Com a ruptura da maioria das forças políticas de oposição ao governo Lula, a CUT transforma seu décimo congresso num fórum bipartite e faz chamado oportunista para que a esquerda retorne à centralO processo de anexação da CUT ao aparelho do estado burguês segue com uma velocidade assustadora. No seu décimo congresso, ocorrido nos dias 3 a 7 de agosto, a central selou a sua falência enquanto organização dos trabalhadores.

Bem diferente do que acontecia durante o ascenso dos anos 1980, quando ainda era possível se fazer um debate classista e com independência frente a patrões e governos, o 10º CONCUT demonstrou ser – sem qualquer mediação – um fórum bipartite, onde trabalhadores e governo debatem soluções negociadas para os problemas da classe.

A CUT, nos seus primórdios, sempre defendeu que os trabalhadores deveriam levantar suas bandeiras imediatas e históricas para, a partir daí, construir as lutas e mobilizações que exijam e arranquem dos patrões e dos governos essas reivindicações. Mas a ação direta e a independência de classe são princípios absolutamente esquecidos pela CUT.

Um congresso assumidamente governista
Para se ter uma ideia do grau de promiscuidade da CUT com os interesses patronais e dos governos, basta olhar para a programação do Congresso. Nas mesas temáticas, estiveram presentes Luiz Dulci, secretário nacional da presidência da República, e a senadora Marina Silva (PT). Além deles, participaram como convidados os ministros Carlos Minc, do Meio Ambiente, e Edson Santos, da Igualdade Racial.

O governo Lula sentiu-se tão em casa no CONCUT, que a ministra e presidenciável Dilma Roussef não pode estar presente, mas gravou um vídeo que foi exibido na abertura. A apresentação levou os delegados governistas a gritar o nome da ministra em êxtase após a exibição.

Mas o governismo da CUT não se resume às demonstrações de compadrio. Os cutistas acham importante registrar isso em documentos e o fizeram no balanço político da sua atuação, através do “Texto Base da Direção Nacional da CUT” ao congresso. Nele, os cutistas reafirmam o suposto acerto do apoio dado a Lula, ignorando a política de criminalização do movimento e os ataques que esse governo imprimiu contra os trabalhadores: “Fruto de um intenso debate, o 9º CONCUT apostou, com acerto, no apoio à continuidade do projeto democrático-popular representado pelo governo Lula”.

Sem independência política e com a democracia interna rasgada em mil pedaços, a CUT referenda conscientemente a sua opção de apoio à construção do projeto burguês do PT de administração do capitalismo, de orientação neoliberal e confirma a caracterização de todos os que romperam pela esquerda com a central no último período: trata-se de um instrumento absolutamente decadente e a impossibilidade de dar-lhe outro rumo é irreversível.

A “unidade” da CUT não serve à luta dos trabalhadores
A promiscuidade desavergonhada da CUT com o governo Lula – talvez por ser algo mais do que sabido pelo movimento operário – não foi nem de longe o acontecimento mais marcante desse período de congresso. Durante os preparativos para o início do 10º CONCUT, Arthur Henrique – presidente da Central Única dos Trabalhadores – não economizou nas bravatas em entrevista à revista Caros Amigos.

Arthur – candidato único à presidência da CUT, num momento em que a Articulação reina absoluta na entidade – afirmou, cinicamente, que “espera a volta dos sindicalistas que saíram da CUT e fundaram novas centrais”, mesmo causando alguma turbulência nos mares calmos pelos quais navegam a burocracia sindical governista no interior da CUT e, portanto, mesmo que isso pudesse atrapalhar a tranquilidade da sua reeleição.

O discurso, o mesmo de sempre. A velha e surrada cantilena da unidade cutista. Arthur afirma continuar defendendo o retorno dos militantes que romperam com a CUT, apesar de estes terem feito o que ele classifica como “tentativa de dividir o movimento sindical e a esquerda”, referindo-se, entre outras coisas, à fundação da Conlutas. E mais, diz que seremos bem recebidos de volta à CUT.

De uma coisa não se pode ter dúvida. A veia teatral do presidente da Central Única dos Trabalhadores foi muito bem desenvolvida. Seja pelo cinismo das suas afirmações, seja pela desfaçatez com que conclama a unidade da esquerda ao mesmo tempo em que o seu partido (PT) e a sua corrente (Articulação) se utilizaram da CUT para defender o projeto burguês do governo Lula e a sua política pró-especuladores e empresários, Arthur Henrique mostra de que a CUT tem uma tática consciente para continuar amordaçando a classe trabalhadora: seguir protagonizando uma peça de teatro na qual ela posa de classista e que, portanto, mereceria a confiança dos trabalhadores.

