Jeferson Choma

Morreu aos 99 anos Ana Maria Primavesi, cientista pioneira nos estudos sobre solos tropicais e agroecologia. Nascida em Sankt Georgen ob Judenburg, na Áustria, Primavesi foi uma importante pesquisadora da agroecologia e da agricultura orgânica.

Em suas pesquisas ela sempre sublinhou a necessidade de perceber os solos dos trópicos como um organismo vivo, inter-relacionado com as plantas, a fauna e a microfauna. Se a planta retira nutrientes do solo, também dá vida a ele. No ambiente tropical, a acidez dos solos (com pH ao redor de 5,6) e sua pobreza em minerais é compensada com a rápida reciclagem da matéria orgânica das florestas, que oferece uma enorme quantidade de microvida (fungos e bactérias). Além disso, as raízes permitem a infiltração de água e dos nutrientes, enquanto o dossel da floresta oferece proteção contra a radiação solar, à lixiviação, erosão e à ação dos ventos. Isso explica a frondosa floresta Amazônica que se desenvolveu em solos extremamente pobres quimicamente.

Primavesi afirmava que o uso de técnicas de manejo de ambientes temperados não funcionava em um ecossistema tropical. “Ecológico é realizar o manejo adequado de nossos ecossistemas e não fazer sua equiparação a sistemas estrangeiros”, dizia. A monocultura, o desmatamento e o uso de agrotóxicos e de fertilizantes – técnicas eficazes em ambientes temperados do hemisfério norte – resultam no decaimento e na desagregação dos solos tropicais, pois não respeitam os seus ciclos biogeoquímicos. Mesmo a neutralização da acidez através da calagem, resultava em uma produção agrícola muito aquém da dos países do hemisfério norte.

Em estado natural, o solo tropical produz 5,5 vezes mais biomassa que os temperados. É essa biomassa que oferece os nutrientes necessários para que os solos possam sustentar as florestas tropicais e toda sua biodiversidade. Ou seja, se os solos tropicais são pobres em minerais, por outro lado são muito ricos em vida.

Desprovida de romantismos ou qualquer concepção mística, Primavesi defendia que é preciso simplesmente observar e aprender com os ciclos na natureza dos trópicos para que se possa aproveitar a dinâmica natural dos ecossistemas em favor de uma agricultura que não provoque aquilo que Marx designava de “falha metabólica” – conceito usado para explicar o desequilíbrio entre a sociedade capitalista e os ciclos naturais. É isso que Primavesi chama de agroecologia.

“É lógico que a agricultura não pode conservar os ecossistemas naturais. Mas ela pode tentar instalar ecossistemas simplificados próprios aos trópicos, e que afetem o mínimo os serviços ecossistêmicos essenciais à produção e à vida superior”, explica.

Os povos originários dos trópicos americanos compreendiam isso perfeitamente e desenvolveram técnicas agrícolas adequadas – como cultivos de rotação, coivara, pousio etc. – para preservação dos solos e garantir a reprodução da vida. O trabalho de Primavesi respeita essa história e a pôs em diálogo com a ciência moderna. Hoje essa pesquisa segue avançando em trabalhos como o de Ernst Götsch, cientista suíço considerado o pai da chamada agricultura sintrópica. Infelizmente, quase não há incentivo estatal para o avanço dessas pesquisas. Basta ver o caso de Embrapa, talvez uma das maiores agências estatais de agricultura do mundo, que destina uma ínfima fração do seu orçamento ao desenvolvimento das pesquisas relacionadas a agroecologia. Utilizada como um instrumento de colonização, a prioridade da Agência é o desenvolvimento de pesquisas que visam aumentar a lucratividade dos grandes fazendeiros de soja, cana e gado, e claro das grandes transnacionais do chamado agronegócio. O resultado é a conversão das florestas em plantações de monoculturas para exportação e pasto.