.131 delegados e Barack Obama 1.106, nas prévias realizadas até agora. Como são necessários 2.025 votos na convenção nacional para um deles ser indicado, Clinton precisaria de 894 dos 1.016 delegados compromissados ainda em disputa e Obama de 918, impossível de ser atingido por qualquer um deles.

Pela projeção do jornal New York Times, Hillary Clinton tem uma vantagem de 105 votos entre os superdelegados indicados até agora, isto é, mesmo que Obama vença por uma boa margem, a indicação deverá ir para Clinton, que tem a preferência da cúpula do partido por ter sido primeira-dama durante oito anos, na administração de Bill Clinton, e ser senadora há duas legislaturas, desde 2000. Obama, embora nunca tenha sido uma ameaça ao sistema, é senador pela primeira vez, eleito em 2004, e não tem a confiança plena dos caciques partidários.

O sistema de superdelegados iniciou em 1980 no partido Democrata. Em 1984 eles representavam 15% dos delegados e atualmente já somam 20%. Segundo Tad Devine, um assessor democrata, na convenção nacional de 1980, os líderes partidários eram pouco representativos, o que resultou numa disputa dura entre o presidente Jimmy Carter e o senador Ted Kennedy, deixando o partido dividido na disputa presidencial. Então, instituiu-se a nova regra: “para que o peso dos dirigentes fosse maior e refreasse os impulsos mais liberais dos ativistas partidários”.

O recado é claro. Os eleitores votam, mas se seu voto não coincidir com a vontade da cúpula, quem define a disputa são os superdelegados e os caciques do partido.

Quem define o candidato: os eleitores ou o dinheiro dos candidatos?
Para ser candidato a presidente dos Estados Unidos é preciso de dinheiro, muito dinheiro. Até agora foi arrecadada a incrível soma de US$ 600 milhões por todos os candidatos, em doações, conforme a Comissão Federal Eleitoral dos EUA. Deste valor, 80% foram arrecadados pelos sete principais concorrentes e US$ 231 milhões, quase a metade, pelos três candidatos que ainda disputam as nomeações, Hillary e Obama pelo partido Democrata e John McCain pelo partido Republicano.

Hillary Clinton foi quem mais arrecadou, US$ 118,3 milhões, seguida por Barack Obama, com US$ 103,8 milhões. Logo após a superterça, ela fez uma doação de US$ 5 milhões de sua fortuna pessoal, para enfrentar as próximas prévias e competir com Obama nos gastos com propaganda na TV.

Embora tenha arrecadado “menos” em 2007, Obama iniciou 2008 com doações de US$ 27 milhões em janeiro, atingindo um recorde de 3 milhões de dólares num só dia. Como Hillary tem arrecadado mais entre os mais ricos, Obama a acusa de ser a candidata dos “lobistas”. No entanto, sua campanha está cheia de doadores como o megaespeculador da bolsa George Soros.

Os candidatos, em geral também são muito ricos: Mitt Romey, um candidato republicano que desistiu da campanha após a superterça, é um bilionário, dono da conhecida Domino´s Pizza, com fundos inesgotáveis. A doação de Hillary Clinton é parte de sua fortuna que, segundo o jornal New York Times, está avaliada entre US$ 10 e US$ 50 milhões e foi feita desde que Bill Clinton deixou a presidência em 2000, com a renda da venda de sua biografia e de palestras. É “evidente” que “nada” foi ganho durante sua permanência na presidência ou a de Hillary no senado…

Portanto, como estamos acostumados a ver nas campanhas brasileiras, são os marqueteiros que definem os resultados, ao custo de milhões de dólares. Aos eleitores, resta ouvir as propagandas maravilhosas na TV e a superexposição dos candidatos na mídia, para “decidir” em quem votar.

Quem define os candidatos: os eleitores ou o regime?
Porém onde estão os candidatos dos demais partidos? Nos EUA existem outros partidos, mas só participam de eleições locais num ou noutro estado ou cidade, pois apenas os partidos Democrata e Republicano conseguem estabelecer-se em escala nacional.

Este é o grande segredo da democracia burguesa norte-americana, que a burguesia brasileira quer copiar com a reforma política. A população tem toda liberdade do mundo para escolher seus governantes, mas entre os candidatos de apenas dois partidos…

Dessa forma, mesmo que aconteça uma vitória inesperada de algum candidato não muito confiável, como é o caso de Barack Obama, o regime bipartidário cuida para que seja colocado nos trilhos e reze a cartilha do imperialismo.

Também existe uma alternativa para candidaturas independentes, sem filiação partidária. Este ano, o prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, ameaça concorrer se houver uma polarização entre os dois partidos e ele tiver a chance de aparecer com uma terceira força. Bloomberg saiu do Partido Republicano em 2007 e diz que pode gastar US$ 500 milhões numa campanha. Como se vê, as candidaturas independentes estão reservadas aos multimilionários e nada mudaria no panorama político norte-americano.

As prévias são apenas um mecanismo aperfeiçoado do regime democrático-burguês
Embora exista uma grande participação popular, que está batendo todos os recordes este ano, os eleitores não decidem quem são os candidatos livremente. As prévias são, antes de tudo, um recurso muito importante do regime democrático-burguês dos EUA para que o imperialismo possa verificar o posicionamento de cada candidato, a reação pública a eles e medir o grau de insatisfação da população com antecedência.

Além disso, há eleições presidenciais a cada quatro anos e quase dois anos de campanha eleitoral, por causa das prévias, consistindo num importante mecanismo de canalização das lutas para o terreno eleitoral, como, por exemplo, das importantes greves ocorridas em 2007, como a greve da GM, a primeira em 30 anos, da Chrysler, dos roteiristas de Hollywood, que continua, e outras.

Sob o regime capitalista podem existir eleições com a garantia de liberdades democráticas, o que é muito importante para os trabalhadores, mas não há nenhuma eleição com o voto conscientemente livre, pois este sempre é controlado