Imagem do Programa Deter mostrando queimadas na Amazônia.

Jeferson Choma, da redação

Na semana passada, Bolsonaro não gostou dos dados apresentados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) que identificaram o aumento do desmatamento da Amazônia. Disse que os dados “não correspondem a verdade”, que seu objetivo seria fazer “propaganda negativa do Brasil”, e que o instituto deveria estar “a serviço de uma ONG”.

Os dados preliminares de satélites do Inpe demonstram que mais de 1.000 km² da floresta tropical foram derrubados na primeira quinzena de julho, um aumento de 68% em relação a julho do ano passado. O verão amazônico, período de estiagem na região, começou em maio/junho e vai até meados de setembro/outubro. É nesse período que ocorrem grandes incêndios e destruição da floresta.

Pouco depois , Ricardo Galvão, presidente do Inpe, chamou as declarações de Bolsonaro de “atitude pusilânime e covarde’, e disse que suas declarações são como “conversa de botequim”. Também negou que pediria demissão por conta das bobagens ditas por Bolsonaro. Logo em seguida, o astronauta Marcos Pontes, atual ministro da Ciência e Tecnologia, criticou o presidente do Inpe e o chamou para prestar esclarecimento.

Os ataques de Bolsonaro ao Inpe mobilizaram a comunidade científica brasileira e internacional. Várias cartas de solidariedade foram enviadas ao Instituto. Mas o que está por trás dos ataques contra um dos mais prestigiados instituto de pesquisa do país? O próprio Bolsonaro respondeu a questão alguns dias depois. Disse que os dados pegaram o governo com as “calças curtas” e que eles “dificultam” negociações comerciais conduzidas pelo governo brasileiro com outros países, citando o acordo fechado recentemente entre o Mercosul e a União Europeia. Por trás de todo discurso obscurantista e demagógico há profundo interesses econômicos. Neste caso, o aumento do desmatamento da Amazônia, na visão de Bolsonaro, não pode vir a público para não prejudicar os interesses do agronegócio, uma vez que há cláusulas  no acordo Mercosul-UE que impõe restrições comerciais caso aumente a destruição da Amazônia. “Então o Inpe está atrapalhando o desenvolvimento do Brasil”, diria um fanático seguidor de Bolsonaro, sem questionar que aumento das exportações de soja, milho, carne ou minérios não levam e nunca levaram a nenhum tipo de desenvolvimento. Só conduzem a destruição e a transformação do país em uma colônia fornecedora de matérias-primas.

A divisão internacional do trabalho recriou a velha plantantion de exportação, agora fundida com a grande empresa capitalista. Enquanto o Brasil enfrentou um processo parcial de desindustrialização nas últimas décadas, ao mesmo tempo tornou-se um grande produtor de produtos primários para o mercado externo. Comprometido até a médula dos ossos em transformar o Brasil em uma colônia de Trump, Bolsonaro fomenta o “liberou geral” para os grandes fazendeiros avançarem na destruição da maior e mais diversa floresta tropical do mundo. Por essa razão, o Ibama vem diminuindo as multas ambientais, enquanto Bolsonaro e seus asseclas insistem em dizer que vão diminuir Terras Indígenas e Unidades de Conservação. O resultado inevitável não será a explosão do desmatamento, mas também dos conflitos territoriais e mortes no campo. Aliás, o Brasil já é campeão em matar ambientalistas, com 57 ativistas assassinados em 2018.

Mas justiça seja feita. Bolsonaro não é o primeiro a atacar o Inpe. Em 2014, Dilma Rousseff, então candidata à reeleição em 2014, determinou que a divulgação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia fosse adiada. Queria esconder a prova do seu compromisso a favor dos ruralistas.

Qual é o papel do Inpe nisso tudo? Com quase 60 anos de história, o Instituto se notabilizou em desenvolver pesquisas de sensoriamento remoto. Atualmente, o Inpe utiliza três sistemas para mapear e acompanhar o desmatamento: o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) e o sistema de mapeamento do uso e ocupação da terra após o desmatamento, o TerraClass.

Mapa-da-distribuição-espacial-das-áreas-com-aumento-e-redução-de-chuva-temperatura-e-queimadas-nos-anos-de-2010-2015-e-2016

O PRODES realiza o inventário de perda de floresta desde 1988, utilizando imagens geradas por um satélite de observação da Terra. Todo mês de dezembro, o Inpe publica uma estimativa da taxa de desmatamento dos últimos doze meses. Já o DETER é um sistema de apoio à fiscalização e ao controle do desmatamento na Amazônia que produz diariamente alertas de alteração na cobertura florestal para áreas maiores que 3 hectares. Essas informações são repassadas ao Ibama para orientar suas ações de fiscalização. Por fim, o TerraClass realiza o mapeamento das áreas desmatadas apontadas pelo PRODES para identificar o uso da terra, ou seja, se essas áreas estão sendo utilizadas para agricultura ou pastagem, por exemplo.

O Inpe disponibiliza gratuitamente os dados coletados pelos programas, como se pode ver aqui.

Além disso, o Instituto é responsável por desenvolver o programa espacial brasileiro. Desde a década de 1980, desenvolveu pesquisas que resultaram no primeiro satélite brasileiro, o Satélite de Coleta de Dados 1 (SCD-1), lançado em 1993; na criação do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), fruto da cooperação entre Brasil e China, lançado em 1999. Também produziu componentes para a construção da Estação Espacial Internacional (International Space Station – ISS).

O mais novo desafio do Inpe é o lançamento do satélite Amazônia-1. É o primeiro satélite de Observação da Terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil, capaz de observar uma faixa de aproximadamente 850 km com 60 metros de resolução. O lançamento do satélite Amazônia-1 está previsto para 2020, e sua missão é justamente observar e monitorar o desmatamento especialmente na região amazônica.

Satélite Amazônia 1 totalmente desenvolvido com tecnologia nacional.

Se Bolsonaro pudesse acabaria com o Inpe e entregaria toda essa pesquisa para Trump, como um bom capacho que é. Aliás, o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já declarou que pretende trocar o Inpe por uma empresa privada para monitorar o desmatamento da Amazônia. Lembrando que Salles é réu na justiça de São Paulo por ter fraudado mapas para diminuir áreas de conservação ambiental e beneficiar amigos empresários quando ocupava a Secretaria do Meio Ambiente do estado. Essa é a corja que pretende entregar nossas riquezas, a biodiversidade amazônica (ainda desconhecida e pouco estudada) e a tecnologia desenvolvida arduamente no país por alguns sacos de soja.