Cada vez mais trabalhadores depositam dinheiro e esperanças de melhora de vida apostando em ações. Junto com algum lucro, vem prejuízos. O maior deles é acreditar que passaram a ser donos das empresas e que o lucro destas também será seuAs notícias sobre as bolsas de valores de todo o mundo estão em alta. Os telejornais de todas as emissoras informam seus movimentos: quanto caíram ou subiram as ações emitidas pelas empresas. As ações têm um valor inicial, que é decidido pela direção da empresa em função de seu capital, que irá variar em função de seu desempenho e de outros fatores. Ao serem vendidas na bolsa, a empresa aumenta seu capital, com o qual poderá fazer novos investimentos em máquinas, tecnologias, publicidade ou ampliando suas instalações. Em contrapartida, os proprietários das ações passam a deter parte do capital da empresa, proporcional às ações compradas na bolsa, que lhes renderão uma parte do lucro obtido, os dividendos, pagos anualmente. Ou amargarão perdas, se a empresa declarar prejuízo, ou uma redução do lucro, no balanço anual.

Os trabalhadores e a bolsa
No fim do século 19, quando as empresas começaram a transformar-se em sociedades por ações, ou sociedades anônimas, a compra e venda de ações era um negócio exclusivo dos capitalistas. A Inglaterra foi, talvez, o primeiro país a popularizá-lo, a ponto de Siemens, banqueiro alemão, conhecido hoje pela multinacional que leva seu nome, ter declarado em 1900 que “a ação de uma libra esterlina é a base do imperialismo britânico”. Nos Estados Unidos, hoje, milhões de trabalhadores aplicam sua poupança na bolsa, individualmente ou através de Fundos de Pensão e de Investimento.

No Brasil, a negociação de ações é cada vez mais disseminada entre os trabalhadores com melhores salários. O governo de FHC iniciou este processo quando aprovou a liberação do FGTS de funcionários de estatais para a compra de suas ações, sob o pretexto de possibilitar que os próprios trabalhadores fossem proprietários do patrimônio do Estado. Foi o primeiro passo para as privatizações. Com o dinheiro curto no bolso, e certa valorização, as ações foram postas à venda e acabaram nos cofres dos empresários, transferindo-se os bens do estado à propriedade privada. A Petrobrás, por exemplo, passou de monopólio estatal para 60% privada e, da parte privada, 40% em mãos estrangeiras.

Atualmente o processo é diferente. Os trabalhadores formam grupos para investir, fazendo depósitos mensais por algum período, compram títulos de fundos de investimento ou, ainda, aplicam individualmente através da internet. É possível, assim, comprar e vender ações sem sair de casa, ou no próprio trabalho.

Aos poucos, o que era uma forma de renda extra torna-se um jogo de apostas, como um bolão de jogo de futebol. E, pior, pode-se “jogar na bolsa” sem dinheiro. Basta comprar e vender no mesmo dia, antes do fechamento do pregão. Dessa forma a conta bancária do “jogador” não é movimentada. O único problema é que, se as ações desvalorizarem, haverá perda certa do dinheiro, o que muitas vezes acontece.

O incentivo vem de todos os lados
A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) promove palestras nas empresas, distribui cartilhas especiais e programa visitas de grupos às suas instalações. Grandes empresas liberam seus empregados para assistirem tais palestras, realizadas em horário de trabalho e convencem os funcionários a comprarem suas próprias ações, pois assim “patrões e trabalhadores podem crescer juntos”. Afinal, conforme a ideologia patronal, estamos todos no mesmo barco…

Já o governo Lula propicia que tudo isso aconteça, ao favorecer o aumento do lucro das empresas privadas, através de incentivos fiscais, isenção de impostos, leis e, principalmente, o apoio à exploração dos trabalhadores com a implantação das reformas neoliberais. O carro chefe de desenvolvimento do governo, por exemplo, é um grande programa de privatização da infra-estrutura do país, o PAC. Fazem parte do PAC as obras de transposição do Rio São Francisco e de construção das hidrelétricas no rio Madeira, que irão causar grandes desastres ecológicos.

“O bem-estar social e o mercado de ações”
Sob o sugestivo título acima, a Bovespa reproduz os argumentos, tão antigos quanto o próprio capitalismo, para convencer os trabalhadores a aplicar suas poupanças na bolsa. O primeiro é: “Investimentos através do mercado acionário geram novos empregos e a expansão do setor privado” .