O falatório cutista reforça o discurso autoproclamatório de que a CUT, por ser a maior central sindical da América Latina (em razão do número de sindicatos filiados), detém uma condição de inquestionável, de irrenunciável e, por isso, devemos confiar nela até que ela se esfacele por completo e não reúna mais um sindicato sequer ao seu redor.

Esta é uma elaboração completamente torta do ponto de vista político e também teórico. A partir do momento em que a CUT abandona o programa dos trabalhadores, o princípio da independência de classe, a democracia interna que permitiria que os trabalhadores de base impusessem sua vontade frente à cúpula de dirigentes que hoje controla a central, e todo o seu legado classista e de luta pelo socialismo, o tamanho da CUT não só é secundário para essa discussão, como se transforma num elemento que prejudica os trabalhadores. Afinal, ter uma organização do tamanho da CUT se colocando contra os interesses da classe não é nada fácil para quem já tem de enfrentar a burguesia e os governos.

Ao afirmar que os que reivindicam a Conlutas dividem a esquerda por terem rompido com a CUT, Arthur Henrique se utiliza de um método politicamente desonesto, mas que ainda encontra eco no movimento. Arthur parte de um pressuposto geral que a CUT “reúne a maioria dos trabalhadores brasileiros” e, a partir daí, desfere suas críticas aos que supostamente dividiram a entidade e enfraqueceram a luta por terem optado por construir outra ferramenta.

Isso seria legítimo se Arthur e os cutistas não ocultassem, deliberadamente, uma parcela importante desse debate. O que eles não dizem é que a CUT há muito tempo deixou de reunir os trabalhadores nas suas instâncias. A cada ano que passa a CUT vai ficando cada vez mais restrita a dirigentes sindicais acomodados e burocratizados, perdendo o contato com a base e com o debate vivo que deveria existir entre os trabalhadores e a central.

Não dizem que a CUT abandonou as bandeiras históricas da luta da classe trabalhadora e também que já não ocupa um lugar na esquerda. Ora, como uma organização que defende uma reforma da Previdência (como a CUT defendeu em 2003) que retira direitos dos trabalhadores pode ser de esquerda? Como pode defender os trabalhadores uma central sindical que coloca os interesses do governo de turno à frente dos interesses da classe? Esses questionamentos, Arthur e seus companheiros também não respondem.

E não respondem por um motivo simples. Porque é impossível dizer que a CUT não é governista e que hoje não é controlada de forma absoluta pelo PT, desde o Palácio do Planalto. Como expressão cabal disso, temos o episódio recente da demissão em massa na Embraer. Três dias antes da demissão sumária de 4.270 trabalhadores da empresa, o próprio Arthur reuniu-se com Lula para discutir as demissões que seriam anunciadas em breve. Qualquer dirigente sindical digno da representação que os trabalhadores lhe delegaram informaria da decisão tomada pela empresa, denunciaria a parcimônia do governo e organizaria minimamente a resistência dos trabalhadores contra esse ataque. O papel de Arthur foi calar-se e ocultar esse fato dos trabalhadores. Um crime de traição fruto da subserviência total ao seu companheiro Lula, que afirmou nada poder fazer para reverter as demissões e ainda deu mais dinheiro público para a Embraer.

Essa obediência canina que vem desde o seu presidente é um comportamento padrão dentro da Central Única dos Trabalhadores. A CUT, que já vinha em franco processo de burocratização mesmo antes da chegada de Lula ao poder, adaptou-se mais aceleradamente e de forma ainda mais assustadora ao governo e ao aparato estatal a partir de 2002. A democracia no interior da central, que já era amplamente questionada, foi aniquilada por completo, de forma que se tornara impossível mudar a CUT por dentro. E a tendência é que episódios como os que ocorreram no 10º CONCUT tomem ainda mais corpo e se tornem cada vez mais naturais.

Portanto, a unidade tão desejada pela CUT nada tem a ver com o conceito histórico de unidade da classe trabalhadora. A unidade dos trabalhadores não é um conceito abstrato que se faz com base em nada ou na simples unidade pela unidade. Ao conclamar “trabalhadores de todo mundo, uni-vos”, Karl Marx coloca como condição a unidade em torno de princípios, dentre eles a independência de classe, a democracia operária e tantos outros que a CUT já não conhece mais. Assim sendo, a grande vilã da unidade da classe trabalhadora nessa história é a própria CUT, que renunciou organizar os trabalhadores ao redor das suas aspirações para cumprir o papel de escudo de um governo que ataca a classe trabalhadora, se achando ainda no direito de criticar os que procuram levantar as bandeiras dos trabalhadores que um dia a própria CUT levantou.

