No começo de 2013, ativistas dos movimentos sociais por Direitos Humanos e combate à opressão receberam um enorme golpe ao saber que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM) seria presidida por um dos mais conhecidos porta-vozes do discurso de ódio no Brasil, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que já havia causado polêmica principalmente por suas declarações racistas, homofóbicas e de intolerância religiosa nas mídias virtuais.

Neste ano, a necessidade de enfrentar os setores reacionários e fundamentalistas se fez presente mais uma vez. Era grande a possibilidade de que fosse desferido mais um golpe contra os que lutam pelo fim da opressão. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) é aquele que não se constrange em fazer discursos saudosistas sobre a ditadura militar, além de ser um racista e homofóbico de marca maior. Num programa de TV, quando a cantora Preta Gil perguntou como Bolsonaro reagiria se um filho seu começasse a namorar uma negra, o deputado respondeu dizendo que seus filhos “não andam com este tipo de gente”, referindo-se então às pessoas negras.

Bolsonaro é também autor de campanhas caluniosas contra ativistas dos direitos humanos, contra o Programa Escola Sem Homofobia e contra tudo o que diz respeito à população LGBT, que, segundo o deputado, é “o que há de pior na sociedade”. Não bastassem tais provas de que Bolsonaro não tem nenhuma condição de estar à frente de uma comissão que trate da pauta de direitos humanos, ele também é favorável à redução da maioridade penal e contrário à apuração dos crimes da ditadura pela Comissão da Verdade, mesmo sabendo que esta comissão de fachada resguarda os militares criminosos das barbaridades que cometeram. Apesar de todo este histórico avesso aos direitos humanos, Bolsonaro declarou estar disposto a presidir a CDHM e ter apoio do seu partido quanto a isso.

Desde o ano passado, quando a CDHM estava nas mãos do pastor fundamentalista Marco Feliciano, esta comissão se transformou em um verdadeiro palanque do discurso de ódio e em uma ferramenta de desmonte dos avanços conquistados por aqueles e aquelas que lutam contra a opressão. Enquanto milhares de LGBT’s permaneceram tendo direitos cerceados, sofrendo humilhações, violência e sendo assassinados, a CDHM foi utilizada principalmente para atacar os direitos dessa população. Foi aprovado um plebiscito popular sobre o casamento igualitário a ser feito no período das eleições de 2014 (ora, qual a justificativa de se fazer um plebiscito para validar direitos iguais, senão a homofobia?), além de parecer contrário à determinação de que homossexuais poderiam declarar seus parceiros como dependentes na Previdência Social e parecer contrário à determinação do Conselho Nacional de Justiça sobre a obrigatoriedade de os cartórios realizarem o casamento civil entre casais LGBT. Nenhuma dessas ações prosseguiu em tramitação na Câmara, ainda assim, um ano foi perdido para que os fundamentalistas pudessem atacar direitos.

Mas afinal, porque a CDHM foi relegada a uma figura tão avessa aos direitos humanos, como um fundamentalista religioso e depois esteve em risco de cair nas mãos de um defensor da ditadura, ambos declaradamente racistas, machistas e homofóbicos?

Direitos humanos como moeda de troca
As comissões do Congresso são escolhidas numa ordem em que o partido com maior representatividade na Casa pode optar primeiro pela comissão que prioriza. O PT é o partido com a maior bancada, portanto pode escolher três comissões, mas obedecendo esta ordem: PT escolhe a primeira, em seguida PMDB (a segunda maior bancada no Congresso) escolhe a sua, depois o PT novamente, o PSDB, o PSD, o PMDB e, aí sim, o PP (partido do Bolsonaro) pode escolher uma comissão.

Cada partido escolhe as comissões que lhe possibilitarão implementar seus projetos para o país. Assim, as comissões as quais o PT dá prioridade são aquelas que envolvem questões financeiras e que lhe possibilitam implementar seus projetos econômicos, como o PAC, e ter maior influência sobre as demais pautas econômicas em tramitação no Congresso. Foi por conta dessa priorização do PT por implementar seu projeto econômico que, no ano passado, a CDHM foi relegada ao fundamentalismo religioso encarnado em Marco Feliciano. Esse ano, porém, o PT se encontrou num dilema: garantir seu projeto econômico, abandonando a CDHM novamente e tendo que enfrentar novas manifestações como as que estouraram pela saída de Feliciano da comissão ou optar pela CDHM, evitando manifestações e mais desgaste do povo em relação ao governo, mas tendo menos influência sobre as pautas econômicas?

