A troca de comando na Vale revela movimentos que estão se dando na estrutura da economia brasileira. O governo federal acendeu uma luz amarela de preocupação. A gota d´água: temos a maior empresa exportadora de minério de ferro do mundo e estamos comprando trilhos de trem da China a um preço sete vezes maior que o do minério exportado.

A contradição estrutural da economia brasileira
Esta contradição revela uma mudança estrutural na economia brasileira que se deu nos últimos 20 anos: o Brasil está retornando a uma economia de cunho colonial baseada na exportação de produtos primários. A mão invisível do mercado, ou seja, o imperialismo determinou que o lugar do Brasil no mundo seria de fornecedor de alimentos, matérias primas e energia para o salto chinês.

Assim, está acontecendo um retrocesso no caráter da indústria brasileira: ganham peso os setores primários exportadores em detrimento da indústria de transformação, que perde peso relativo no conjunto da economia brasileira. Enquanto a China tornou-se a “fábrica do mundo”, o Brasil está se tornando, junto com a América do Sul, o “celeiro do mundo”.

O gráfico abaixo mostra essa mudança na pauta das exportações brasileiras:

Básicos X Manufaturados 1964 – 2009 – em %
Dados do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio – SECEX – IBGE (Básico/semimanufaturados na cor azul, manufaturados na cor vermelha)

Esta volta ao passado foi patrocinada por FHC e arrematada por Lula, que, no início do mandato, queria aparecer mais neoliberal que o imperialismo, para não assustar seus novos aliados, os capitalistas brasileiros e internacionais [1].

A partir de 1990, se iniciou uma queda sustentada de exportações de manufaturados e aumento dos produtos primários. Esse foi o resultado da reconversão neoliberal da economia brasileira.

Reconversão inicia com FHC e salta no governo Lula
No governo Lula, acontece o salto dos setores primários. Em 2010, pela primeira vez desde 1978, os produtos básicos superaram os manufaturados na pauta de exportações brasileiras.

A partir da privatização, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Vale se manteve praticamente do mesmo tamanho, faturando em torno de U$ 700 milhões de dólares por ano. No governo Lula, durante os dois mandatos, seu faturamento cresceu 874%, duplicando seu tamanho a cada ano. O lucro líquido da empresa, nos dois mandatos do governo Lula, cresceu impressionantes 2.125%.

Com a introdução do neoliberalismo no Brasil, a partir do governo Collor, surgiu um novo modelo de acumulação capitalista, apoiado nos bancos, nacionais e internacionais, que vivem parasitando a dívida pública, juros altos para atrair capital internacional que possibilite seguir rolando a dívida, combinado com saldos comerciais elevados no comércio com o exterior (exportações do agronegócio, mineração e energia), também para financiar a rolagem da dívida pública, que já chega a 50% do PIB e absorve toda a riqueza do Brasil. Todo ano são entregues R$ 400 bilhões em juros e amortizações aos banqueiros, mas a dívida nunca diminui; ao contrário, cresce R$ 20 bilhões por mês.

As contradições da economia neocolonial vêm à tona
As contradições deste novo modelo de acumulação estão se mostrando e obrigam o governo a agir em várias áreas. A Vale é a expressão superestrutural da mudança profunda da economia brasileira, demonstrando que o Brasil perdeu sua soberania. A constatação deste fato se deu com o enfrentamento entre Lula e a Vale, na figura de Roger Agnelli, em 2009, durante a crise econômica internacional.

A Vale demitiu 1.300 empregados diretos e cerca de 13 mil terceirizados. Ou mais de 10% da sua força de trabalho mundial, que neste momento era de 119 mil trabalhadores, entre efetivos e terceirizados. Além disso, cortou os investimentos em US$ 5 bilhões.

Depois de enfrentamentos públicos entre Lula e a Vale, aparentemente a Vale recuou, voltou os investimentos ao nível anterior e prometeu investir em siderúrgicas. Depois de toda aquela briga, a Vale investiu somente 2,7% do total dos seus investimentos em siderurgia em 2010.

