Apesar da mercantilização, Anima Mundi merece ser visitado

Considerado um dos principais festivais de animação do mundo, o Anima Mundi é realizado desde 1993. Em sua 13º edição, assim como ocorre com grande parte dos festivais brasileiros, o festival será realizado apenas no Rio de Janeiro (com a maioria das sessões no Centro Cultural Banco do Brasil), entre 8 a 17 de julho, e em São Paulo (no Memorial da América Latina), de 20 a 24 de julho.

Nas duas capitais serão exibidos curtas, médias e longas metragens, além de seriados e peças comerciais. As linguagens narrativas e técnicas são as mais variadas.

Para quem aprecia a arte da animação, mas não detém as técnicas necessárias, o Anima Mundi oferece as Oficinas do Estúdio Aberto, nas quais algumas formas de produção de animação são apresentadas.

Paralelamente às exibições, há também retrospectivas, “workshops”, palestras, seminários e mostras especiais. Dentre esses eventos, destaca-se o “Papo Animado”, que sempre traz realizadores nacionais e internacionais para debater seus trabalhos e questões relacionadas ao cinema de animação.

Além da mostra competitiva que ocorre no Rio e em São Paulo, o festival promove um concurso de animações para a internet, o “Anima Mundi Web”. O festival online recebe trabalhos realizados em Flash, com o tamanho de até 1MB. Os selecionados serão exibidos no site do Anima Mundi, onde os usuários também podem votar nos melhores trabalhos (www.animamundi.com.br).

Uma das novidades deste ano é o “Anima Mundi Web Celular” (www.animamundiweb.com.br ) com animações feitas para telefones celulares, um nicho comercial que tem crescido bastante.

E pelo segundo ano consecutivo, apenas em São Paulo, na Fundação Memorial da América Latina, haverá o Anima Mundi Expo 2005, um salão de negócios voltado para a animação.

Pequenos filmes, grandes negócios

O Anima Mundi cresceu muito nessas 13 edições. O maior festival de animação da América Latina saiu de uma mostra restrita apenas a algumas sessões e passou a ocupar algumas das principais salas de cinema das duas capitais.

Neste ano, foram inscritos 1.134 trabalhos, 51 a mais do que no ano passado. O número sempre crescente de candidatos para participar do festival demonstra a importância do Anima Mundi no cenário mundial e, também, o crescimento da produção de animação em todo o planeta. Nesta edição, por exemplo, entre os 41 países participantes está, pela primeira vez, Singapura.

Porém, mais do que um festival, cujo objetivo é mostrar a produção mundial de animação, colocando produções independentes ao lado das de grandes corporações (como a Disney, a Pixar, a DreamWorks e a Aardman), o Anima Mundi tornou-se um negócio muito lucrativo.

Pelos corredores do Festival se vende de tudo: camisas, bottons, DVD’s, livros, câmeras, computadores de última geração, softwares de animação (a computação gráfica tornou a animação um grande negócio) e principalmente mão-de-obra abundante e barata, já que é cada vez maior o número de jovens brasileiros que sonham produzir desenhos animados, mas que nunca terão essa oportunidade em escolas e universidades públicas brasileiras.

Mais um exemplo da vertiginosa mercantilização do festival e o fato de que, apesar do aumento do número de trabalhos inscritos e de salas de exibição, a mostra sofreu, neste ano, uma redução para ter um formato “mais comercial”. Se, no ano passado, a programação teve 612 filmes, desta vez são apenas 369.

Os filmes

Diferentemente dos outros anos, quando o festival era uma mostra das mais variadas técnicas de animação, nesse ano, a mostra é majoritariamente de animação de computação, que facilita e reduz muito os custos da produção. Isso não significou necessariamente uma melhora na qualidade dos desenhos, mas uma certa homogeneização da produção mundial.

Contudo, dentre os quase 400 filmes e a variedade de técnicas, tradições e temas abordados, seria impossível uma total “mercantilização” da produção. Há muita coisa boa e criativa no festival (detalhes sobre a programação também podem ser encontrados no site do festival).

Segundo a crítica, nesta edição, merecem atenção o brasileiro Todo Mundo Quer Cuidar de Mim, de Toth Brondi & Allan Sieber, e o francês La Révolution des Crabes, de Arthur de Pins (prêmio popular do Festival Internacional de Animação de Annecy 2004, na França).

Até mesmo por serem os mais representados na mostra, o norte-americano radicado em Paris Eric Riewer (com dez produções) e a dupla Smith & Foulkes (com cinco) podem acabar entre os finalistas.

Entre os 23 filmes canadenses, cinco dos quais assinados por Steve Angel, está Ryan, de Chris Landreth, vencedor do prêmio especial do júri de Annecy em 2004 e do último Oscar da categoria.

Muito comentado também é o longa The Hand Behind the Mouse — The Ub Iwerks Story. Produzido há seis anos, é um documentário sobre o genial Ub Iwerks (1901-1971), animador dos primeiros filmes da Disney (inclusive dos primeiros desenhos do Mickey Mouse). O filme é dirigido por sua neta, Leslie Iwerks, e narrado pelo ator Kelsey Grammer.

Com depoimentos de contemporâneos do artista, como Chuck Jones, de profissionais do ramo que não chegaram a conhecê-lo pessoalmente (John Lesseter), o filme celebra, em 90 minutos, o desenhista de cuja prancheta saiu o protótipo do personagem Mickey e sem o qual Walt Disney ou não teria sido ninguém ou teria demorado muito mais tempo para construir seu império.

Ditadura do Mercado versus criatividade

A personagem do logotipo do festival que aparece em diferentes poses, chama-se Beryl, personagem que ilustra os pôsteres, camisetas, banners e todo o material visual. Beryl é uma criação da animadora britânica Joanna Quinn, que em 1999 esteve no Brasil, convidada pela direção do festival. A personagem “nasceu“ do primeiro filme de Joanna, Girls Night Out (algo como “A balada das garotas”), de 1986, trabalho de formatura da faculdade que lhe rendeu três prêmios em Annecy.

Beryl, conhecida por explorar a assuntos como a identidade da mulher e a ditadura da beleza e da boa forma, voltou a aparecer em outros trabalhos de Joanna. Para sua participação no Anima Mundi, a personagem, assim como o festival, teve que se adaptar a um formato mais vendável: perdeu algumas peças de roupa para entrar com o pé no samba no festival brasileiro.

Sintomático em relação à tendência do mercado em tentar “cooptar” e “domesticar” toda e qualquer forma de expressão, o Anima Mundi, contudo, merece ser visitado, já que (devido, também, à perversa “lógica” do mercado) são raras as oportunidades de ver qualquer tipo de animação que fuja do “explode e arrebenta” ou da produção dedicada exclusivamente ao público infantil.