Como já noticiado em várias mídias, a primeira comissão optada pelo PT será a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O PMDB, ao que tudo indica, optará em primeiro lugar pela Comissão de Finanças e Tributação. O PP ameaçava que,caso o PT não escolhesse como segunda opção a CDHM, esta seria a sua escolha. Mas por que o PP, um partido sem nenhum histórico de luta por direitos humanos, optaria por uma comissão como a CDHM? A verdade é que o PP tem interesse em permanecer presidindo a Comissão de Minas e Energia (CME), a qual tanto o PMDB quanto o PSD (ambos da base do governo) têm interesse e poderiam escolher antes dele. Para poder ficar com a CME, o PP usou o escândalo que seria ter Bolsonaro na presidência da CDHM como forma de chantagear os partidos governistas a não pegarem a CME. Ou seja, dentro dos acordos escusos feitos no Congresso Nacional, a CDHM não passa de uma moeda de troca.

O PP voltou atrás na indicação de Bolsonaro para a CDHM, dizendo que irá priorizar a CME. Bolsonaro não substituirá Feliciano na CDHM, mas isso não significa uma maior priorização do governo em relação os direitos humanos, mas sim o resultado de uma chantagem aparentemente bem sucedida. Ainda assim, isso não deixa de ser uma vitória dos que lutam contra a opressão: se os partidos governistas ficaram acuados diante da chantagem do PP, é por que os políticos experimentaram da força das manifestações pelo “Fora Feliciano” e têm medo de que elas se repitam.

Vitórias se conquistam nas ruas!
Como já vem se comprovando desde 2013, a depender dos interesses presentes no Congresso Nacional e dos acordos feitos a partir deles, a CDHM servirá para qualquer coisa, menos como forma de garantir conquistas para quem sofre opressão e precisaria de políticas específicas que lhes garantissem seus direitos como mulheres, LGBT, negras e negros, indígenas, crianças e adolescentes, adeptos de religiões de matrizes africanas, dentre outros.

Mesmo antes de Feliciano, no entanto, a CDHM pouco conseguiu avançar no combate à opressão e defesa dos direitos humanos. Isso ocorre porque os avanços em direitos humanos não serão conquistados por meio de um Congresso Nacional que serve aos interesses de banqueiros, empresários, latifundiários e demais setores da burguesia. Foi nas ruas, juntamente à juventude e à classe trabalhadora, que conseguimos derrubar a “cura gay”. Foi dessa mesma forma que a população chilena conseguiu, em pouco tempo, aprovar uma legislação que criminaliza crimes motivados por discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

Nós do PSTU consideramos que temos um árduo caminho pela frente. O aumento da violência contra os setores oprimidos é a prova disso. Só nesse começo de 2014, por exemplo, o Grupo Gay da Bahia (GGB) já contabilizou, por meio de notícias em jornais, mais de 40 assassinatos de LGBT no Brasil (os casos não noticiados pela mídia não podem ser contabilizados pelo GGB, o que comprova que na realidade o número é bem maior). Por isso, este ano em que a população vai às ruas questionar os investimentos absurdos na Copa do mundo em nosso país, diante das mazelas sociais e do déficit do serviço público, é o mesmo ano em que o movimento feminista, LGBT, de negras e negros e demais movimentos de combate à opressão devem permanecer nas ruas juntamente à juventude e a classe trabalhadora, para derrubar aqueles que estão no poder utilizando direitos historicamente cerceados aos oprimidos como moeda de troca, mostrando que qualquer racista, machista ou homofóbico em nada nos representa.

Que os movimentos de combate à opressão permaneçam nas ruas enriquecendo com suas pautas esse novo momento de reivindicações sociais que vive o Brasil, exigindo a criminalização da homofobia, lesbofobia e transfobia, a quebra do veto ao kit Escola Sem Homofobia, a real implementação da Lei Maria da Penha e todas as reivindicações que a CDHM, por si só, não pode nos garantir, pois direitos não são conquistados em gabinetes, mas com lutas, nas ruas!