Parecer do Conselho Federal de Medicina permitindo o aborto até a 12ª semana de gestação é um avanço para os direitos das mulheres

O Conselho Federal de Medicina irá enviar ao Senado um parecer no qual defende a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação. No atual código penal, o aborto é permitido somente nos casos de risco à vida da gestante, de estupro e em casos de fetos anencéfalos. Essa iniciativa é um grande avanço do CFM em relação aos direitos das mulheres.

Mas não somente isto, representa um avanço na reflexão do aborto enquanto gravíssimo problema de saúde pública que mata, esteriliza e sequela muitas mulheres anualmente em clínicas clandestinas sem a menor garantia de higiene e com riscos pós-procedimentos. Ou ainda, aquelas que sem a menor perspectiva, acabam por realizar o procedimento em sua própria residência.

Defendemos e exigimos sim um maior número de políticas públicas voltadas à educação sexual nas escolas e postos de saúde. A distribuição efetiva e gratuita de anticoncepcionais de acordo com a demanda da população com orientação devida e também a legalização do aborto para garantir que o Sistema Público de Saúde atenda com segurança e higiene as mulheres que desejam realizar o procedimento, evitando assim mortes e graves sequelas nas mulheres pobres, que não possuem dinheiro para recorrer às clínicas clandestinas.

Essa necessidade vem no bojo da verdadeira exploração do setor feminino da classe trabalhadora. Setor marginalizado e oprimido que não tem garantia mínima de creches para manter seus filhos nos horários de trabalho. Que, depois de sua primeira jornada de trabalho para o patrão, possui as tarefas domésticas e “familiares” para executar. Setor esse que é vulnerável e sofre diariamente com o assédio e violência sexual.

No Brasil, ocorrem cerca de 1,4 milhão de abortos anuais. E destes, uma a cada mil mulheres morre. É esse o contexto a que as mulheres trabalhadoras estão submetidas. E diante disso, fica cada vez mais clara a necessidade da luta pela garantia do direito da mulher à soberania sobre o seu próprio corpo. Luta esta que deve vir atrelada à exigência ao Estado para subsidiar condições materiais para tal. Devem existir condições básicas para as mulheres que decidam abortar. Portanto, o acesso a um hospital público e com assistência necessária deve ser regra. O que, de fato, não ocorre atualmente. Em casos de aborto já garantidos por lei como mulheres vítimas de estupro, esse direito lhes é negado em muitos hospitais. É essa a criminalização da mulher que aliena um direito seu elementar, o de decidir sobre o seu próprio corpo e os rumos de sua vida.

Devemos deixar claro que nenhuma mulher gosta de abortar, de correr riscos, inclusive de morte. E nesse sentido, criminalizar o aborto não é a melhor solução. Os índices indicam que, em lugares onde o aborto é legalizado as taxas são menores, enquanto que em alguns países da América Latina em que o aborto é criminalizado há as maiores taxas do mundo. Em Portugal, por meio da lei 16/2007, a interrupção da gravidez pode, hoje, ser feita por opção da mulher até a 10ª semana. E o reflexo disto é que, após a implementação da lei, não foi registrada mais nenhuma morte por aborto e as graves complicações como perfuração do útero e sepse não são mais uma realidade.

Defender a legalização do aborto não é incentivar o aborto. Quem incentiva o aborto são as condições de miserabilidade às quais as mulheres são submetidas. No sistema hipócrita em que vivemos, que visa o “investimento” na saúde da mulher somente no âmbito da maternidade, isolando todas suas potencialidades enquanto ser humano, a criminalização do aborto que tem como slogan “defesa da vida”, acaba não preservando a vida de muitas mulheres, impõe riscos a ela e impede decisões sobre o seu próprio corpo e sobre o seu contexto psicossocial.

Anticoncepcionais gratuitos para não abortar! Aborto legal para não morrer!

*Isadora Lima é estudante de Medicina da UFAL e militante do PSTU