José Maria de Almeida, o Zé Maria, foi o primeiro pré-candidato à Presidência a visitar o Haiti arrasado pelo terremoto ocorrido em janeiro. Ele integrou uma delegação da Conlutas que foi pessoalmente prestar solidariedade aos trabalhadores haitianos e verificar a situação do país três meses após o desastre. Do dia 30 de março a 3 de abril, eles percorreram as ruas de Porto Príncipe e testemunharam toda a destruição e a situação precária em que vive a população haitiana.

A delegação também se reuniu com organizações sindicais e populares, como a Batay Ouvryie (Batalha Operária), acampamentos de desabrigados e universitários. Zé Maria concedeu entrevistas à imprensa, curiosa para saber o que fazia no Haiti um pré-candidato. O grupo saiu de lá com a promessa de intensificar aqui a campanha pela retirada das tropas e de apoio às mobilizações dos trabalhadores haitianos.

Opinião Socialista – Qual foi a situação que vocês encontraram no Haiti?
Zé Maria – É muito dramática. As pessoas estão na mesma situação que foram deixadas pelo terremoto. Não há praticamente nenhuma atividade de reconstrução do país, é uma coisa horrorosa. Não há nenhuma ação do governo ou do Estado para socorrer as pessoas. Elas estão amontoadas nos acampamentos, nas praças públicas, às vezes até mesmo nos terrenos das suas próprias casas… Um milhão de pessoas vivendo assim, com comida escassa, sem esgoto. Eventualmente há distribuição de alimentos pelas tropas, mas em uma quantidade absolutamente aquém da necessária. Não há água, não tem como tomar banho… Não há qualquer tipo de reconstrução, tanto das casas como do país, as pessoas não têm qualquer expectativa de sair dessa situação. Pra piorar, em abril começa o período de chuvas em Porto Príncipe, então devemos ter uma situação muito pior que essa agora em muito pouco tempo.

O que vocês viram andando pelas ruas?
O que ficou claro nesses dias em que percorremos Porto Príncipe, em primeiro lugar, é que não há reconstrução nem qualquer ação do Estado para ajudar as pessoas. Elas se ajudam, se autoorganizam com base em sua própria solidariedade. Quando alguém consegue alimento, reparte para as outras pessoas. É dessa forma que as pessoas estão sobrevivendo. Não há nenhum soldado, um que seja, ajudando na reconstrução.

Você simplesmente não vê soldado na rua. Só encontramos uma patrulha de soldados americanos e vimos uma base da Minustah, fortemente armada, na entrada da zona franca, protegendo as fábricas. Quando vemos na mídia os soldados ajudando é porque a imprensa sai, combina com o comando do Exército e este manda um grupo de soldados para poder fazer aquela filmagem. E depois desaparece.

Vocês chegaram a ver alguma ação do Estado, ou algum serviço público funcionando?
Funcionam alguns que já funcionavam de forma bem precária antes. Mas, no sentido de reverter a catástrofe, não há nenhum. Em alguns pontos da cidade, quando há alguma movimentação para a retirada de entulho, ou começar alguma obra de reconstrução, é iniciativa de alguma empresa. A cidade continua em escombros.

As fábricas estão funcionando?
Não só estão funcionando como são protegidas pela Minustah. As fábricas estão concentradas numa área chamada de zona franca. São cercadas por muros altos, onde ficam dezenas de galpões que não foram atingidos pelo terremoto. Os empresários tentam, inclusive, imprimir um ritmo de trabalho mais intenso, porque dizem que é preciso recuperar o tempo perdido no período em que ficaram parados. Os planos de reconstrução discutidos pela ONU tratam de ver qual empresa, entre as grandes construtoras, vai abocanhar os recursos para o Haiti para construir algumas obras de infraestrutura que são necessárias para essas empresas. Então, tem que reconstruir o aeroporto, consertar o porto, fazer obras de estradas e vias para o transporte de mercadorias. Os 4 ou 5 bilhões de dólares discutidos pela ONU são para isso. Na verdade, o que está se preparando no Haiti é a reconstrução da estrutura para que as empresas continuem atuando, produzindo, explorando os trabalhadores e escoando seus produtos para exportação.

Fale sobre as principais atividades que a delegação da Conlutas realizou no Haiti.
Visitamos vários acampamentos. Alguns organizados pela Batay Ouvryie, outros por outras organizações. Fizemos reuniões com as pessoas desses acampamentos.

