Lojas fechadas no Rio. Foto Agência Brasil
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Brasil tem 17 milhões de pequenos negócios. Destes, 60% interromperam suas atividades temporariamente devido à pandemia. Entre eles, está a loja de utensílios domésticos da Solange Trindade e seu esposo Carlos Trindade, localizada no bairro de Itapuã, em Salvador, capital da Bahia.

Quando foram adotadas medidas de restrições mais rígidas, com o fechamento do comércio não essencial, tivemos que fechar a loja. Isso aconteceu ano passado e este ano. Entendemos a necessidade, mas sem políticas dos governos voltadas a nós, pequenos comerciantes, a situação ficou bem difícil”, disse Solange, em tom de tristeza e revolta.

A reclamação de Solange é mesma que faz a maioria dos pequenos empresários brasileiros, que sentiu a falta de medidas dos governos – federal, estaduais e municipais – para ajudar a reduzir os impactos da pandemia.

Todo nosso sustento vem aqui da loja. Além de mim e do meu marido, temos duas funcionárias, que estão com a gente há mais de 10 anos, que também dependem do que arrecadamos com as vendas. Só nós sabemos o que estamos passando, fizemos de tudo para não demitir nenhuma delas. Até agora, elas seguem com a gente. Vendemos um pequeno terreno que tínhamos. Se fossemos depender de governo, fecharíamos a loja”, desabafa a comerciante de Itapuã.

Os pequenos comércios não essenciais, como é o caso da loja de Solange e Carlos, registraram queda nas vendas, o que ocasionou na diminuição da renda e no atraso nos pagamentos de contas. Essa situação foi revelada pelo levantamento do Instituto Locomotiva, que apontou que 88% dos micro e pequenos comerciantes registraram redução nas vendas durante o período da pandemia. Além disso, 62% dos entrevistados apontaram diminuição da renda pessoal, e 58% têm contas em atraso.

Isso é porque a maioria depende das vendas do dia a dia para fechar as contas no fim do mês. São comércios como o nosso, que não têm outra forma de venda. Não temos entrega e não vendemos pela internet. Somos o tradicional comércio de rua, de bairros periféricos, que depende da movimentação de pessoas. Não temos como concorrer com as grandes lojas e comércios”, ressalta Solange.

Sem apoio aos pequenos

Não apoiar com eficácia os pequenos empresários durante a pandemia foi uma política deliberada do governo Bolsonaro. Na famosa reunião ministerial realizada em abril do ano passado, que foi gravada em um vídeo que vazou, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas“.

Se Bolsonaro aplica uma política genocida na área da saúde, para enfrentar a pandemia; aplica, também na economia, algo semelhante em relação aos pequenos empresários. Pior, quando fala que é contra lockdown, porque iria acabar com economia, Bolsonaro tenta se esquivar de sua responsabilidade em oferecer auxílio emergencial aos pequenos negócios.

Isto ao mesmo tempo em que o descontrole total da pandemia, provocado pelo governo, resulta num prolongamento da crise, vitimando mais pessoas e obrigando o comércio a ficar mais tempo fechado. Esse é o círculo vicioso e genocida que Bolsonaro impõe ao país.

Tudo isso tem levado a um número recorde de falências e de pedidos de recuperação judicial. De acordo com pesquisa realizada pela Boa Vista Serviços, em 2020, os pedidos de falência de empresas aumentaram em 12,7%. E 85% dos pedidos de falência são de micro e pequenas empresas.

Essa situação leva ao aumento da crise econômica e do desemprego, gerando um impacto destrutivo, já que as pequenas empresas representavam cerca de 54% dos empregos com carteira assinada e 27% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo o Sebrae.

Medidas insuficientes aos pequenos

Depois de muita pressão, Bolsonaro apresentou algumas medidas, que foram classificadas como insuficientes, falhas e cheias de burocracia, impedindo que chegassem a todos que precisam.

