Em entrevista, coordenador do Centro de Estudos Marxistas denuncia ataques desferidos contra intelectuais de esquerda nas universidades paulistasEx-professor da Unicamp, Eduardo Chaves, atualmente Subsecretário de Ensino Superior do governo José Serra, em São Paulo, atacou, em sua página na Internet, a presença da esquerda nas universidades do estado. “É preciso combater a esquerda na universidade”, disse.

Chaves mirou seus ataques no Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) e na revista “Crítica Marxista”, dedicados ao estudo do marxismo e da discussão do socialismo.

O Portal do PSTU entrevistou Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx). Na entrevista, Álvaro contextualiza as declarações de Chaves aos ataques que o governo tucano de José Serra vem desferindo contra as univeridades estaduais paulistas. “O Cemarx simboliza a universidade que eles não querem: uma universidade pública, autônoma e democrática”, disse.

Portal do PSTU – O que está acontecendo na Unicamp?
Álvaro Bianchi
– A situação das universidades estaduais paulistas é crítica. O governo Serra criou uma Secretaria de Ensino Superior que atenta contra a autonomia universitária; desconhece a pesquisa básica, privilegiando a “operacional”; e coloca sob ameaça o financiamento das universidades. Já no primeiro mês o governo do estado de São Paulo reteve as verbas que deveria repassar para as universidades. Na Universidade Estadual de Campinas, por exemplo, o corte foi de R$ 5,5 milhões, o que obrigou a cancelar compra de materiais e suprimir assinaturas de periódicos científicos. É a primeira vez que isso ocorre desde a instauração da autonomia universitária em 1989. Nesse contexto vieram à tona as declarações do secretário adjunto do Ensino Superior do Estado de São Paulo, sr. Eduardo Chaves atacando o Centro de Estudos Marxistas da Unicamp (Cemarx) e a revista Crítica Marxista por utilizarem “o espaço, a energia, o telefone e os recursos humanos” da Unicamp.

Como a comunidade universitária reagiu ao ataque?
O Cemarx existe há dez anos e teve seu funcionamento aprovado pela Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Além de realizar atividades de pesquisa, organiza um Colóquio bianual que é o principal evento dos estudos marxistas na América Latina e um dos cinco mais importantes do mundo. É um centro de investigações reconhecido internacionalmente pela qualidade de seu trabalho. Por essa razão a reação foi imediata. A Congregação do IFCH aprovou uma moção rejeitando os ataques e até mesmo o Conselho Universitário da Unicamp viu-se obrigado a protestar e a condenar o Secretário adjunto do Ensino Superior. Além disso, recebemos a solidariedade de entidades sindicais dos professores, como a Adunesp e a Adunicamp, além de manifestações de apoio em todo o país. Para nós foi muito importante a moção de apoio aprovada pelos estudantes que ocupavam a reitoria da Unicamp em protesto contra as atuais condições da moradia estudantil e contra os decretos de Serra. Essa reação foi um duro golpe na Secretaria do governo Serra.

O secretário adjunto já tomou alguma medida para acabar com o Cemarx e a revista Crítica Marxista?
Até o momento ele ficou apenas nas ameaças. O Cemarx encaminhou uma carta ao ‘Jornal da Unicamp’ na qual expunha sua posição . A carta foi publicada na edição de 26 de março, ao lado da resposta do secretário adjunto. Ele procurou de modo defensivo minimizar o episódio e as ameaças que havia feito afirmando que se tratava apenas de um debate de idéias. Mas não é disso que se trata. A questão é que um alto expoente do governo Serra, o sr. Chaves, manifestou repetidas vezes e de modo público que considera inconveniente e indesejada a existência em uma universidade estadual de um centro de pesquisas que acolhesse pessoas interessadas no estudo do marxismo. Obviamente ele não acha que os liberais, os conservadores ou os reacionários também sejam inconvenientes ou que não possam ter seus centros de pesquisa. São posições que atentam contra a liberdade de pensamento no interior da universidade, um dos pré-requisitos para a produção de conhecimento e a inovação científica. A pessoa que afirmou isso tem agora o poder, embora não a legitimidade, para atentar contra a liberdade de pesquisa. E o governo do qual ele é parte manifestou a disposição de acabar com a autonomia universitária e, portanto, com essa liberdade. O ataque ao Cemarx é apenas a ponta do iceberg.

