Novo livro de Alejandro Iturbe contribui para analisarmos a forte ligação entre Estados rentistas e mercados financeiros, aspecto fundamental para a compreensão do fôlego da crise atualO Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial
Alejandro Iturbe
2009, Ed. Sundermann, Coleção 10
Formato: 11,5 X 15,4 cm

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“A crise econômica já acabou!”. Todos os dias é preciso repetir a mesma mensagem, em todos os canais de comunicação e nas falas de todos os membros do governo Lula. Crise estranha essa, que precisa ser enterrada todos os dias e com tanta insistência.
Não resta dúvida de que o Brasil tem apresentado nos últimos meses sinais de aquecimento da economia se compararmos com o final de 2008 e início de 2009. No entanto, enquanto os principais mercados do mundo estão apenas entrando em uma prolongada recessão, a ideia de que a crise no Brasil já acabou é apenas a “tese do deslocamento” revisitada.

Tal tese afirmava que os países periféricos, principalmente os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) não seriam afetados pela crise em função do bom desempenho e estabilidade das suas economias nos anos anteriores. O crescimento econômico do Brasil nos últimos anos foi justamente por causa do seu acoplamento à economia mundial, como grande fornecedor de matérias primas cotadas no mercado financeiro (commodities).

Em última instância, a tese do desacoplamento é um subproduto de uma concepção mais ampla, de forte caráter ideológico: a de que não seria mais possível entender a economia mundial pela relação de dependência dos países periféricos frente aos países centrais. Em outras palavras: a de que a teoria do imperialismo seria algo ultrapassado na nova configuração internacional.

É com o objetivo de contribuir para a compreensão da crise atual que a editora Sundermann acaba de publicar o livro O Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial, de Alejandro Iturbe.

O capital financeiro: crise de identidade
O autor retoma as análises de Marx, Hilferding e Lênin sobre o tema, destacando o caráter histórico do desenvolvimento do capitalismo em sua fase imperialista.
Afinal, o que são capital bancário, fictício e financeiro e quais suas relações com o processo de acumulação? A necessidade de uma precisão destes termos não se deve a purismo acadêmico, mas de localizar que elas nada mais expressam do que formas específicas de relações sociais. Como lembra o autor, as várias formas do capital traduzem uma “divisão de trabalho” entre setores burgueses.

Um forte equívoco criticado por Iturbe é a crença na contradição entre dois tipos de burguesia: uma produtiva e outra parasitária. De um lado, haveria um capital produtivo, baseado na geração de empregos e de riqueza real. Do outro, um capital parasitário, aquele que se alimenta da bolha financeira e da especulação. De um lado, um capital empreendedor, do progresso e da prosperidade. Do outro, a rapina, acumulação “sem produzir um botão”, como disse Lula.

De um lado, o capital que aceita as regras do jogo: o capital dos baixos salários, da superexploração do trabalho, da terceirização e do banco de horas. Do outro, o capital cujo defeito seria burlar as regras do jogo, ou seja, acumular sem explorar o trabalhador.

A culpa da crise atual seria responsabilidade do capital especulativo-parasitário: ao burlarem as regras do jogo, acabaram com o próprio jogo. Seu erro teria sido querer ir além da mais-valia. Quanta desonestidade!

O conceito de capital financeiro descreve muito mais uma mesma burguesia que oscila constante de humor do que duas burguesias em conflito. Como destaca Iturbe, “é preciso lembrar que o conceito de capital financeiro implica a fusão altamente centralizada dos capitais bancários e produtivos, com o predomínio dos primeiros. Se considerarmos o grande capital, especialmente o imperialista, a burguesia bancária (financeira), é também industrial e vice-versa”.

Diferente de uma contradição entre produção e finanças, existe uma complementaridade entre estes dois momentos da acumulação do capital, inclusive no interior das próprias corporações. Mesmo nas empresas “produtivas”, as atividades financeiras ocupam um papel cada vez maior. No caso do Brasil, por exemplo, 57% do faturamento das principais empresas são decorrentes das suas atividades financeiras (Carta Capital, n° 556).
Não se trata de negar a i
mportância da hipertrofia do sistema financeiro atual e o seu peso para a eclosão da crise. Pelo contrário. A compreensão da natureza do capital financeiro e do seu papel hegemônico é um passo neste sentido. No entanto, como sempre nos lembra Marx, o problema não é de medida, mas de entender qual é de fato a contradição da sociedade burguesa: é a relação entre produção e finanças ou a relação entre capital e trabalho?

Quando se transfere a contradição capital-trabalho para a produção-especulação, além da mistificação do capital produtivo, sua conseqüência política também é a mistificação do Estado regulador, como instrumento capaz de resolução das crises do capital.

O Estado rentista
Outro mérito do livro de Iturbe é destacar o caráter rentista dos Estados imperialistas, aspecto fundamental para compreender não só as causas da crise atual, mas as saídas operadas por estes países.

O Estado rentista, na acepção de Lênin, implica a capacidade das burguesias dos países imperialistas de se apropriarem das riquezas dos países periféricos por meio da remessa de capitais em direção ao centro. Este processo se dá de variadas formas, mas todas reforçam a mesma tendência: as burguesias imperialistas conseguem acumular para muito além dos investimentos em seus próprios países, dividindo o mundo em países credores e devedores.

A novidade deste processo é o papel que joga a dívida pública americana, demonstrando um equilíbrio fortemente instável do seu Estado. Ao mesmo tempo que sua dívida nunca cresceu tanto quanto atualmente, por outro lado se tornou um mecanismo de exportar a crise para outros países, por meio do uso dólar como moeda mundial. A desvalorização do dólar frente às moedas fortes, como o euro, contribui para facilitar a exportação dos produtos americanos e para desvalorizar a própria dívida pública.

Além disso, os maiores credores desta dívida, como é o caso da China, estão em uma armadilha difícil de sair: se param de comprar os novos bônus do tesouro americano, dificultam a capacidade do Estado de pagar as dívidas antigas; se vendem uma parte destes papéis, desvalorizam todo o restante, criando um prejuízo ainda maior. Resta a eles continuar financiando a dívida americana, adiando mais o enfretamento de um problema colossal.

Como se pode perceber, não só a crise está longe de acabar como ela será resolvida no palco da política internacional e, principalmente, na tentativa dos países centrais de exportarem a crise para a periferia. Da última que vez que isso ocorreu de modo generalizado, recaiu na América Latina como uma bomba: super-inflação e explosão da dívida pública durante a década de 1980.

O Sistema Financeiro e a Crise da Economia Mundial
Alejandro Iturbe
2009, Ed. Sundermann, Coleção 10
Formato: 11,5 X 15,4 cm

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