Entre elas estava o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que prometia condições favoráveis aos pequenos empresários, que poderiam pegar empréstimos em montantes de até 30% da receita bruta anual. O crédito seria devolvido em 36 vezes, com juros de até 1,25%, somados à taxa Selic (índice médio ajustado dos financiamentos diários, apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia).

Mas os pequenos comerciantes reclamam das dificuldades para acessar benefícios e linhas de financiamento. Este é o caso do Carlos Alexandre, dono de um salão de beleza, localizado no Centro de Salvador.

Logo no começo da pandemia, fui demitido do salão em que trabalhava. Peguei as verbas rescisórias e uma grana que tinha guardado e abri meu próprio salão. Mas, não consegui avançar com meus planos, que eram contratar duas pessoas para trabalhar comigo”, explica.

Desde que abriu o salão, Alexandre já passou alguns meses com o estabelecimento fechado. Mas foi avisado do financiamento ofertado pelo governo no ano passado. “Fui ao banco, mas é muito burocrático, pede muita coisa. Pra mim, que estava começando, ficava difícil. O que era pra ser uma ajuda, poderia virar problema. Resolvi adiar os planos”, disse.

A dificuldade de acesso aos créditos se revela nos números apresentados pelo governo, que propagandeou que 517 mil pequenas empresas foram atendidas pelo Pronampe, em 2020. Mas quando comparamos esse número com o total de 17 milhões de pequenas empresas existentes no país, constatamos que apenas 3% delas foram beneficiadas.

Além de insuficiente, o Pronampe  durou somente até o ano passado. Muitos dos que usaram a linha de crédito começaram 2021 sem conseguir pagar, pois a pandemia se agravou e o comércio foi fechado. O desamparo dos micros e pequenos empresários também se deu por parte dos governos estaduais e municipais, que pouca coisa fizeram para ajudar.

Muita grana aos grandes

Se a situação dos micros e pequenos é de sofrimento, já os grandes empresários é de fartura. As grandes companhias seguiram lucrando e recebendo grandes benefícios do Estado. Ano passado, as grandes empresas deixaram de repassar R$ 331 bilhões aos cofres públicos, com as renúncias fiscais concedidas pelo governo, apontam os dados da Receita Federal. Esse valor equivaleu a 4,35% do PIB. As estimativas apontam que este ano deixarão de ser arrecadados R$ 457 bilhões, quase 6% do PIB brasileiro.

Enquanto as micros e pequenas empresas estão endividadas, falidas, sem apoio; as grandes exibem lucros exorbitantes. De acordo com o levantamento da Economática, o setor de energia elétrica foi o que teve o maior lucro em 2020: R$ 42 bilhões. Em segundo lugar aparece o segmento de alimentos e bebidas, com o lucro de R$ 22 bilhões.

Esses dados mostram que o prejuízo e a falência que atingem os pequenos empresários são provocados pelos privilégios e vantagens dados às grandes empresas. O que deixa bem evidente que Bolsonaro quer apenas salvar a grande burguesia, enviando os trabalhadores para o abate. E, ainda, mente ao dizer que o governo não tem dinheiro para salvar os pequenos negócios.

A crise promove a falência das pequenas empresas e da classe média de diferentes setores, em prol dos grandes capitalistas e corporações. A situação atual mostra que a única maneira dos pequenos comerciantes e da classe média em geral não serem arrastados para as fileiras da miséria e terem direito a uma vida digna para si e para seus familiares, é aliarem-se à luta dos trabalhadores.

O que defendemos

– Auxílio-emergencial aos pequenos negócios, já! Linhas de crédito, custeadas pelo Estado, com subsídios, juros baixos, carência, melhores prazos e menos burocracia, sem alienações (transferência da posse) ou avalistas;

– Acabar com a renúncia fiscal, que retira dinheiro dos cofres públicos e beneficia grandes empresas;

– Congelamento dos aluguéis e das cobranças de empréstimos e isenção das cobranças das contas de luz, água, energia, internet e telefone, durante a pandemia, para os micros e pequenos empresários;

– Garantir o direito dos trabalhadores ficarem de quarentena, com a manutenção de seus salários e estabilidade de empregos!