Desde a semana passada milhares de mulheres saíram às ruas em diferentes cidades do Brasil exigindo duas coisas: arquivamento do PL 5069 e “Fora Cunha”! A primeira mobilização foi no Rio de Janeiro e reuniu mais de duas mil mulheres. Depois veio São Paulo com cinco mil e atos importantes em Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre e Curitiba. Novas manifestações estão programadas para as próximas semanas.

Mas o que é o PL 5069?
Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no último dia 21, o Projeto de Lei  5069 dificultará a atenção nas unidades de saúde às mulheres vítimas de violência sexual. Para conseguirem ser atendidas, deverão realizar antes um Boletim de Ocorrência e um exame de corpo de delito. Mas as pesquisas a nível mundial indicam que a maioria das mulheres que sofre abusos não os reporta às autoridades, dentre outras razões, por medo e vergonha.

O texto vai além. No Brasil, o aborto é legal em casos de estupro, risco para a mãe ou para fetos anencéfalos. O PL faz com que as vítimas de violência não sejam informadas disto no hospital e fala que só poderá receber medicamentos não abortivos. Inclusive passa a considerar crime contra a vida o anúncio de substâncias para a interrupção da gravidez e a orientação das gestantes para o procedimento, com penas de até dez anos. Mas como o texto não define que é abortivo, se a pílula do dia seguinte é abortiva ou não fica a critério do médico.

Este é um dos maiores ataques aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres desde a volta da democracia. O projeto deve ainda ir ao plenário da Câmara e depois ao Senado.

Mulheres jovens: as principais vítimas do projeto
No Brasil existe uma cultura de estupro. Isso ficou evidente com o caso de Valentina, participante de 12 anos do programa de TV Master Chef, que foi alvo de ameaças de estupro nas redes sociais. Isso despertou a indignação de milhares de mulheres na Internet, levando à campanha #meuprimeiroassédio.  As leis que ameaçam punir generalizadamente o aborto e buscam tirar direitos que já tínhamos conseguido afetam mais as mulheres jovens em particular as mulheres negras.

As mulheres jovens são as principais vítimas da violência sexual. Por exemplo, de acordo com o Dossiê Mulher 2014, divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), no estado do Rio de Janeiro 51% das vítimas de estupro tem até 14 anos. Dentro destas, as mulheres negras sofrem três vezes mais violência. Elas são vistas como as mulheres que são somente para transar, não para casar.

Então as mulheres jovens e negras somos as que mais sofremos com medidas que restringem o direito ao nosso corpo. Esse direito já é violentado cotidianamente pelo Estado que não garante nossa proteção e pelos inúmeros casos de assédio que acontecem nas ruas, nas escolas, nos centros de trabalho, no transporte público, etc. Sem falar que, segundo o Mapa da Violência 2015, entre 2003 e 2013, o número de homicídios de mulheres negras subiu quase 20%, enquanto o de mulheres brancas caiu perto de 12%. O PL 5069 afeta mais a nós mulheres jovens e negras porque a violência já nos afeta mais.

A LGBTfobia contra as mulheres lésbicas e os homens trans se transforma algumas vezes em estupros corretivos. Este é outro setor que será muito prejudicado com o PL.

Garantir o direito ao nosso corpo vai além de barrar este projeto. O direito ao aborto não deveria ser garantido só em casos de estupro, risco para a vida da mãe ou má-formação no cérebro do feto. O Estado deve garantir educação sexual para decidir, contracepção para prevenir e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.

Fora Cunha! Barrar o PL!
Cunha apresentou o PL 5069 junto com outros 12 deputados, integrantes de uma bancada maior que não apresentou só este projeto. São parte dos que trabalharam pela aprovação da maioridade penal atacando novamente os jovens, principalmente a juventude negra.

Além desses projetos, eles também têm impulsionado outros ataques contra as mulheres e os setores oprimidos como o Estatuto da Família ou o do Desarmamento. Além de outros projetos que contam com o apoio de Cunha e ainda esperam ser votados: considerar o aborto como crime hediondo, intensificar as penas de prisão (de 6 a 20 anos) ao médico que o pratique, ou uma proposta de emenda à Constituição que garanta a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, incluindo o feto.