A Vale continuou com seus investimentos para se tornar a maior mineradora do mundo e não entrar no setor siderúrgico pois, segundo o Sr. Roger Agnelli, “A Vale não poderia concorrer com seus clientes”. Poderia ter completado: “A Vale não pode concorrer com seus donos”, já que os donos das grandes siderúrgicas no mundo são os mesmos donos da Vale: 65% das ações da Vale estão nas mãos de estrangeiros, que movimentam US$ 1 bilhão por dia com ações da empresa em Nova York.

Os grandes acionistas estrangeiros da empresa são o Citibank, HSBC, J. P. Morgan Chase, Barclays, Fidelity Management, Vanguard Emerging Markets, Morgan Stanley, Templeton e Black Rock. São grandes bancos internacionais. Vale recordar que a dona do J.P. Morgan é a bilionária família Rockfeller. Estes investidores querem transformar a Vale, em curto prazo, na maior mineradora do mundo. Aparentemente, este objetivo estratégico dos grandes acionistas da Vale entrou em rota de colisão com os interesses imediatos do governo, que está preocupado com a dinâmica de reprimarização da economia brasileira e os efeitos nocivos deste fato sobre a economia de conjunto.

O governo do PT está assustado com sua própria obra: desde o início da privatização, os petistas se renderam ao processo e resolveram participar por dentro da privatização, através dos fundos de pensão das estatais (Previ e Petros). Até 2010, Sérgio Rosa era o presidente da Previ e do Conselho de Administração da Vale, oriundo do grupo de sindicalistas dos bancários da CUT de São Paulo, dirigidos por Luiz Gushinken.

O governo Lula continuou isentando a Vale de pagar impostos sobre as exportações e continuou cobrando uma mixaria de compensação sobre a exploração mineral (2% sobre as vendas, enquanto a Petrobras paga 10%).

Ademais, os sindicalistas da CUT, junto com eternos pelegos comprados pela Vale, permitiram que um operário da Vale produza o equivalente a US$ 1 milhão por ano enquanto recebe como salário e encargos US$ 23 mil, um salário médio mensal de R$ 1.500. A exploração do operário da Vale é tanta que, em apenas quatro horas de trabalho, o funcionário da Vale paga seu salário mensal.

Para quem trabalha Roger Agnelli?
Figuras destacadas do governo [2] estão concluindo que Roger Agnelli dirige a Vale como se ela fosse uma empresa estrangeira. Depois de atuar conjuntamente por oito anos na direção da Vale com Roger Agnelli, o governo concluiu o óbvio! Durante a crise, veja a afirmação do Roger Agnelli, em nome da diretoria da Vale:

“Mantivemos, para 2009, o mesmo valor da remuneração mínima ao acionista anunciada em 2008, um ano de geração de caixa recorde, num claro esforço de satisfazer as aspirações de curto prazo de nossos acionistas, especialmente frente a um cenário mundial de reduzida liquidez.” [3]

Aí está o objetivo central de se ter um banqueiro comandando uma empresa industrial: satisfazer as aspirações de curto prazo dos grandes acionistas, seus colegas banqueiros americanos e brasileiros, sócios minoritários na empreitada.

Porém é comum no Brasil se dizer que o governo é dono da Vale porque tem acionistas com peso na empresa, caso da Previ e do BNDES. Para resolver a controvérsia, veja a declaração de Tito Martins, que é o candidato mais cotado para substituir o Agnelli: “Dois terços das nossas ações são comercializadas fora do Brasil. Estas ações são possuídas por não brasileiros.”

Trocar Tito Martins por Roger Agnelli à frente da Vale é o mesmo que trocar seis por meia dúzia. Esse senhor esteve à frente da empresa na luta para derrotar a heroica greve dos mineiros canadenses da Vale. Recusou-se a negociar com os grevistas para impor perdas de direitos. Preferiu ter um prejuízo de US$ 1 bilhão a ter de ceder direitos que custariam muito menos para os cofres da empresa. Foi uma queda de braço política, para tentar derrotar os trabalhadores.