Isto é, cada um de nós, ao comprar ações, estaria ajudando alguém a arrumar um emprego, fortalecendo o setor privado, o que “possibilita a reorientação dos recursos do setor público para as camadas e setores menos favorecidos”. Além de gerar empregos diretos, o investimento acionário ajudaria os mais pobres, pois o Estado não precisa preocupar-se com os setores da sociedade onde reina a “iniciativa privada”.

É muito fácil verificar a falsidade de argumentos desse tipo. Historicamente, a quantidade de empregos criados pelo capital, em relação à população apta, é cada vez menor. O desemprego, hoje, é permanente para uma população de aproximadamente 10% em todo o mundo, chegando a 20% em capitais como São Paulo. A razão disso é que os investimentos não são usados para gerar empregos, mas para comprar máquinas para automatizar a produção e, assim, aumentar o desemprego.

Em 1999, no auge de um ciclo de crescimento econômico e de valorização da Bolsa de Nova Iorque, 675 mil vagas foram cortadas. Ironicamente, foi justamente a divulgação do aumento do desemprego em dezembro de 2007 nos EUA que derrubou as bolsas em todo o mundo, movimento que continua até hoje. Este é o “papel social” do mercado de ações.

A liberação do Estado para investimentos na era social é um argumento ainda mais cínico. Basta olhar para as privatizações realizadas por FHC, onde as empresas vencedoras dos leilões compraram as estatais com dinheiro do próprio Estado, através de “empréstimos” do BNDES. Ou o PAC de Lula, completamente financiado pelas Parcerias Público-privadas, onde o setor público entra com o dinheiro e o privado com o lucro.

Mas a cara de pau não pára por aí. A Bovespa elogia a reforma previdenciária de Lula, que privatizou os Fundos de Pensão. Segundo sua publicação, “nos mais diversos países, a Previdência pública entrou em crise e a solução tem sido substituí-la ou complementá-la com a Previdência privada”, refletindo em “melhorias nos modelos de arrecadação e remuneração, … onde particularmente se destaca o crescimento das aplicações em ações”. Nada mais claro. A privatização dos fundos de pensão teve o objetivo de expropriar o dinheiro da população investido na seguridade social pública e transformá-lo em capital, em benefício da propriedade privada.

Descentralização da propriedade ou concentração de capitais
Resta, por fim, o argumento de que a venda de ações transforma a propriedade de alguns na de muitos. Há uma parte de verdade nisso. Em 1916, Lênin dizia que “o capitalismo em sua fase imperialista conduz em cheio à socialização da produção; arrasta, por assim dizer, os capitalistas, contra sua vontade e consciência, a certo regime social novo, de transição da absoluta liberdade de concorrência à socialização completa”.

Mas existe outro aspecto, que os capitalistas não gostam de mencionar: “A produção passa a ser social, mas a apropriação continua sendo privada. Os meios sociais de produção seguem sendo propriedade privada de um reduzido número de indivíduos. Conserva-se o marco geral da livre concorrência formalmente reconhecida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre o resto da população faz-se cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável”.

Este é o outro segredo das sociedades por ações. Enquanto utilizam a venda de ações para aumentar seu capital, que acaba sendo capital social, reduzem cada vez mais o número de proprietários, com a formação dos grandes monopólios e oligopólios, sempre privados. Lênin explica como isto ocorre, a partir do exemplo do Deutsch Bank (Banco Alemão): este tinha, no início do século 20, participação acionária em outros 30 bancos, dos quais 14 participam em 48 e, ainda, 6 desses participam em mais 9. Assim, o principal acionista do Deutsch Bank pode controlar mais 87 bancos, tendo a maioria das ações apenas do primeiro. Segundo o economista alemão Heymann, reproduzido por Lênin, “é possível, sem possuir um capital demasiadamente grande, dominar sobre ramos gigantescos da produção. Com efeito: se a posse de 50% do capital é suficiente para controlar uma sociedade anônima, basta ao dirigente possuir apenas um milhão para estar em condições de controlar oito milhões de capital das “empresas netas”. E se este parentesco vai ainda mais longe, com um milhão pode-se controlar 16 milhões, 32 milhões, etc.”.

