As armações para tentar distanciar Lula dos infindáveis escândalos que cercam o governo petista não têm mais limite. E, agora, contam um importantíssimo aliado: a Rede Globo.

Desde sábado, numa sincronia digna de um seriado de TV (que poderia intitular-se “Operação Blindagem”), a Rede Globo contemplou o país com uma série de novos capítulos cujo final pretendido está cada vez mais óbvio: isolar e defender o governo e o PT, jogando, no mesmo lance, Delubio Soares e Marcos Valério na fogueira ardente.

Para compor este cenário, diante da total impossibilidade de manter a farsa montada pelos depoimentos anteriores de Delúbio e Valério, a Globo apresentou uma seqüência de entrevistas: na sexta, entrou Valério, defendendo que, através de um acordo pessoal com Delúbio, emprestou “sem nenhum interesse” milhões de reais para ajudar o PT; no sábado, o próprio Delúbio confirmou a história e, no domingo, apareceu o próprio Lula, com enorme destaque no Fantástico, para declarar seu completo desconhecimento e sua beata inocência diante de toda movimentação que estava sendo feita sob suas barbas.

A tese defendida por todos é bastante simples: o tesoureiro petista (membro da executiva nacional, é importante lembrar) e seu operador movimentaram milhões de reais sem a autorização da Direção Nacional do partido e, com o total desconhecimento dos quadros que estão no governo e, de quebra, montaram um “Caixa 2” para financiar as campanhas e as atividades do partido.

No caso de Lula, em particular, o episódio ganhou ares de “capítulo especial” e, no mínimo, surpreendente. Aparecendo em uma entrevista gravada na França, por uma emissora local que vendeu os direitos à Globo, Lula declarou que há anos “não tem mais nada a ver com o PT”, pois saiu da direção. E mais: a direção nacional do PT pode ter metido os pés pelas mãos porque ficou muito fragilizada depois que os melhores quadros do partido entraram no governo.

Como não é nada fácil fazer com que o país acredite nesta história e, ainda, há uma confissão pública da prática de recolhimento ilícito de dinheiro para o partido do governo, os protagonistas da “Operação Blindagem” ainda defenderam uma outra “idéia”: a de que o “Caixa 2” é um crime menor, até mesmo porque é praticado por todos partidos e, no caso do PT, foi montado a partir de empréstimos legais, e não de dinheiro de corrupção (ou mensalão). Nas palavras de Lula, “o que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito sistematicamente no Brasil”.

Ninguém sabia….
Esta tentativa de isolar o PT e o governo de qualquer hipótese de envolvimento direto com a bandalheira parece ter sido comprada por todos os setores do partido, inclusive a chamada “esquerda petista”. Numa sucessão de impressionantes declarações à imprensa dirigentes dos mais diversos setores do partido se demonstraram indignados e surpresos com a atitude “equivocada” de um de seus ex-dirigentes. Aliás, chega a ser cômico como, de uma hora pra outra, os petistas insistem em se referir à direção majoritária do partido como “ex-direção nacional”.

Numa tentativa igualmente hilária de tentar se distanciar das negociatas entre Delúbio e Valério, os petistas passaram a negar a própria existência do empréstimo. Em reunião realizada pela executiva do PT, na segunda-feira, dia 18 de julho, Tarso Genro praticamente desconsiderou que o “empréstimo” seja devido pelo PT, defendendo que o partido tem, agora, que “verificar quais são as dívidas irregulares e quais as legítimas”. Uma idéia também defendida por Valter Pomar, terceiro vice-presidente do partido, que afirmou que toda história foi feita em termos pessoais, não partidários: “O PT não tem esta dívida. Quem adquiriu a dívida no fio do bigode, que se entenda no fio do bigode”.

O difícil é saber se a história vai colar. Primeiro, porque a fragilidade dos argumentos é brutal. Ou alguém, em sã consciência, acredita que Lula e a direção do PT não sabiam como seriam pagas as dívidas de campanha? Ou, então, que Genuíno e Delubio não representavam a maioria da direção do PT? Ou, ainda, que estes mesmo senhores são os quadros “mais frágeis” do partido?

Isso pra não falar do envolvimento de Lula e sua família, na figura de seu filho, com as negociatas milionárias da Telemar; na evidente existência de negócios escusos envolvendo os Correios e as agências de publicidade; na cada vez mais suspeita atuação de Gushiken junto aos fundos de pensão ou em dezenas de outros episódios que têm vindo à tona todos os dias.

