Manifestação de professores no Rio de Janeiro
(Foto: Erick Dau)
George Bezerra, de Fortaleza (CE)

Seguramente, 2013 entrará para história brasileira como o ano que marcou o fim de, pelo menos, duas décadas de certa letargia e estabilidade política. Ou seja, de todo um período sem grandes mobilizações populares que fizessem tremer os palácios, a exceção da marcha à Brasília, que lançou o Fora FHC em 1999. A relativa paz social, principal trunfo político de dez anos do PT no poder, terminou com a saída e o choque de milhões nas ruas dos principais centros urbanos do país contra os governos e o aparato repressor do Estado.

Infelizmente, as mobilizações de junho não tiveram uma direção nacional. Nem mesmo chegou perto de criar uma coordenação das lutas que se desenrolavam em vários estados ao mesmo tempo. Por outro lado, curiosamente, esse elemento não foi um obstáculo instransponível para esboçar uma pauta nacional, além das pautas estaduais e municipais, que pese às especificidades regionais, muito se assemelhavam. Em outras palavras, havia um conjunto de palavras de ordem e reivindicações dirigidas ao governo Dilma e reivindicações comuns direcionadas aos governos estaduais e municipais. Ao ponto que, cada vitória num município, como a redução da tarifa em São Paulo, alimentava as mobilizações em outras grandes e médias cidades.
Do ponto de vista nacional, as pessoas queriam menos dinheiro para a copa e mais verbas para a saúde, educação e demais serviços públicos. Milhares de cartazes diziam: “Queremos hospitais padrão FIFA”, “Escolas padrão FIFA”, “10% do PIB para Saúde”, “10% do PIB para Educação”. Em essência, as manifestações de junho se dirigiram contra a política econômica do governo federal. Ademais, havia uma ira contra a corrupção e o sistema político do país, que se concretizaria, mais à frente, na palavra de ordem contra PEC 37 e pela defesa de uma Reforma Política meio que difusa, mas que acabasse com a roubalheira que toma conta do país.
O governo Dilma, que pensava está num “céu de brigadeiro”, ficou atônito e sem resposta num primeiro momento. Mas, em seguida, anunciou um conjunto de medidas: 01- pacto nacional sobre o transporte público; 02- a proposta de uma reforma política ou de uma constituinte específica para tratar do tema; 03- dinheiro dos royalties da exploração do pré-sal para educação e saúde; 04- o programa Mais Médicos. O objetivo era retomar o controle político do país e não chocar-se com as ruas, passando a ideia de que os gritos vindos das ruas estavam sendo atendidos no campo de jogo da democracia dos ricos.
Com efeito, parte dessas medidas, em especial o programa Mais Médicos, lograram seus objetivos. Ainda que a situação atual não seja a de estabilidade política antes de junho, vivemos uma conjuntura em que governo, mesmo tendo sua relação abalada com as massas populares, conseguiu retomar o controle político do país. No entanto, parafraseando Milton Nascimento, nada será como antes.
Primeiro, porque está viva na memória de milhões a força das multitudinárias mobilizações de junho. Os trabalhadores e a juventude começam a recuperar a esperança nas suas próprias forças. Segundo, porque o pacote de medidas anunciadas por Dilma não atenderá as demandas populares. Podem, inicialmente, ludibriar ou passar a sensação de que algo está sendo feito para melhorar a situação da saúde e educação. Mas, com a o passar do tempo, os problemas estruturais persistirão e a paciência poderá se esgotar. Com um diferencial importante, a experiência adquirida nas mobilizações de junho, julho, agosto e setembro.
Portanto, está se desenhando uma nova e dura batalha pela frente. E esta pode ser travada em 2014, quando os problemas seguirão em meio à realização de uma copa muito cara para os cofres públicos. E por que dizemos isso?
O orçamento da União para 2014, votado pelo Congresso Nacional em 18 de dezembro, é uma prova que as demandas populares não serão atendidas. Dizíamos, no início deste artigo, que as mobilizações de Junho se chocavam contra a política econômica do governo. Agora afirmamos que, sem uma mudança radical na política econômica, é impossível garantir serviços públicos de qualidade e uma vida digna para os trabalhadores e a juventude do nosso país. Projetos como os Mais Médicos ou 75% e 25% dos royalties, respectivamente, para educação e saúde, podem até aportar mais recursos para essas áreas. Porém, nem de perto, vão mudar o caos que passam essas duas áreas.
E o que é mudar a política a essência da política econômica? Significa destinar menos dinheiro para os banqueiros e empresários para aumentar o investimento nas áreas sociais. Como isso ganha forma do ponto de vista do orçamento federal? Suspendendo o pagamento da dívida pública e fazendo uma auditoria (investigação) sobre a mesma. Quando começou essa dívida? Quem a fez? Quanto era no seu início? Quanto já se pagou? Por que ela segue crescendo? Qual o tamanho dela hoje? Quem se beneficia com os serviços da dívida? É justo que o povo brasileiro siga pagando uma dívida que só cresce em detrimento da saúde, educação, transporte, moradia, salário mínimo e aposentadoria?
Hoje, esse é o maior obstáculo para garantir serviços de qualidade. É por isso que “falta” dinheiro para transporte, saúde e educação. Um olhar rigoroso mostra que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê um total de despesas de R$ 2,4 trilhões, dos quais a impressionante quantia de R$ 1,002 trilhão (42%) é destinada para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Parece que o governo federal quer repetir o que aconteceu em 2013, quando até 06/12, 42% do orçamento federal havia sido destinado ao pagamento da dívida.
“O endividamento afeta todas as áreas sociais, tendo em vista que o valor de R$ 1,002 trilhão consumido pela dívida corresponde a 10 vezes o valor previsto para a saúde, a 12 vezes o valor previsto para a educação, e a 4 vezes mais que o valor previsto para todos os servidores federais (ativos e aposentados) ou 192 vezes mais que o valor reservado para a Reforma Agrária” (site da Auditoria Cidadã da Dívida).
O PLOA 2014 mantém a política de reajuste do salário mínimo baseada pela inflação mais o crescimento real do PIB de 2 anos atrás. Para 2014, isto significa um reajuste de 6,8% (de R$ 678,00 para R$ 724), correspondente à inflação (INPC) de cerca de 6% mais um aumento real equivalente ao crescimento real do PIB de 2012 (0,87%). Com o crescimento raquítico do país, serão necessários mais 154 anos para que seja atingido o salário mínimo vital, calculado pelo Dieese em R$ 2.729,24 e garantido pelo artigo IV da Constituição.
O que podemos concluir é que a presidente Dilma está indo na contra mão de junho. Havia e há outro caminho: romper com os banqueiros e as multinacionais e bancar um projeto de lei orçamentária que expresse o desejo das manifestações populares e as necessidades básicas do povo brasileiro. Do jeito que está, o orçamento expressa o desejo de lucro de meia dúzia de rentistas, das multinacionais e dos grandes empresários do país. Por isso, é necessário fazermos de 2014 um ano de muita mobilização. Seguirmos com os nossos cartazes e bandeiras levantadas e manter a disposição de luta para conquistar aquilo que ainda não arrancamos.