Leia o segundo relato da ANEL no EgitoCairo, 3 de junho de 2011

“Foi no dia 1º de janeiro, numa grande mobilização de trabalhadores e jovens por melhores condições de vida, que nos pareceu possível pela primeira vez realizar uma manifestação que tivesse ainda maior adesão, que atingisse vários locais e unisse o conjunto da população. A partir de chamados pelo facebook, começou uma articulação – espontaneamente -convocando protestos em vários pontos da cidade no dia 25 de janeiro, que tivessem um endereço final em comum. Estávamos em Baba, uma região muito pobre da cidade. Começou a chegar pessoas, e mais pessoas, e aconteceu uma coisa que nunca imaginei que presenciaria: estávamos caminhando junto com mais de 1 milhão de pessoas. A sensação de estar ali era incrível. Caminhamos cerca de 3 horas, até chegar no Centro de Cairo, e aí vimos a grandeza do que estávamos participando. Haviam algumas milhões de pessoas fechando todas as ruas, e se encaminhando de diferentes partes da cidade para se reunir junto na Praça Tahrir. A nossa tentativa tinha dado certo, estávamos fazendo história. Haviam grupos que tinham andado ainda mais tempo, de muito longe, todos muito cansados, e pensávamos que ninguém iria querer ficar na Praça. Mas simplesmente não iam embora, então começamos a notar que existia um burburinho, que foi se tornando um grande consenso, que dizia com firmeza e cantorias: ´não saímos daqui até que ele caia´. Dito e feito. Foram 18 dias de ocupação da Praça, muitas importantes greves, e Mubarak caiu. Não pensamos que seria realmente possível, que realmente todos ficariam na Praça, que dessa vez íamos conseguir. A força das massas no Egito mobilizadas, porém, demonstrou ser maior do que todas as dificuldades.” Depoimento de uma ativista egípicia.

E hoje, numa Sexta-Feira, 16 semanas depois não havia milhões nas ruas, mas alguma concentração de ativistas e vimos 2 grandes palcos. Hoje a Praça se tornou um local de discussão política entre as pessoas. Chegamos com uma bandeira da ANEL e alguns panfletos, e logo fomos abordadas por egípcios. Nos chamou atenção como a Revolução virou uma atração turística. Muitos queriam nos vender blusas, bandeiras, fitas, tudo em alusão à revolução. Logo nos chegou um egípcio com tinta vermelha, preta e branca pintando nossas mãos com as cores do Egito.

O que mais nos surpreendeu, porém, é que no momento que perceberam que não éramos turistas apenas, mas ativistas, que estávamos ali com nossa bandeira, com panfletos da ANEL em árabe que apoiavam a sua Revolução, mudaram a atitude conosco. Um grupo de ativistas que estava em um dos palcos se aproximou e nos levou para perto deles. Começamos a conversar da forma que foi possível, e nos deixaram bastante à vontade para participar do seu ato e nos cederam uma entrevista com depoimentos sobre a Revolução.

A presença da juventude na Praça, que na sexta passada fizeram mais um grande protesto com milhares, demonstra o protagonismo que tiveram os jovens em todo o processo. Toda uma geração de ativistas foi formada nesta Revolução. São jovens trabalhadores, desempregados, muitos recém-formados nas universidades do Cairo (algumas públicas, outras privadas), que não possuem qualquer perspectiva de futuro. Por conta da nossa experiência aqui, é perceptível que existe entre eles uma grande desconfiança com o atual regime, governado pelos militares. Pelo menos com aqueles que tivemos contato. Os jovens têm avançado muito em sua organização, com a criação de novos grupos, a intervenção nos bairros e junto com os trabalhadores. Nas universidades, por exemplo, estão tomando as administrações, realizando pela primeira vez na história do Egito eleições livres de centros universitários (como nossos CAs e DCEs), sindicatos de professores e de funcionários.

O governo militar, muitas vezes, nos jornais e declarações, testa a reação das massas em seus posicionamentos. Há dias atrás, um jornal local publicou uma matéria colocando a possibilidade de libertar Mubarak sem um julgamento. Houve uma grande reação da população, indignada com essa possibilidade, e logo o governo deu uma declaração, dizendo que a culpa era exclusivamente do jornal, e que a partir daquele momento para a publicação de cada matéria, seria necessária a aprovação deles. Eles ainda temem a força das massas, e em especial, a abnegação e radicalidade da juventude egípcia.

Fui tirar foto de um rapaz escrevendo no muro da Praça com uma caneta: “Revolução Egípcia, sim ou não?” – começamos a conversar. Estava querendo dizer com isso que a Revolução no Egito não havia chegado ao fim, que não podíamos comemorar tanto já que as bandeiras levantadas na Praça Tahrir ainda não haviam sido completamente conquistadas. Criticou muito o atual governo, e disse que as condições de vida da população não haviam mudado. Lamentou o fato de que as mobilizações não tenham se mantido com a mesma força, mas demonstrou ter esperança de que continuem a reivindicar as demandas econômicas e sociais, para além das democráticas. Era um arquiteto recém-formado, desempregado.

Ele era a cara da Revolução.