A esquerda brasileira vive hoje uma reorganização de dimensões históricas. A experiência com o governo Lula está levando a uma ruptura de massas com o PT. Milhões de trabalhadores e estudantes estão abandonando o partido hegemônico na esquerda das últimas décadas. Dezenas de milhares de ativistas estão fazendo o mesmo.

Estamos falando de um processo de grande importância que provavelmente mudará as características do movimento de massas (sindical, estudantil e popular) no próximo período.

Não existiu nada semelhante no passado. A crise do Partido Comunista Brasileiro (que teve um peso muito importante até os anos 60) foi completamente diferente. Arrastou-se por décadas com inúmeras rupturas. Mas, a experiência com o governo Lula (o que não aconteceu com o PCB) concentrou-se em poucos anos.
Num certo sentido, essa reorganização se assemelha à que vivemos nos anos 80, que provocou o surgimento do próprio PT e da CUT, como alternativas aos partidos burgueses e aos pelegos. No entanto, não vivemos um momento de grandes lutas, como naquele período, o que ainda limita o surgimento das alternativas. A experiência política é riquíssima, mas ainda sem a clareza que apenas surge das grandes lutas e mobilizações.

Como conseqüência, possivelmente, não vamos ter ainda no próximo período uma nova força hegemônica, como foi o predomínio do PT e da CUT.

Estamos em um período intermediário, antes das grandes lutas, que apontarão as próximas forças majoritárias da esquerda. As opções a serem feitas pelos ativistas implicarão em muitas dúvidas, polêmicas, idas e voltas. Uma opção errada levará a uma repetição de erros anteriores, a um novo barco furado.

Apresentamos nossa interpretação desse processo, como parte de uma polêmica entre as forças políticas da esquerda revolucionária. Esse é um debate necessário e desde já convidamos as principais organizações envolvidas a ocuparem o espaço do Opinião Socialista, para explicitarem seu ponto de vista.

Crise do PT: o x da questão

A crise do PT levou ao desmoronamento do seu projeto reformista eleitoral. O fim do ciclo histórico desse partido, ao contrário do que alguns pensam, é altamente progressivo para a esquerda. Por décadas, trabalhadores e a juventude foram educados na estratégia de que “pelas eleições tudo pode mudar”. Esse projeto foi incorporado pela direção majoritária do PT, assim como por sua ala esquerda.
Ao nosso ver, faliu um projeto de reformar o capitalismo pela via eleitoral. Ao apostar nesse projeto, o PT passou a administrar o capitalismo, sem nenhuma reforma de importância, aplicando o mesmo plano neoliberal. Quem mudou mesmo foi o PT, que virou um aparato eleitoral, dirigido por parlamentares e governantes, distante dos trabalhadores.

Reafirmar a independência de classe
Infelizmente a essência dessa crise só é percebida com clareza por um setor da vanguarda. A maioria vê as expressões mais aparentes do eleitoralismo, sem ir até o fundo da questão.

Um bom exemplo é a questão da corrupção do PT no governo. Muitos setores de esquerda atacam a corrupção, mas não a aceitação do vale-tudo para garantir as campanhas eleitorais. Quem aceita dinheiro de setores da burguesia hoje para se eleger vai acabar aceitando a corrupção amanhã. A defesa da “ética na política”, sem romper com o eleitoralismo, vai levar à tragédia petista, ou ainda, às alianças do PT com os partidos burgueses de direita.

Vários setores da esquerda criticam esses acordos. Mas aceitam alianças com o PDT, um partido burguês que está na oposição, mas defende um programa capitalista e tem em sua composição setores da patronal e latifundiários.

Ultrapassar hoje a barreira de classe, com alianças com o PDT, é o passo inicial para fazer alianças com outros partidos de direita.

Romper com o projeto ou seguir no mesmo com outra forma?

A crise é tão grande que se apresentam motivos muito diferentes para romper com o PT.

Enquanto um setor rompe por entender o significado profundo da adaptação do PT à democracia burguesa e seu eleitoralismo, uma parte da esquerda petista (que tem parlamentares eleitos) rompe porque o PT está deixando de ser um bom partido eleitoral. Paulatinamente, os dirigentes e parlamentares desse setor também converteram as eleições em sua estratégia central. Mas, com a crise atual, o PT já perdeu uma parte muito importante de seus votos. Essa esquerda petista parlamentar, caso ficasse, enfrentaria uma situação muito difícil, pois uma menor base eleitoral seria disputada com a direita petista que possui um aparato muito superior. Além disso, como justificar para suas bases eleitorais a permanência num partido corrupto que aplica a cartilha neoliberal?

Por isso, esse setor rompe agora em busca de um novo PT, com a mesma adaptação ao eleitoralismo, mas sem o desgaste acumulado pelo partido.

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