Além disso, a possibilidade dessa nova farsa não vingar também está colocada pelos interesses da oposição burguesa, particularmente do PSDB e do PFL, que ainda continua firme em seu propósito de minar a candidatura de Lula, em 2006. Neste sentido, é exemplar a declaração do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), que, na quinta-feira, subiu na tribuna para defender que, diante da história toda, Lula “na melhor das hipóteses é um idiota, na pior, um corrupto“.

Pressionados ainda pelas pesquisas (vide artigo no site) que, apesar de tudo, apontam Lula como favorito, PSDB e PFL também se apressaram em denunciar a entrevista de Lula como uma montagem, feita com o propósito de blindar o presidente. Um capítulo à parte nesta farsa, já que esta tem sido uma prática constante em governos dirigidos por estes mesmo senhores.

….com exceção de Zé Dirceu e mais algumas dezenas!
O maior problema dos petistas e do governo é que a encenação que eles estão tentando realizar ganha, a cada dia, novos episódios que, aparentemente, não estavam no roteiro.

Há um pouco de tudo: caixas e caixas de documentos das empresas de Marcos Valério aparecendo, semi-queimadas, pelas ruas de Belo Horizonte; outros documentos comprovando o uso de estatais, particularmente os Correios, como avalistas de empréstimos que seriam, posteriormente, entregues ao PT; e, particularmente, uma sucessão de contradições envolvendo os principais envolvidos: do “homem da cueca premiada”, José Adalberto Viera (que agora afirma que a dinheirama seria usada para montar uma pousada…) a Marcos Valério.

Na segunda-feira, dia 18, o próprio Valério que reapareceu para desdizer o que havia afirmado três dias antes. Em depoimento à Procuradoria Geral da República, o publicitário afirmou que não só José Dirceu, mas também seu braço direito Sílvio Pereira, tinham conhecimento dos empréstimos feitos a pedido do ex-tesoureiro Delúbio. E mais: Marcos Valério disse que repassou dinheiro para os deputados cariocas Roberto Jefferson (PTB) e Carlos Rodrigues (PL) e, ainda, deu uma listagem com o nome de 12 pessoas que tinham a autorização para sacar milhões no Banco Rural. Um detalhe pouco surpreendente: são quase todos assessores ou funcionários de parlamentares petistas ou de membros da base aliada.

Outro forte indício de que nem os próprios autores acreditam muito em sua ficção é que, também na segunda, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, a exemplo do que Marcos Valério já havia feito, correram atrás de um hábeas-corpus preventivo, que garante que nenhum deles sairão presos, depois de prestarem depoimento na CPI dos Correios.

17 de agosto: É preciso ir às ruas
Enfim, a crise continua com toda a força e seu desenlace está longe de ser previsível. E tudo isso ocorre diante de uma população cada vez mais indignada e perplexa.

Enquanto isso, contudo, há uma série de atores coadjuvantes que também cumprem um papel fundamental na tal “Operação Blindagem”. De maneiras distintas, as principais direções do movimento de massas — a CUT/Ministério, a UNE e, também, o MST — têm feito o possível e o impossível para bloquear as ações do movimento de massas, formando um dique nos protesto e esvaziando qualquer manifestação.

Por isso mesmo, a manifestação que está sendo convocada pela Coordenação Nacional de Lutas, a Conlutas, para o dia 17 de agosto, em Brasília, pode e deve cumprir um papel cada vez mais fundamental.

De Brasília, poderá ecoar o grito de indignação nacional que incentive futuras ações dos movimentos sociais e, inclusive, influencie as muitas lutas que poderão ocorrer no segundo semestre, particularmente nas campanhas salariais de importes setores como bancários, correios e petroleiros. Além disso, a Marcha do dia 17 poderá jogar contra o ceticismo dos setores mais organizado que, hoje, desencantados com tudo e todos, não vêm uma alternativa de esquerda, já que muitos só vêem a volta da direita no pós-Lula.

Exatamente por isso, não só aquelas entidades que já romperam com a CUT e com a UNE, mas também todos setores do movimento de massas que acreditam na possibilidade de construir esta alternativa não devem medir esforços para fazer do dia 17 de agosto um importante marco nas lutas sociais deste país.