Na mesma semana em que a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e o vice-presidente José Alencar deram lamentáveis declarações sobre o racismo no Brasil (leia matéria no site), um episódio ainda mais deplorável demonstrou a real dimensão do problema: estudantes africanos da Universidade de Brasília foram vítimas de um atentado racista e xenófobo

A madrugada do dia 28 de março, quarta-feira, não será esquecida na Universidade de Brasília e em todo país. Às 4h da madrugada, três apartamentos da Casa do Estudante Universitário (CEU), habitados por dez estudantes africanos, vedados com toalhas encharcadas em gasolina, foram lacrados com tijolos e incendiados. Numa demonstração mais que evidente da intenção homicida dos criminosos, antes disso, os extintores de incêndio dos andares em que os apartamentos se encontram (dois no primeiro e um no segundo) foram esvaziados.

Ninguém saiu ferido, mas a tentativa de assassinato e o terrorismo moral deixaram todos perplexos, apesar de não terem surpreendido os estudantes africanos, que afirmam os casos de racismo e xenofobia não são novos nem raros: as janelas de seus apartamentos já foram quebradas, as portas dos quartos foram pichadas com cruzes e escritos racistas e, em fevereiro, muros do CEU foram pichados com frases como “Morte aos estrangeiros”.

Os casos de racismo e xenofobia na UnB tem se multiplicado devido a cúplice omissão da reitoria. Foi o próprio reitor da universidade, Timothy Mulholland, por exemplo, que declarou à imprensa que já tinha conhecimento das ameaças e ataques aos africanos há pelo menos seis meses (O Estado de S. Paulo, 30/3/07). No ano passado, quando um professor de Ciências Políticas escandalizou a universidade ao ser acusado de racismo em sala de aula, a reitoria fez todo o possível para abafar o caso e nenhuma providência foi tomada.

Também são vários os relatos de estudantes negros sobre a dificuldade de acesso ao reitor e do descaso com que são tratados sempre que tentam fazer alguma queixa.

“Não vamos deixar passar em branco”
Assim que o dia amanheceu e a notícia correu pelo campus, a indignação tomou conta do movimento estudantil. A mobilização começou na hora do almoço, com pouco mais de 15 pessoas, reunidas em um ato convocando para o Restaurante Universitário.

Logo, o grupo foi crescendo. Por todo lado se ouvia: “Não podemos deixar isto passar em branco”. Quando mais de 300 já haviam se reunido, uma passeata uma passeata foi organizada, partido do Centro Acadêmico de Sociologia.

Embalados por palavras de ordem como “Brasil, África, América Central, a luta do negro é internacional”, os estudantes ocuparam o auditório no qual a reitoria promovia um seminário, juntamente com o MEC, com o propósito de propagandear a Reforma Universitária e a “Universidade Nova” propostas pelo governo Lula.

Depois disto, a passeata continuou, fazendo um arrastão pelo Instituto Central de Ciências (conhecido como “Minhocão”), passando em salas de aula e aglutinado mais e mais estudantes. Quando chegou à reitoria, a manifestação já contava com cerca de 2 mil pessoas, o que obrigou o reitor Mulholand a receber os participantes da passeata.

Mullholland ouviu as críticas e a pauta de reivindicações, se comprometendo a cumprir algumas delas, como punir os autores do crime, expulsando-os caso sejam alunos da UnB; apresentar uma série de medidas para conter a xenofobia e o racismo na instituição e instituir 28 de março como “Dia da Igualdade Racial”, no campus.

No entanto, quando uma estudante pediu para que ele se desculpasse em nome da UnB, a única coisa que se ouviu foi um contundente silêncio de cumplicidade, seguido de uma fragorosa vaia. Ou seja, pressionada por uma situação limite, a reitoria foi obrigada a se pronunciar, mas isto não significa, de forma alguma, que a UnB está disposta a assumir sua parcela de responsabilidade nesta lamentável história.

Racismo só se combate com luta
O Diretório Central dos Estudantes da UnB, “dirigido” pelo PT e pelo PCdoB manteve sua postura de sempre: manteve suas portas fechadas para os estudantes e suas reivindicações. Do ato, só um ou outro diretor ou diretora foram vistos no meio da multidão.

E pior: não queriam que fosse chamada uma assembléia geral para organizar a luta contra esse gravíssimo episódio. Algo inaceitável, pois não responder de forma enérgica e contundente a esta tentativa de assassinato não só pode estimular outros ataques, como também significa adotar uma posição de covarde cumplicidade com os racistas.

Para nós do PSTU, e particularmente de sua Secretaria de Negros e Negras, a postura do DCE não é, de forma alguma, surpreendente. Afinal, à frente dele estão os mesmos partidos responsáveis pela ocupação do Haiti; pelo aumento do abismo entre negros e brancos, através da aplicação das reformas neoliberais e, inclusive, por episódios igualmente xenófobos e racistas, como a deportação, em 2004, de jovens africanos que haviam lutado por sua vida para chegar ao Recife depois de terem sido jogados ao mar por viajarem clandestinamente em um navio.

Por isso, conclamamos a comunidade universitária da UnB, as entidades dos movimentos negro, popular e sindical e a população de Brasília a se mobilizarem contra mais este crime racista no Brasil. Para tal, um primeiro e importante passo é a participação na assembléia convocada, apesar da omissão do DCE, para a próxima quarta-feira, 4 de abril, a partir das 12 horas.

Além disso, é fundamental o envio de mensagens de repúdio aos endereços abaixo.

  • Secretaria Especial para Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR) – [email protected]
  • Reitor Timothy Martin Mulholland – tel.: (61) 3307 2600 / 2210 – [email protected]
  • Professora Doutora Jaci Toffano (Chefe de Gabinete) – tel.: (61) 3307 2600 /2210 – [email protected]
  • Antônia Célia Barros (Assuntos Externos) – tel.: (61) 3307 2600 / 2210 / 1750 – [email protected]
  • Movimento Estudantil da UnB: [email protected]
  • Secretaria Nacional da Conlutas (at.: GT de Negros e Negras): [email protected]

    ASSISTA AO VÍDEO DO ATO: