A cesta básica aumentou mais de 16%, enquanto o salário mínimo terá aumento de apenas 6,8%. Segundo a ONU, escalada internacional de preços deve continuar e já prevê crise de alimentos nos países mais pobresO Brasil tem o segundo maior rebanho bovino do mundo. Por este motivo, a carne no país deveria ser barata, certo? Errado. Em 2010, aumentou cerca de 35%, e o quilo da carne de primeira ultrapassou os R$ 20. Para uma ampla faixa dos trabalhadores, a carne de primeira virou item de luxo, apesar de o rebanho bovino no Brasil ter cerca de cinco milhões de cabeças a mais do que a população brasileira.

Além da carne, outros produtos também tiveram aumentos expressivos, como feijão (66%), açúcar (19,5%), leite (12,5%) e pão (11%). Em algumas capitais, os aumentos foram absurdos, como é o caso de Belém, Recife e Goiânia, onde o feijão aumentou mais de 90%! Com os aumentos, a cesta básica atingiu em janeiro R$ 261 em São Paulo.
E as dificuldades não param por aí. O IGP-M, índice usado para reajustar a energia elétrica e os contratos de aluguel, ficou em 11,5%. Isso significa que um trabalhador que paga R$ 720 de aluguel, se não negociar com o proprietário, irá pagar agora mais de R$ 800, além do aumento da conta de luz. No início de janeiro, a tarifa do ônibus foi reajustada em dezenas de cidades brasileiras, o que provocou uma série de mobilizações do movimento estudantil.

O resumo desta história é que a inflação atingiu todos os bens e serviços nos últimos meses, elevando o ICV (Índice do Custo de Vida), calculado pelo Dieese, para 6,9%. Ou seja, se o salário mínino de R$ 545 proposto pelo governo se confirmar, terão perda salarial os trabalhadores que recebem o mínimo e as categorias que conquistaram em 2010 um aumento inferior a 7%.

Uma nova crise de alimentos se aproxima?
Segundo dados da FAO, órgão da ONU para alimentação e agricultura, os preços internacionais dos alimentos tiveram sete meses de aumentos seguidos, atingindo recorde de alta em janeiro. Como a FAO avalia que a tendência é de aumento nos próximos anos, já envia sinais alarmistas. O receio é de uma nova crise de alimentos, semelhante à que ocorreu em 2007 e 2008 e que criou convulsões sociais em vários países, como no Haiti e no Egito.

As razões para esta nova alta formam um círculo vicioso. De um lado, existe a elevação da demanda de produtos agrícolas devido ao aumento do consumo em países como China e Índia e ao uso de terras agricultáveis para produção de biocombustível nos EUA.

Do outro lado, com o aumento da demanda, tais produtos se tornam mais atrativos no mercado financeiro, estimulando a formação de uma nova bolha especulativa. Os pacotes dos governos para salvar os bancos após o estouro da crise colocaram no mercado cerca de 13 trilhões de dólares. Esses recursos, em vez de serem usados para combater o desemprego, simplesmente voltaram para as atividades de especulação, inicialmente com o dólar, depois com moedas de países periféricos (como foi o caso do real, no Brasil) e agora com os alimentos. As cotações dos produtos agrícolas na bolsa de valores de Nova York dispararam nos últimos 12 meses: o algodão aumentou 145%, milho, trigo e café 80%, soja 50% e açúcar, 20%.

Existe a expectativa de que os preços se mantenham elevados por mais tempo. Também está nos jornais todos os dias: as revoluções na Tunísia e no Egito e os outros levantes no mundo árabe têm como ingrediente fundamental a alta dos preços dos alimentos.

Conter inflação por meio de arrocho salarial
Para os trabalhadores brasileiros, viver em um grande país produtor de alimentos não é garantia nenhuma contra a alta de seus preços, como já pudemos verificar nos últimos meses. Justamente neste período de elevação dos preços internacionais é que o governo Dilma tem estimulado as exportações, para reduzir o déficit em conta corrente do país, que fechou o ano passado em mais de R$ 80 bilhões.
Mas o aumento das exportações pressiona a inflação no Brasil. Uma prova disso é a inflação oficial registrada em janeiro, de 0,83%, a maior desde 2005. Isso significa que as campanhas salariais de 2011 devem levar em conta a tendência de alta da inflação, principalmente dos alimentos. Consciente do embate que se aproxima, o governo tem apostado em uma velha fórmula: conter aumentos salariais e elevar a taxa de juros.

Esta política reforça a tradicional aliança nos países latino-americanos entre o capital financeiro e o agronegócio contra os trabalhadores. Em termos concretos, especialistas da área agrícola estimam que os grandes latifundiários brasileiros possam ter um dos maiores ganhos da história. Só os produtores de soja estimam lucros superiores a 70% em 2011 (Carta Capital, nº 631).

Da parte do capital financeiro, o plano é que os trabalhadores no mundo todo paguem pela terceira vez pela crise. A primeira se deu com o endividamento público, a segunda com os cortes nas áreas sociais, aposentadoria, reforma trabalhista etc. A terceira, atualmente, com a alta da inflação.

Felizmente, nem tudo é tão fácil. Para esse plano dar certo em nível internacional, só faltou combinar com os revolucionários árabes.
Post author Daniel Romero, de Salvador e do Ilaese
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