Brigadistas são libertados no dia 28, mas a farsa jurídica - policial não foi totalmente desmontada

Jeferson Choma, da redação

A prisão dos quatro brigadistas no balneário Alter do Chão, no Pará, foi uma clara armação com o objetivo de desmoralizar e intimidar todos aqueles que tem algum engajamento na luta pela preservação da Amazônia. O caso não é isolado e já ocorreu em outras regiões da Amazônia, sempre combinado com os assassinatos de lideranças indígenas e camponesas.

A farsa de Alter do Chão contou com o envolvimento da polícia civil local, poderosos da região e provavelmente o juiz que decretou as prisões. O inquérito da polícia do Pará que levou às prisões dos brigadistas é uma verdadeira obra de ficção de quinta categoria. Nele não há qualquer prova ou indício que comprove a autoria material dos incêndios. Uma reportagem do Intercept Brasil, que teve acesso ao inquérito, mostra como a polícia forçou uma interpretação de diálogos travados entre os ambientalistas e brigadistas. Em nenhum momento há algum tipo de conversa que mostre intenção dos acusados em atear fogo à mata. Vale a pena ler a reportagem completa aqui e verificar a armação.

No último dia 28, os quatro brigadistas foram libertados. Pouco antes, nesse mesmo dia, a repercussão negativa da farsa jurídica-policial fez com que o próprio governador do Pará, Helder Barbalho (PMDB), trocasse o delegado que comandava as investigações.

Quem já foi a Alter do Chão pôde verificar a imensa beleza das praias de areias claras do rio Tapajós, mas também percebe facilmente a enorme pressão imobiliária que ronda o povoado. Construções clandestinas na orla do rio ou em áreas de preservação se proliferam a olhos vistos. E a turma que lucra com isso – especuladores, grileiros, políticos e autoridades locais – consideram brigadistas e ambientalistas um obstáculo para seus negócios ilegais.

Autoridades públicas
Tudo leva a crer que as autoridades públicas estão envolvidas até o pescoço com a farsa. Segundo uma reportagem da Folha de S.Paulo, o Juiz Alexandre Rizzi, que determinou a prisão dos brigadistas, pertence a uma família de madeireiros da região. Aliás, ele já foi advogado de uma madeireira e fez críticas ao Greenpeace quando a organização realizou um protesto contra a madeireira de sua família.

Incêndio que atingiu Alter do Chão em setembro

Já o delegado afastado, José Humberto Melo Júnior, ficou conhecido em 2011 por conduzir uma investigação sobre as ameaças contra camponeses posseiros em Marabá e Nova Ipixuna, no Oeste do Pará. Na ocasião, policiais civis e militares do Pará foram acusados de omissão em casos de ameaça à comunidade do assentamento Praialta-Piranheirase, e também de terem participado de um atentado, ao lado de um fazendeiro, para expulsar camponeses do local. A denúncia foi feita pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), mas o dito delegado alegou “desconhecer as ameaças” levada pela pastoral, conforme reportagem da época.

Outras prisões arbitrárias
Os três brigadistas, porém, não foram os únicos a serem presos pela polícia por defenderem a floresta. Segundo reportagem do portal Repórter Brasil, três trabalhadores rurais sem-terra passarem 50 dias presos acusados por um delegado da Polícia Civil de terem participado do “Dia do Fogo”, as queimadas articuladas por fazendeiros na BR-163, entre os dias 10 e 11 de agosto. Na ocasião os fazendeiros organizaram a ação por meio de grupos de WhatsApp, compraram combustível e contrataram motoqueiros para incendiar a floresta.

Uma das camponesas presas foi Silvanira Teixeira de Paula, que luta há uma década por um lote de terra na região. Ao Repórter Brasil, ela disse que não entendia a prisão, uma vez que havia denunciado à Delegacia de Crimes Agrários (Deca) a extração ilegal de madeira na área pleiteada por ela e mais de 270 famílias sem-terras. Dias depois ela foi presa pela polícia acusada de incendiar a floresta.  “Quando os policiais chegaram na minha casa, pensei que eles vieram para prender os madeireiros, mas me prenderam”, disse a reportagem.

O dia do fogo teria sido coordenado pelo presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes. Uma figura sinistra que pode estar por trás de execuções de camponeses com a do líder sem-terra Aluisio Sampaio, assassinado em 2017 dentro de casa em Castelo dos Sonhos, às margens da BR-163. Pouco antes de morrer, Aluisio gravou um vídeo acusado Agamenom e outros ruralistas da região. “Eles podem me matar a qualquer instante, mas eles vão se arrepender pro resto da vida dele porque, me matando, vêm outros”, diz o sindicalista no vídeo.

Policiais e milicianos
Na batuta do governo miliciano de Bolsonaro, a banda podre das polícias estaduais tem se convertido em milícias e grupos de extermínio. Na Amazônia, porém, o envolvimento e a participação de agentes do Estado com latifundiários, grileiros e especuladores de terra têm uma história bem longa e sangrenta. E não precisamos avançar muito no tempo para colher algum exemplo. Basta lembrar da manhã chuvosa do dia 24 de maio de 2017, quando dez trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados no município de Pau d’Arco, no sudeste do Pará, por agentes das polícias militar e civil.  Até hoje a impunidade é reinante aos autores da chacina.

Bandidos têm o seu governo
Encorajadas por Bolsonaro e suas declaração –  enquanto a Amazônia ardia em setembro, o presidente culpava as ONGs pelos incêndios da floresta –  essa caterva de latifundiários, corruptos e milicianos aproveitou a chance para criminalizar e desmoralizar qualquer um que atrapalhasse suas falcatruas. Com a colaboração dos agentes do Estado resolveram então “culpar os bombeiros” pelo grande incêndio que devastou as florestas de Alter do Chão.

Bolsonaro, seu filhos e seguidores se aproveitaram da situação para movimentar suas turbas pelas redes sociais.  O presidente chegou a fazer uma esdrúxula acusação contra o ator norte-americano Leonardo DiCaprio, a quem acusou de ser responsável pelos incêndios na Amazônia. Virou piada mundial.

O mesmo modus operandi é feito pelos ruralistas da BR 163. Matam camponeses, invadem terras públicas, extraem madeira e colocam a culpa naqueles que defendem a floresta ou denunciam suas ações. Trata-se de uma intimidação clara que envolve a participação direta de agentes públicos.

Nas margens da BR-163 há uma forte tendência de expansão da soja, oriunda do Mato Grosso, e que é escoada em um porto da Cargil em Santarém (PA).  Essa é a razão dos conflitos agrários na região e das invasões à Floresta Nacional do Jamanxim, nas margens da rodovia.