O professor e teórico Valério Arcary
Foto: Erick Dau

Nesta sexta-feira, 31 de maio, os estudantes que protagonizam o 2º Congresso Nacional da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (ANEL) dedicaram um tempo precioso e rico em debates para um tema central do movimento estudantil: a educação pública no país.

O segundo dia de discussões do congresso, que segue até domingo, teve o seu pontapé com o debate ‘A Educação Pública Não Pode Esperar: Por outro Projeto de Educação’. Os convidados foram a presidente do ANDES, Marinalva Silva, e o professor do IFET-SP, Valério Arcary. O resultado deste encontro foi significativo para a plenária que, novamente, invadiu as arquibancadas do estádio da Unifesp Juiz de Fora.

Por um lado, o debate demarcou reivindicações já defendidas pela entidade e, por outro, incorporou novas elaborações e elementos para armar as batalhas do próximo período. Bandeiras de luta que fazem parte do vocabulário da juventude que constrói a ANEL, como a defesa por uma educação pública e de qualidade, e a exigência por 10% do PIB Já, foram revisitadas e elencadas como tarefas imediatas da militância cotidiana da juventude.

Por uma universidade Gratuita ou Pública?
O avanço da privatização da educação brasileira, que atinge desde creches até o ensino superior, ganha cada vez mais espaço com o Projeto Nacional de Educação (PNE) de 2013 – elaborado pelo governo do PT e atualmente em tramitação no Senado. “O PNE está retirando o caráter público da educação por uma ‘educação gratuita’, que é bancada com dinheiro público repassado para a iniciativa privada. Por isso, temos muitas lutas para os próximos anos”, afirmou Marinalva.

Mais uma vez, vendida como avanço, o que está sendo colocado para a juventude brasileira é a expansão do ensino superior sem qualidade com o REUNI, somada à consolidação da política petista de isenções fiscais aos tubarões do ensino privado em troca de vagas nas universidades por meio do PROUNI e FIES.

“Nos últimos dez anos, virou um ótimo negócio abrir instituições privadas de ensino no país. Lula, no início do seu mandato, fez o que Sarney, Itamar Franco e FHC não conseguiram: perdoar uma dívida astronômica dos grupos privados em troca de vagas. Esta dívida, praticamente impagável, poderia ter sido executada pelo governo, federalizando mais de 50% das universidades sem gastar um único centavo. Mas o governo pensou: vamos executar a dívida ou dar mais dinheiro a eles? Deram vida ao ensino privado”, sentenciou Arcary.

Royalties: cortina de fumaça e mentiras
A promessa de uma educação pública de qualidade com a aplicação dos recursos obtidos através dos royalties do petróleo também foi um ponto debatido pelos palestrantes. E, mais uma vez, os dados apresentados desmancharam a cortina de fumaça criada sobre o tema pelo governo petista, com o lamentável apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Neste sentido, incentivar a juventude e a classe trabalhadora a depositar esperanças nos royalties é uma ilusão estimulada por aqueles que se recusam a enfrentar, de fato, a luta estratégica do povo brasileiro na área de petrolífera e energética: a defesa por uma Petrobrás 100% Estatal, com o resgate do monopólio estatal do petróleo.

Os royalties significam apenas 15% do valor de produção do petróleo. Deste percentual já pequeno, 78% são reservados para os estados e municípios. Com isso, apenas 22% dessa insignificante fatia ficariam para a educação federal. Mesmo se todo o fundo arrecadado com os royalties fosse revertido para educação não representaria mais que R$ 22 bilhões. Esse valor é 0,6% do PIB para educação. “Como vamos defender que a educação seja financiada através da privatização dos poços de petróleo, que somos radicalmente contra?”, provocou Marinalva.

O ensino como mercadoria
Se por um lado os anos de FHC e seu neoliberalismo aprofundaram a lógica de mercado na educação brasileira, por outro não podemos dizer que nos últimos dez anos, sob Lula e Dilma, houve uma mudança nesta lógica. O ensino continua sendo encarado como mercadoria e os tubarões do ensino privado nunca lucraram tanto quanto na última década. O governo de frente popular do PT construiu uma coalização com a burguesia eficiente. A colaboração de classes é tão harmoniosa que o maior grupo privado de ensino do Mundo é brasileiro e foi formado nos dez anos de PT no poder.

“A promessa da esquerda reformista nos últimos 35 anos sempre foi de que no limite da legalidade seria possível fazer grandes reformas no capitalismo, a começar pela educação”, lembrou Arcary. “Mas o balanço desses últimos dez anos, no Brasil, é devastador se considerarmos quais eram não os resultados de governos anteriores, mas o que era necessário e possível. Não houve reformas”.

O piso nacional do magistério, “grande conquista” reivindicada pelo PT, é apenas um exemplo. O piso estabelecido para 40 horas é inferior a R$ 1.500, valor muito abaixo da média salarial de diversas regiões. Como se não bastasse, o padrinho da medida, o então ministro da Educação Tarso Genro, se recusou a aplicar o piso que ele próprio criou quando assumiu o posto de governador do Rio Grande do Sul. “Só podemos encarar esse absurdo como um caso típico de esquizofrenia política”, ironizou Arcary.

“Quem não sabe contra quem luta, não pode vencer”
Ao contrário da velha entidade estudantil, que segue apoiando o governo que entrega um direito do povo brasileiro à iniciativa privada, os lutadores sabem quais são suas lutas e quais são seus inimigos. As dificuldades impostas pelos governos estadual e federal para a realização deste congresso não nos deixam dúvidas sobre isso. Partindo desta premissa, está cada vez mais claro de que cabe a ANEL e aos demais lutadores a responsabilidade de lutar contra os ataques do governo e por uma nova concepção de ensino.

Para Arcary, “devemos lutar por universidades com acesso para todos e com condições de garantir o desenvolvimento da arte, da ciência e da cultura. Devemos lutar por universidades que estimulem a formação plena dos estudantes, uma formação voltada à emancipação humana e não para o mercado. Enfim, devemos lutar pela vitória do socialismo”.

O debate sobre a necessidade de uma universidade pública e de qualidade não se esgotou com as palestras de Marinalva Silva e Valério Arcary. No período da tarde, grupos de discussões avançaram as elaborações sobre o tema.

Com independência e democracia, estimulando a discussão coletiva, a ANEL segue demonstrando sua capacidade de organizar os lutadores por um novo modelo de educação, por um novo modelo de sociedade. 

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