O resultado desse efeito dominó é uma concentração cada vez maior. Em 1909, na Alemanha, apenas um cartel de produção de carvão dominava 95,4% da produção. A situação não mudou desde então, desmentindo o mito de que a venda de ações descentralizaria a propriedade. Em 1984, segundo Chesnais, doze empresas de automóveis respondiam por 78% da produção mundial, enquanto seis fabricantes de pneus por 85 %. No setor de materiais médicos, em 1989, apenas sete empresas eram responsáveis por 90 % da produção, e oito empresas fabricavam 69 % do poliestireno de todo o mundo!

Um tiro no pé
A maioria dos trabalhadores que aplicam na bolsa não se preocupa com esta situação. O que querem, dizem “é receber a minha parte”, aguardando a distribuição dos dividendos ou, o que é mais freqüente, vendendo as ações quando estão em alta.

Em geral, se descontarmos os movimentos especulativos, as ações sobem quando as empresas aumentam seu lucro, o que coloca os trabalhadores numa situação contraditória, principalmente aqueles que compram ações das empresas onde trabalham. As empresas aumentam seus lucros quando utilizam novas máquinas com maior produtividade, ou um novo sistema de produção ou, na maioria das vezes, quando montam mecanismos para aumentar a exploração dos trabalhadores.

Em todos os casos, o resultado é o aumento do grau de exploração dos trabalhadores. Em resumo, para que as ações subam é necessário que os salários baixem. Isto faz de cada acionista individual um inimigo da classe trabalhadora, mesmo quando for o próprio trabalhador. Se este for acionista de sua própria empresa, a contradição chega num limite, pois seu próprio salário é rebaixado para que suas ações subam de valor. É como se um jogador de futebol atuasse meio tempo em cada time. O único resultado que lhe interessa é um empate, mas na luta de classes esse resultado não existe. O trabalhador não ganha nunca quando joga no time da Bolsa, pois sua classe não detém o controle das empresas nem da própria bolsa.

Um exemplo talvez deixe essa situação mais clara. De 1996 a 2000, o índice Nasdaq, que mede o valor das ações das empresas de informática nos EUA, subiu de 600 a 5.000. Em março de 2000 ocorreu o “estouro da bolha especulativa” e em poucos meses o índice caiu para 2000, para recuar a 800 dois anos depois, praticamente a mesma situação de 1996. Ações de empresas como a Microstrategy caíram de US$ 3500 para US$ 4! Nessa quebra, a quantia incalculável de US$ 3,33 trilhões evaporou das mãos dos investidores, valor equivalente a um terço das residências dos EUA. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos e suas poupanças de toda a vida, aplicadas em fundos de investimento e fundos de pensão, que são a principal forma de captação de dinheiro da população para a compra de ações.

Mas, alguns saíram ganhando com essa bolha estourada. Foram os grandes capitalistas que aproveitaram a quebra para comprar empresas falidas e concentrar ainda mais a economia. Dessa forma, o círculo do sistema capitalista se fecha, e o resultado é sempre o mesmo: aumento da concentração de capital, com conseqüente aumento da exploração e da pobreza da classe trabalhadora.

Quem controla quem?
Uma das principais fábulas disseminadas pelo capitalismo é que as bolsas de valores servem para regular e prever o funcionamento da economia, evitando turbulências. É a famosa ação da “mão invisível” do mercado. Segundo a Bovespa, o mercado acionário proporciona “os meios para prognosticar as taxas futuras de crescimento do capital, da produtividade e da renda per capita”.

Lênin já havia alertado para a farsa do papel da bolsa como reguladora da economia na era imperialista. Segundo ele, “substituição do velho capitalismo, no qual reinava a livre concorrência, pelo novo capitalismo, no qual domina o monopólio, se expressa na diminuição da importância da bolsa… O velho capitalismo, com seu regulador absolutamente indispensável, a Bolsa, passa para a história”. Seu papel, agora, seria desempenhado pelos monopólios e, principalmente, pelos grandes bancos.

Uma notícia traz essa afirmação para os dias atuais. Em 2007 a Bovespa abriu seu capital, transformando-se, também, numa sociedade anônima. A partir daí, suas ações passaram a ser negociadas na própria bolsa que, seguindo sua própria lógica, passaram a ser compradas por indivíduos, fundos de investimento, e… pelos monopólios, principalmente as instituições financeiras.

Portanto, a Bovespa, com a inevitável concentração de capitais que se seguirá, passará a ser controlada acionariamente por meia dúzia de magnatas financeiros que irão manipulá-la segundo seus interesses. Resta apenas a pergunta: quem controla quem?