Esse é o substituto que querem colocar à frente da Vale para defender os interesses do Brasil e dos trabalhadores!

Desafiamos o governo do PT e da CUT a reestatizar a Vale
Esta é a única forma de garantir que o crescimento da Vale sirva ao Brasil para construir uma indústria nacional de base, independente do imperialismo e das grandes corporações transnacionais. Se o governo Lula fosse, não diria socialista, mas minimamente democrático e nacionalista, teria reestatizado a Vale durante a crise de 2009.

Lula teria o apoio de toda a população e dos funcionários da empresa. Em plebiscito realizado em 2007, mais de três milhões de brasileiros aprovaram a reestatização da Vale. Lula criticou o plebiscito dizendo que isso “afugentaria os investidores privados do país”. Em pesquisas realizadas pelos sindicatos da Vale, mais de 90% dos funcionários se pronunciaram a favor da reestatização.

O governo Lula poderia reestatizar a Vale legalmente, pois detém uma ação com poder de veto, chamada Golden Share, que permite reestatizar a empresa em caso de fechamento de minas, mudança de nome ou mudança de composição acionária.

Desafiamos Dilma a cobrar 10% de compensação pela exploração mineral
Se o governo Lula tivesse coragem de enfrentar os empresários e os acionistas estrangeiros da Vale, teria aumentado a cobrança de royalties para a mineração. Eles pagam, hoje, somente 2% para extração de minério no Brasil. O governo tem coragem de cobrar da Petrobras 10% de royalties, mas não tem coragem de cobrar da multinacional Vale.

Em 20 anos, as maiores minas do Brasil estarão exauridas, deixando grandes crateras onde havia bilhões de dólares em minério de ferro. No final, os investidores estrangeiros irão embora deixando um rastro de destruição e miséria. Quem vai pagar por isso?

Apesar de Lula fazer bravata na TV, brigando publicamente com Roger Agnelli, seu governo não se dispôs a fazer o mesmo que fez o governo australiano, que cobra mais de 7% de royalties e está propondo recolher 40% do lucro líquido das empresas como compensação. O Canadá chega a cobrar até 18% de compensação pela exploração mineral do ferro. O Chile está estudando passar a alíquota atual de 5% para 9% em 2014.

Desafiamos o governo Dilma a impor a cobrança de 10% de royalties de compensação pela exploração do minério de ferro e a cobrança de 8% do lucro líquido das empresas para usar nas regiões mineradoras, para recuperação do meio ambiente destruído pela ação mineradora. Quando a Vale era estatal, existia uma cláusula no seu estatuto que determinava que a empresa deveria investir 8% do lucro líquido nas regiões onde explorava minérios.

Desafiamos Dilma a garantir a eleição direta para a direção
A única forma de impedir o controle estrangeiro sobre o subsolo brasileiro e sobre a Vale é reestatizando a empresa e colocando-a sob controle dos trabalhadores e do povo brasileiro. A eleição direta para a direção da Vale é a única forma de impedir que seja controlada por estrangeiros ou manipulada pelo governo de turno e suas alianças eleitorais momentâneas.

Esta eleição direta é feita para todos os cargos importantes do Brasil. Por que não se faz para eleger a direção da segunda maior empresa do país? Não custaria quase nada a realização de tal eleição do ponto de vista financeiro, enquanto suas vantagens políticas seriam imensas. A Vale é tão importante para a economia do país que, sozinha, é responsável pelo superávit comercial do Brasil. Sem as exportações da Vale, o comércio com o estrangeiro daria prejuízo.

Desafiamos o PT e a CUT a enfrentar o problema na raiz
Nos últimos 13 anos, os pressupostos que levaram à privatização da Vale se mostraram falsos: a empresa não era deficitária. Pelo contrário, suas reservas minerais e seu corpo de funcionários sempre foi muito rentável. Porém os temores que toda a população tinha sobre privatizar a Vale se mostraram verdadeiros. Temia-se pela alienação do patrimônio nacional e a consequente perda da soberania nacional.