A briga por espaço político vem antes da democracia
Longe da construção das lutas da classe trabalhadora, a CUT vai se resumindo a um departamento institucional do governo Lula, onde a discussão central é sobre o espaço que os dirigentes devem ter na central enquanto representação política. Na mesma entrevista à Carta Capital, Arthur Henrique deixa muito claro qual o debate que realmente tem relevância hoje no interior da CUT.

Tentando dar respostas ao problema da completa falta de democracia dentro da central, Arthur tenta desmentir essa realidade com provocações a José Maria de Almeida, Coordenador da Conlutas: “Construímos a CUT, justamente para ser uma central única, onde todas as correntes de pensamento político pudessem estar representadas. […] O Zé Maria tinha mais espaço como dirigente da Executiva Nacional da CUT do que como coordenador da Conlutas”.

Mas isso não é tudo. Arthur ainda encontra espaço para alfinetar infantilmente Zé Maria: “Ele não se reelegeu em seu próprio sindicato, em Contagem (Minas Gerais). Acho muito complicado, para um dirigente de uma central sindical não ter um sindicato de base”.

A linha de raciocínio utilizada pelo presidente da CUT simboliza o que se transformou essa entidade. Para Arthur, negociar espaço aos dirigentes de determinadas correntes políticas é a garantia democrática de um debate que contemple a participação dos mais diversos espectros de concepção. Mais ainda. Para Arthur, é preciso ter um sindicato para construir a luta dos trabalhadores ao redor de uma central.

Tudo isso mostra de forma muito clara a que se reduziu a democracia no interior da CUT: uma mera formalidade que está subordinada ao cupulismo. Para justificar a falta de democracia e a truculência imposta pelas correntes governistas (em particular a Articulação, do próprio Arthur), o presidente da CUT sinaliza como funciona o mecanismo aliviador de tensões no interior da CUT. Basta garantir um espaço na Executiva para um dirigente e tudo é resolvido ao final. É com esse tipo de negociata que se consegue arregimentar todas as outras correntes do PT (Articulação de Esquerda, O Trabalho, DS etc.) que tentam se diferenciar da corrente majoritária que está mais à direita, mas que acabam abraçados com a Articulação num bloco dos governistas.

Pior, a provocação infantil de Arthur a Zé Maria deixa transparecer uma concepção que inicialmente está implícita, mas que se expressa claramente ao analisar o conteúdo de suas palavras. Deixando de lado se Zé Maria dirige ou não algum sindicato, Arthur simplesmente secundariza a possibilidade das instâncias democráticas dos trabalhadores elegerem seus representantes. Para ele, sem estar de posse política de um sindicato, um militante não teria legitimidade para ocupar um lugar de destaque numa central ou na luta mais geral dos trabalhadores, ignorando completamente o critério histórico de eleição de representações pelas bases, seja ou não em nome de quem dirige uma entidade sindical.

Mas nada disso é novidade. As palavras do presidente da CUT nada mais são do que a expressão fiel da concepção que essa central desenvolveu ao longo dos últimos anos. E é justamente por isso que a CUT hoje não é lugar para os ativistas honestos.

Para nós que construímos a Conlutas, o critério do espaço político às lideranças não é nem de longe o primordial nesse debate. Ainda que tivéssemos menos espaço do que temos hoje na Conlutas, em relação ao que teríamos na CUT, não abriríamos mão desse projeto. Ainda que dirigíssemos um sem número de sindicatos, esse não seria o critério direto utilizado para nomear nossos representantes.

Para nós, o importante é construir uma ferramenta que preserve um programa classista e independente, onde tudo e inclusive a eleição dos representantes sejam feitos através das instâncias democráticas das entidades de base. Ter espaço numa entidade que não representa os trabalhadores e nem coaduna com esse programa é o mesmo que dar uma colher de plástico para extrair petróleo do solo: as condições dadas pelo instrumento não correspondem à concretização da tarefa que nos propomos a fazer. E isso não interessa aos lutadores.

A demagogia cutista e o imposto sindical
Para coroar toda a chuva de falsificações na sua entrevista à Carta Capital, Arthur Henrique não poderia esquecer da demagogia. Como se não bastassem todos os absurdos proferidos, o presidente da CUT baixa ainda mais o nível político do seu discurso com um impropério sem tamanho, ao afirmar que o PSTU tentou “criar uma correia de transmissão” com a Conlutas.