Se não fosse o suficiente para tirar Cunha da presidência da Câmara, a operação Lava Jato já mostrou como o deputado do PMDB está envolvido na corrupção geral que caracteriza este governo. Foram descobertas contas na Suíça com milhões de dólares que ele ganhou. Só isso já seria mais do que suficiente para ele sair do seu cargo. Então, por que ele não sai?

Basta de Dilma, Temer, Aécio e Cunha!
Recentemente, vimos o acordão entre Dilma e Cunha: os deputados do PT apoiariam Cunha contra as denúncias no Conselho de Ética, e ele ajudaria a segurar a presidente no seu cargo atrasando os pedidos de impeachment. A troca de votos ou apoio por cargos tem sido parte da lógica com que ela governa desde o primeiro dia. É um acordo entre corruptos que trabalham contra a maioria dos trabalhadores, a juventude e as mulheres. Essa troca de direitos por apoio político não é novidade.

Com a Carta ao Povo de Deus (2010) a primeira presidenta de nossa história prometeu não alimentar o debate sobre a família e o aborto, abandonando assim a possibilidade de ser um apoio fundamental para as mulheres avançarem no direito ao próprio corpo. Dilma renunciou à defesa dos interesses das mulheres e dos oprimidos em geral, como no caso dos LGBT’s, desde o primeiro dia.

No meio da crise econômica e política atual, Dilma cortou o orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres pela metade. E a fundiu com outros dois ministérios. Esse era a instância responsável pela aplicação da Lei Maria da Penha, por exemplo. Além disso, na sua busca de votos para garantir a aprovação do ajuste fiscal e os interesses dos ricos, ampliou a presença do PMDB de Cunha no primeiro escalão. Nesse marco, um dos principais aliados do corrupto acabou nomeado para o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Isso significa que Dilma desprotegeu as mulheres e abriu espaço para os setores conservadores. E com o discurso da governabilidade, fez de tudo para se manter no governo e aplicar o ajuste fiscal, jogar a crise nas costas dos trabalhadores e garantir o lucro dos ricos.

É impossível entender o espaço que tem o conservadorismo e sua disputa da pauta no Congresso sem entender que quem deu isso a eles foi em grande parte o PT e  Dilma. Os setores que apoiam o governo, como PT, o PCdoB, Levante Popular  entendem este processo como uma onda conservadora contra a qual todos temos que nos unir. Mas como eles explicam este acordão? Esse discurso não só não tem a ver com a realidade, mas livra o governo Dilma e o PT da responsabilidade do espaço dado para o conservadorismo nos seus governos.

Além disso, a Frente Povo Sem Medo, construída pelo PSOL e o MTST junto com o governismo, acabou de realizar manifestações pelo “Fora Cunha” sem sequer mencionar o papel de Dilma e do PT nos ataques às mulheres trabalhadoras. Os coletivos de juventude do PSOL tem seguido essa tendência também. O Juntos, por exemplo, elegeu como o principal inimigo da juventude brasileira Eduardo Cunha, o que ainda que não queiram esconde o papel cumprido pela presidente na retirada de direitos das mulheres.  

Punir o estupro e não as mulheres!
Hoje o combate é contra o PL e o Cunha, mas também contra o governo do PT, e as políticas do PSDB e o PMDB. Não tem como lutar contra os setores conservadores de direita sem lutar contra o governo do PT. As mulheres jovens e principalmente as mulheres trabalhadoras só tem a perspectiva de ver seus direitos respeitados e não serem usados como moeda de troca com uma alternativa ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras.

Por isso, chamamos o conjunto dos movimentos sociais, o movimento sindical e o movimento estudantil a se unir a nós da Juventude do PSTU e milhares de mulheres e organizações e dizer: “Barrar a PL 5069/13! Fora Cunha”! Além disso, vidas negras importam! A lei do Cunha mata preta todo dia! Mas isso não é suficiente devemos ir além e dizer: Basta! Dilma, Temer e Aécio: inimigos das mulheres trabalhadoras, jovens e estudantes!