Hoje, o povo brasileiro perdeu o poder de decidir sobre o uso do seu subsolo. Tampouco o governo manda na Vale, como ficou demonstrado nos últimos anos, quando o governo queria uma coisa e a Vale fez o oposto.

O governo está provocando a mudança de comando na Vale sem modificar o essencial. Enquanto a Vale for uma empresa privada em mãos de banqueiros nacionais e estrangeiros, ela servirá para o lucro fácil e rápido, cuja maior parte vai para o estrangeiro e não para o desenvolvimento do Brasil.

Existe uma contradição entre os objetivos da população brasileira para a Vale e os objetivos da iniciativa privada. Para resolver esta contradição, não basta trocar o comando da Vale, substituindo um gerente de banco por um gerente de produção. É necessário mudar o caráter da propriedade privada, cujo fim é o lucro privado, pela propriedade estatal e social, cujo fim é o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vida da população e a defesa do meio ambiente.

Se o Governo Dilma quer de fato resolver esta contradição favoravelmente ao Brasil, tem todas as condições econômicas, políticas e legais para reestatizar a Vale. Não pode ser que os interesses de um punhado de banqueiros esteja por cima dos interesses de 190 milhões de brasileiros.

Se o Governo Dilma, o PT e a CUT resolverem lutar pela reestatização da Vale, contarão com o apoio de todo o povo brasileiro. Caso não trilhem este caminho, estarão mudando tudo para que tudo permaneça como está. Significará a rendição completa do PT e da CUT à burguesia brasileira e ao imperialismo.

Se optar por este caminho é porque foi seduzido pelo brilho do poder e da riqueza. Terá prevalecido a cooptação do PT e da CUT pelo capital internacional e nacional. A tentação é grande, basta ver que os dois maiores contribuintes da campanha do PT e da Dilma em 2010 foram o Bradesco, que contribuiu com R$ 18.890.000 e a Vale, que contribuiu com outros R$ 18.380.000.

O Bradesco cedeu a contragosto ao retirar seu gerente do comando da Vale, para não perder regalias. Preferiu entregar os anéis para não perder os dedos. O Bradesco tem grandes negócios com o governo brasileiro, cuja rolagem da dívida pública lhe rende bilhões de reais anuais, além de acordos entre o Bradesco e o governo, como o do Banco Postal dos Correios Brasileiros, que está nas mãos desse banco e rende R$ 1 bilhão por ano.

Esperemos que todo este episódio não seja um acordo de cavalheiros entre o governo do PT, os banqueiros e os acionistas estrangeiros para “manter tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Caso se comprove este acordo de cavalheiros, se demonstrará que o PT e a CUT são agentes da recolonização do Brasil e da exploração do seu povo em proveito das grandes corporações transnacionais. Demonstrará também que somente a classe trabalhadora pode resgatar a soberania brasileira, entregue pela burguesia ao capital internacional, no processo de privatização das estatais.

NOTAS:
1. Um incidente, relatado por Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES na primeira gestão do Lula) na revista Retratos do Brasil de abril de 2008, mostra essa cara do Lula: “Comprei para impedir que o Mitsui ficasse com as ações da InvestVale [empresa que detinha as ações dos empregados da Vale], e passasse a ter direito de veto dentro da Valepar (sociedade que detém o controle acionário da Vale, onde está o BNDES, Bradesco, Mitsui e fundos de pensão das estatais). Se o Mitsui tivesse comprado estas ações, a Vale passaria a ser nipo-brasileira. Lula, que estava em viagem à África me telefonou chamando uma reunião. Eu fui. Estavam lá 4 ministros, que me criticaram muito. Lula disse: ‘Lessa, se eu estivesse na África e um jornalista me perguntasse se o governo brasileiro queria reestatizar a Vale eu diria que não. Mas parece que estávamos comprando a Vale naquele momento’.”
2. Declarações publicadas no jornal O Estado de São Paulo, 3 de abril de 2011, caderno de economia, página B6
3. Relatório anual da Vale 2008