Simplesmente não dá para levar a sério as palavras do Sr. Arthur Henrique, por dois elementos. O primeiro, é compreensível, pois é por motivo de desconhecimento. O funcionamento da Conlutas garante que todas as correntes, todos os agrupamentos e todos os partidos expressem de forma democrática as suas posições. Essas posições são debatidas e decididas pelas instâncias da central, que são formadas por representantes eleitos nos organismos democráticos das entidades de base. Quem define os rumos da Conlutas são as representações escolhidas nas oposições, sindicatos e organizações que mantêm relação política com a entidade e não pelas instâncias de qualquer partido ou agrupamento.

O segundo, é inaceitável, pois é por motivo de hipocrisia. A CUT hoje não só é controlada pelo PT como sua forma de organização interna é uma garantia para que isso se mantenha indefinidamente. Não poderia ser diferente, pois uma entidade que é dirigida de forma presidencialista, na qual a direção é eleita a cada três anos através da costura de um acordo de forças políticas do PT (que arregimentam seus delegados a partir das direções sindicais) não poderia funcionar de outra forma: como uma correia de transmissão de um partido, e pior, um partido da ordem, que administra um governo neoliberal de frente popular. Antes de falar do que não sabe, Arthur Henrique deveria olhar o seu próprio terreiro para não ser demagogo.

Só que este não é o único e nem será o último dos discursos demagógicos da CUT. Irritado com as rupturas que solaparam inclusive o núcleo de apoio governista e ajudaram a esvaziar mais a CUT, Arthur Henrique também destila o seu veneno contra a CTB, um histórico aliado cutista que inclusive integra o governo Lula: “Não tenho a menor dúvida de que o imposto sindical foi elemento central para a saída da CUT. A CTB, por exemplo, sempre defendeu o imposto sindical”, alfineta.

É verdade que a CTB, desde quando era CSC (Corrente Sindical Classista) e se organizava na CUT, sempre defendeu o imposto sindical. Podemos (e devemos) criticar a CTB por falta de independência de classe ao optar receber milhões que foram retirados compulsoriamente dos bolsos dos trabalhadores a partir de uma concessão do Estado. Mas não podemos chamá-la de hipócrita. Já Arthur, diz que é contra o imposto sindical, mas a CUT nunca saiu do discurso e nunca tirou nenhuma resolução prática que procurasse ir de encontro ao recebimento dos valores do imposto sindical por parte dos seus sindicatos. Embora tente apresentar essa rejeição em discurso, a CUT ainda não fez o mesmo que a Conlutas, que rejeita o imposto sindical e discute claramente a devolução dos valores para os trabalhadores nos seus sindicatos.

Isso Arthur Henrique também não diz. Esconde de forma demagógica mais essa opção da CUT pela colaboração de classes e continua com seus chamados vazios à unidade.

Queremos unidade… Na luta!
O chamado envergonhado de Artur Henrique à esquerda que rompeu com a CUT e constrói a Conlutas às portas do CONCUT não nos coloca na defensiva. Embora sejamos passíveis de erros e equívocos políticos, procuramos ser os campeões da unidade e levamos isto muito a sério.

No entanto, a unidade que defendemos não é a unidade sem critérios, sem princípios. Não é a unidade abstrata. A unidade que defendemos é a que expressa a luta histórica da classe trabalhadora e que deve se dar através de elementos irrenunciáveis, como a independência de classe, a ação direta e a democracia operária.

É a unidade contra os patrões, contra as políticas neoliberais do governo, contra as medidas pró-banqueiro de Lula e a favor dos trabalhadores. É a unidade para derrubar Sarney e pôr um fim à câmara corrupta que é o Senado. É a unidade para construir a solidariedade em torno dos trabalhadores hondurenhos e para exigir a retirada das tropas brasileiras do Haiti. É a unidade para arrancar de Lula medidas que garantam o emprego, que reduzam a jornada de trabalho sem redução de salário e para denunciar a traição desse governo caso não atenda nossas reivindicações. É a unidade para construir o dia 14 de agosto como um dia de lutas e paralisações, que possa colocar os trabalhadores em movimento e apontar para mobilizações cada vez mais fortes.

Enfim, a unidade que queremos é a unidade na luta, que aponte um caminho consequente rumo ao socialismo e não hesitaremos em fazê-la mesmo construindo organizações distintas e mesmo com todas as nossas diferenças. O que não aceitamos – e nem aceitaremos – é abrir mão de um programa de classe para aderir a um projeto burguês de conciliação encabeçado pelo PT e pela própria CUT. A depender disso, o Sr. Arthur Henrique continuará muito bem acompanhado, dividindo o congresso da sua central com defensores da patronal e seus companheiros de governo.

  • Leia o texto base da direção nacional da CUT