Este é o sétimo artigo da série “As amarras da dívida externa” e o quinto da parte histórica. No artigo anterior vimos como a ditadura militar adaptou-se às necessidades expansivas do capital financeiro internacional e deixou como herança uma enorme dívida externa. Vimos também como se deu o processo de estatização da dívida externa, transformando-a em dívida pública e jogando todo seu peso sobre o conjunto da população, em especial os trabalhadores. Veremos agora a questão da dívida nos anos 80, período que registrou a crise final da ditadura e a transição para o regime democrático-burguês

A burguesia e o imperialismo buscaram fazer com que a transição do regime ditatorial em crise para a democracia burguesa ocorresse de forma “lenta, gradual e segura”. Isto significava uma transição em que os grupos dominantes da ditadura não iriam ver questionados seus interesses no novo regime. O novo governo refletiu esta política, sendo composto de uma aliança de parcela reformada do antigo regime com os grupos da oposição burguesa à ditadura.

Como conseqüência, o novo governo aceitou a herança da dívida externa deixada pela ditadura. Também jogou para baixo do tapete todas as denúncias de perseguições políticas e torturas realizadas pelo regime militar, tornando-se, portanto, cúmplice. O resultado em termos de política econômica não poderia ser outro que seguir aplicando os “planos de ajuste” em que os trabalhadores pagavam a conta da crise econômica e do endividamento externo. Assim, a burguesia brasileira novamente provou sua servidão orgânica ao imperialismo e sua incapacidade de agir autonomamente.

O FMI e a resistência dos trabalhadores
Após a moratória mexicana de 1982, fecharam-se quase completamente os canais pelos quais o governo podia continuar endividando-se no exterior para rolar as dívidas antigas. A partir de então, o governo apela ao FMI para renegociar o conjunto de suas dívidas com o exterior. O fundo passa então a ditar as regras para a economia brasileira e a supervisionar sua implementação. Sua receita é: recessão, arrocho salarial, menos gastos públicos e mais superávits comerciais. A economia e o Estado devem estar completamente voltados para conseguir divisas para pagar a dívida externa.

Estes planos encontraram, entretanto, dura resistência dos trabalhadores. Ocorreram várias ondas de greves. Nesse contexto foram criados a CUT e o PT como as principais ferramentas para defender seus interesses. Assim, muitas das políticas ditadas pelo FMI tiveram dificuldades em ser implementadas totalmente. O governo foi obrigado mais de uma vez a ceder à pressão dos trabalhadores organizados.

Exportações para pagar dívidas
Para fazer frente aos pagamentos dos juros e amortizações da dívida externa, em dificuldades para obter novos empréstimos, a política econômica do governo ditatorial a partir de 1981 foi a obtenção de enormes saldos comerciais com o exterior. Essa política foi continuada pelo governo da “Nova República” (Sarney).
O enorme excedente econômico gerado foi gratuitamente transferido ao exterior ao longo de toda a década de 80 como forma de seguir pagando a dívida externa. Entre 1982 e 1989, o saldo da balança comercial totalizou US$ 87,6 bilhões. Nesse mesmo período, foram pagos US$ 80,7 bilhões apenas em juros da dívida externa.

Esse saldo comercial foi obtido devido à combinação de uma série de fatores. Sob o ponto de vista da ação econômica do governo, podemos citar a política recessiva e de arrocho salarial desenvolvida desde 1981, que reduziu o consumo interno e levou pela primeira vez o país a obter queda do PIB (1981 e 1983). O governo também deu incentivos às exportações. Mas essas medidas explicam apenas parte da questão. Os investimentos produtivos destinados à substituição de importações realizados na segunda metade dos anos 70, no âmbito do II PND, começaram a surtir efeito e a reduzir o coeficiente de importações da economia brasileira. As exportações, por seu lado, beneficiaram-se da recuperação econômica dos países imperialistas a partir do final de 1983.

No final de 1981, a dívida externa totalizava US$ 61,4 bilhões. Dessa dívida, 68% era pública e 32% privada, proporção que refletia a estatização da dívida promovida pela ditadura e descrita no artigo anterior. Em 1989, a dívida externa total era de US$ 99,3 bilhões, sendo 90% pública, mostrando que a estatização da dívida externa seguiu firme.

O que é incrível é que, nesse mesmo período, foram pagos US$ 114,6 bilhões de juros e amortizações da dívida externa. Ou seja, entre 1981 e 1989, foi pago quase o dobro do valor total da dívida externa do início do período e, ainda assim, a dívida cresceu mais de 60%. A dívida externa subiu continuamente até 1987, alcançando o valor de US$ 107 bilhões nesse ano. A partir de então, até 1991, manteve-se mais ou menos neste patamar, com pequena redução, apesar da brutal transferência de recursos aos banqueiros internacionais, à custa do suor da classe trabalhadora.

A dívida impagável
A situação das contas externas do Brasil, da mesma forma que os outros países semicoloniais, tornou-se insustentável. Em fevereiro de 1987, o governo foi obrigado a adotar uma moratória parcial da dívida externa (da parte devida aos bancos comerciais), suspensa no início de 1988. Para formar as reservas cambiais necessárias aos pagamentos internacionais, o governo se viu forçado a adotar uma série de políticas defensivas que foram limitando as liberdades dos capitais, como rígido controle sobre o câmbio, altas tarifas de importação, proteção à produção interna, etc. Além do mais, a crise da dívida tornava os bancos inseguros em aplicar seus recursos nas economias endividadas. Esses elementos constituíam entraves à liberdade de circulação de capitais de que necessitariam os investidores internacionais prestes a entrar em uma nova onda expansiva sobre esses países.
Soma-se a isso a crescente instabilidade política que vinha sendo gestada por esta situação. Ficava cada vez mais claro que essas dívidas não podiam ser pagas.

O imperialismo busca uma saída para o impasse
Para sair dessa situação, o Departamento de Estado dos EUA começou a arquitetar a renegociação das dívidas, de forma que levasse em conta a “capacidade de pagamento dos países”. Isso vai culminar no Plano Brady, que será discutido no próximo artigo. Apenas adiantamos que a intenção do imperialismo aqui era resolver o impasse e abrir novas perspectivas de aplicação para os capitais multinacionais nos países semicoloniais. Isso expressou-se depois em uma nova onda de expansão do capital internacional, conhecida como a “onda da globalização”, que iria envolver completamente o Brasil ao longo dos anos 90. Abria-se um novo ciclo de endividamento, acompanhado da desnacionalização de grande parte do parque produtivo brasileiro e do enorme crescimento da dívida interna.
Post author João Valentim, do Rio de Janeiro (RJ), e Cristiano Monteiro, de São Paulo (SP)
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