Conversamos com trabalhadores de estatais que foram demitidos. Há toda uma movimentação do governo Préval, desde antes do terremoto, para preparar a privatização dessas empresas, então houve milhares de demissões. Esses trabalhadores foram mandados embora sem nenhum direito e agora estão lutando. Percorremos a cidade, em particular o centro de Porto Príncipe, que lembra aqueles filmes de ficção científica após uma hecatombe nuclear. É impressionante a devastação que existe. Uma situação inacreditável! E inaceitável, pois essas pessoas não precisam ficar nessa situação. Estão assim por causa do abandono do Estado, por causa da hipocrisia absoluta do governo norte-americano, do governo brasileiro e das autoridades do mundo inteiro que falam há três meses em “apoio ao Haiti”. Mas não há nenhum “apoio ao Haiti”. Há sim iniciativas para proteger os interesses das empresas. Dessas medidas, a mais importante é a presença das tropas. Estão por lá porque em algum momento vai haver uma revolta das pessoas. Elas não vão suportar essa vida por mais tempo. Quando isso ocorrer, vão se chocar com as tropas, que estão protegendo o governo Préval e os interesses das empresas. Essa é a verdade.

Como foi, para os haitianos, saber que há um pré-candidato à Presidência do Brasil que se posiciona contra a ocupação militar?
Foi visto com curiosidade e expectativa. Uma demonstração concreta de que a decisão de enviar as tropas ao Haiti não foi “do Brasil” e sim do governo brasileiro. E que há, no Brasil, gente que tem a mesma opinião deles sobre o real papel das tropas e que apoia, desde aqui, a luta pela retirada dos militares estrangeiros do Haiti. Obviamente, isto dá ânimo a quem leva adiante esta luta lá.

Qual é a importância dessa viagem para a campanha impulsionada pela Conlutas de solidariedade ao Haiti?
É importante para ver de perto a situação por lá, colher informações para embasar nossa campanha contra a presença das tropas, aqui no Brasil, e intensificar o apoio dos trabalhadores daqui aos trabalhadores do Haiti. É preciso destacar um aspecto que nos chamou muito a atenção lá. Aqui a imprensa fala muito da violência, de saque, da necessidade das tropas para manter a ordem lá. E é impressionante a paz que eles vivem numa situação tão desesperadora. Visitamos vários acampamentos e não vimos nenhuma cena de violência. Nem contra as pessoas de fora, nem entre elas. O que há é uma solidariedade mútua que é um exemplo para todo o mundo. Essas informações que colhemos lá, as fotos, imagens, depoimentos, vamos difundir aqui para embasar a campanha de denúncia da ocupação e de denúncia do governo. Pressionando para que os países ajudem sim o Haiti, mas com médicos, engenheiros, recursos e não com soldados e armas.

Existe algum questionamento no Haiti a essa suposta ajuda, tanto de governos quanto das ONGs, que não chegam ao povo haitiano?
Em todo o tempo em que estivemos lá, deve ter tido uma ou duas distribuições de alimentos pelas tropas. Chegam em algum ponto da cidade com o caminhão e jogam o alimento como se estivessem jogando para animais. Não há integração com as organizações, nem com as pessoas. Então, é muito aquém do necessário e feito de uma forma completamente desorganizada e desrespeitosa. Então, o que há nas pessoas é o crescimento de uma insatisfação cada vez maior. Nesse aspecto, a forma da nossa ajuda tem tido uma recepção muito positiva. Porque as pessoas percebem pelo menos uma iniciativa honesta de ajudá-las em que pesem as nossas limitações de recursos, que são muitas. Arrecadamos até agora o equivalente cento e poucos mil dólares, podemos chegar a 200 mil dóalres, isso é muito pouco perto das necessidades do Haiti. Mas, fora isso, nossa ajuda é no sentido de que eles se organizem para que haja de fato uma mudança. Não só em relação às consequências do terremoto, mas para que se possa colocar um fim na exploração histórica que esse povo sofre nas mãos das multinacionais e do imperialismo.

Quais são os próximos passos da campanha de solidariedade e contra as tropas no Haiti?
A campanha agora entra numa fase mais política. Por um lado, a intensificação da exigência de retirada das tropas da Minustah e dos Estados Unidos e, por outro lado, uma campanha de solidariedade às lutas e mobilizações que estejam se desenvolvendo no Haiti neste momento. Por exemplo, os companheiros demitidos das estatais, como postos de telefonia e limpeza urbana, já fizeram mobilizações no passado, de forma separada. Estamos tentando agora coordenar com outras organizações, os acampamentos, os estudantes, de modo a construir um processo unificado de luta. Fizemos um compromisso de repercutir isso aqui no Brasil, de mandar nota dos sindicatos, denunciar o governo brasileiro, pois a Minustah reprimiu os protestos lá. Os companheiros da limpeza urbana nos disseram inclusive, e estamos esperando documentos que comprovem isso, que há três companheiros deles presos pelas tropas, há três meses. Então, o apoio a esse tipo de mobilização, fazer com que se repercuta isso no Brasil, pressionar o governo brasileiro quanto ao papel que a Minustah cumpre lá, são também atos de solidariedade política. Passaremos a dar mais peso a eles apartir desse momento.

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