Com a Lei de Inovação Tecnológica, a reforma universitária, os parques tecnológicos e outras medidas neoliberais nas universidades públicas, por que o Cemarx incomoda tanto o governo Serra?
Para uma secretaria comandada por notórios conservadores deve ser chocante a existência de um Centro de Estudos Marxistas. O Cemarx simboliza a universidade que eles não querem: uma universidade pública, autônoma e democrática, no qual exista liberdade para a pesquisa, para a produção de conhecimentos e para a crítica social. Nosso objetivo não é atender as demandas do mercado, nem formar profissionais que atendam essas demandas. Nosso objetivo é a produção de um conhecimento comprometido com a crítica social. É tudo o que eles abominam.

Por que a comparação com senador americano McCarthy?
Acho que foi o professor Caio Toledo, diretor associado do Cemarx, que fez essa comparação. Ela faz sentido. O senador estadunidense Joseph McCarthy adquiriu fama em 1950 ao afirmar que havia comunistas infiltrados no governo dos Estados Unidos. Depois disso presidiu o Sub-comitê Permanente de Investigações do Senado, a partir do qual perseguiu supostos comunistas infiltrados no governo, até ter sido censurado pelo próprio Senado. McCarthy chegou a investigar os catálogos das bibliotecas do Departamento de Estado procurando autores e obras consideradas indesejáveis para os ideais estadunidenses. Livros foram queimados por ordem desse inquisidor liberal. Depois desses episódios a expressão “macarthismo” passou a significar uma perseguição reacionária e paranóica da esquerda. O secretário adjunto do Ensino Superior do Estado de São Paulo é o McCarthy de Serra. Chaves se define como “liberal”, mas acha que as idéias e os centros de pesquisa que não se identificam com suas idéias ou propostas não deveriam ter lugar na universidade. Qual é a distância que separa defender a exclusão de um centro de pesquisa da universidade e mandar queimar livros? É, a meu ver, muito pequena.

Como este ataque se mostra presente em outros aspectos da situação das universidades estaduais de São Paulo?
Os decretos de Serra, os artigos do secretário José Pinotti na imprensa e as afirmações de seu secretario adjunto fazem parte da nova política estadual para o ensino superior. São Paulo está sendo o laboratório de políticas públicas que estão sendo gestadas no âmbito da proposta de reforma do ensino superior do governo federal. São propostas que visam uma retirada cada vez maior do Estado de importantes áreas vinculadas às universidades como a pesquisa e a extensão. A transferência da USP, da Unesp e da Unicamp da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico para a recém criada Secretaria de Ensino Superior, que congrega também 500 instituições privadas que não fazem pesquisa e nem criam novos conhecimentos, revela a intenção de desvincular as atividades de ensino das atividades de pesquisa e de tratar as universidades a partir de uma lógica mercantil. O anúncio dia 10 de abril da criação do Instituto Microsoft Research-Fapesp para pesquisas em tecnologias da informação expressa essa disposição. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) deveria financiar pesquisa básica e bolsas em todos os níveis. Ao invés disso vai empatar US$ 400 mil em um projeto cujo maior beneficiário é a Microsoft. Será apenas coincidência o fato de que o sr. Eduardo Chaves é membro do conselho consultivo internacional do programa Partners in Learning da Microsoft Corporation e que em seu “portal de Sites” (http://www.chaves.com.br) estimule os internautas a freqüentarem o site da Microsoft Education.